06 Novembro 2016
“Os “3-T”, esse grito de vocês que faço meu, tem algo dessa inteligência humilde mas forte e sanadora. Um projeto-ponte dos povos frente ao projeto-muro do dinheiro”, disse o Papa Francisco no discurso proferido no término do III Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado em Roma.
“Faço minhas as palavras do meu irmão o Arcebispo Jerônimo de Grécia: “Quem vê os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “bancarrota” da humanidade”, asseverou o Papa.
E ele pergunta:
“Que passa no mundo de hoje que, quando se produz a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando se produz esta bancarrota da humanidade não há nem uma milésima parte para salvar a estes irmãos que tanto sofrem? E assim o Mediterrâneo se converteu num cemitério, e não somente o Mediterrâneo... tantos cemitérios junto aos muros, muros manchados de sangue inocente”.
Irmãs e irmãos, boa tarde.
Neste nosso 3º Encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, teto e trabalho para todos.
Agradeço a todos os delegados que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, de mais de 60 países, para discutir, mais uma vez, sobre como defender estes direitos que nos convocam. Obrigado aos bispos que vieram para acompanhá-los. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que se uniram hoje ao encerramento deste encontro.
Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos com a vida pública que vieram com humildade escutar e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens! Agradeço também a você, senhor cardeal Turkson, pelo trabalho que fez no dicastério; e gostaria também de recordar a contribuição do ex-presidente José Mujica, que está presente.
No último encontro, na Bolívia, com maioria de latino-americanos, falamos da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma mudança de estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que convergem milhares de pequenas e grandes ações criativamente concatenadas, como em uma poesia; por isso quis chamá-los “poetas sociais”; e elencamos também algumas tarefas imprescindíveis para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. colocar a economia a serviço dos povos; 2. construir a paz e a justiça; 3. defender a Mãe Terra.
Naquele dia, na voz de uma carrinheira e de um agricultor, fez-se a leitura das conclusões dos dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra mudança era repleta de grande conteúdo, era ligada às coisas fundamentais que vocês reivindicam: trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de trabalho; terra para os camponeses e povos originários; moradia para as famílias sem teto; integração urbana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e as novas formas de escravidão; o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a serviço dos povos. Ouvimos também como vocês se comprometeram a abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais.
É a felicidade de “viver bem” que vocês reclamam, a “vida boa”, e não esse ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a “boa vida”.
Nós, os que hoje estamos aqui, de origens, crenças e ideias diferentes, talvez não estejamos de acordo em tudo. Seguramente temos pensamentos diferentes sobre muitas coisas, mas concordamos nesses pontos.
Soube também de encontros e oficinas realizados em diversos países, onde se multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isso é muito importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de uma, três ou mil conferências: devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadureça nos territórios junto com os irmãos, um discernimento que se torne ação transformadora “segundo os lugares, os tempos e as pessoas”, como dizia Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de “certos nominalismos declarativos (slogans) que são frases bonitas, mas não conseguem apoiar a vida das nossas comunidades” (Carta ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016).
O colonialismo ideológico globalizante procura impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos. Vocês seguem por outro caminho que é, ao mesmo tempo, local e universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para organizar a multidão em grupos de cinquenta para distribuir o pão (Cf. Homilia na Solenidade de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).
Há pouco pudemos assistir ao vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste terceiro encontro. Vimos os rostos de vocês nos debates sobre como enfrentar “a desigualdade que gera violência”. Tantas propostas, tanta criatividade, tanta esperança na voz de vocês que, talvez, sejam os que mais motivos teriam para lamentar-se, permanecer paralisados nos conflitos, cair na tentação do negativo. Mesmo assim vocês olham em frente, pensam, discutem, propõem e agem. Parabenizo-os, acompanho-os, peço-lhes que continuem a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá força, nos dá força. Acredito que este nosso diálogo, que se soma aos esforços de tantos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça em todo o mundo, está lançando raízes.
No entanto, esta germinação, que é lenta, que tem os seus tempos como toda gestação, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que age em sentido contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança que seja capaz de deslocar o primado do dinheiro e colocar novamente no centro o ser humano. Esse “fio invisível” de que falamos na Bolívia, essa estrutura injusta que liga todas as exclusões que vocês sofrem, pode consolidar-se e transformar-se em um chicote, um chicote existencial que, no Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, fere sem misericórdia alguns e ameaça constantemente os outros, para abater a todos como gado até onde quer o dinheiro divinizado.
Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo! Há – eu disse recentemente –, há um terrorismo de base que emana do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terrorismos derivados, como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam de terrorismo étnico ou religiosos.
Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas em todos os lugares. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro” (Entrevista coletiva no voo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Esse sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o crescimento de uma ditadura econômica global que ele chamou de “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo Anno, 15 de maio de 1931, 109). A sala em que agora nos encontramos chama-se “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos a “nova forma abusiva de dominação econômica no campo social, cultural e político” (Carta Encíclica Octogesima Adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras, mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas disseram, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que o Papa repita neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a Doutrina Social da Igreja e o magistério de meus predecessores se rebelam contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Por isso, toda a tirania é terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos centros com diversas formas de violência, inclusive com atentados odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados, de outro. É essa a vida que Deus nosso Pai quer para os seus filhos?
O medo é alimentado, manipulado... Porque o medo, além de ser um bom negócio para os mercadores de armas e de morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do sofrimento alheio e, no final, nos torna cruéis. Quando ouvimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo.
Peço-lhes para que rezemos por todos aqueles que têm medo, rezemos para que Deus dê a eles coragem e que neste ano da misericórdia possa amolecer os nossos corações. A misericórdia não é fácil, não é fácil... exige coragem. Por isso, Jesus nos diz: “Não tenham medo” (Mt 14, 27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os antidepressivos e dos ansiolíticos. Muito mais eficaz do que os muros, as grades, os alarmes e as armas. E é grátis: é um dom de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não nos deixemos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem derrubar os muros da exclusão e da exploração (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o Terror com o Amor.
Um dia como este, um sábado, Jesus fez duas coisas que, nos diz o Evangelho, precipitaram o complô para matá-lo. Passava com os seus discípulos por um campo, um plantação. Os discípulos estavam com fome e comeram as espigas. Nada se diz sobre o “dono” daquele campo... encontrava-se subjacente a destinação universal dos bens. O certo é que diante da fome Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus antes que a uma interpretação formalística, obsequiosa e interessada da norma. Quando os doutores da lei se queixaram com indignação hipócrita, Jesus recordou a eles que Deus quer o amor e não sacrifícios, e explicou que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado (Cf. Mt 2, 27).
Jesus enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (Cf. Homilia, I Congresso de Evangelização da Cultura, Buenos Aires, 3 de novembro de 2006), que prioriza sempre o ser humano e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuram uma desculpa para capturá-lo. Ele curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso restituiu-lhe a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho, porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados.
Penso, às vezes, que quando vocês, os pobres organizados, inventam o seu próprio trabalho, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando as inclemências do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar e alimentar quem tem fome, quando vocês estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, essa atrofia do sistema socioeconômico reinante que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês, às vezes, sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
Jesus, que naquele sábado arriscou a vida, porque depois de curar aquela mão, fariseus e herodianos (Cf. Mc 3,6), dois partidos opostos entre si, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e confabularam para matá-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei que alguns não estão aqui hoje porque arriscaram a vida... Mas não existe amor maior do que dar a vida. Isto nos ensina Jesus.
Os “3-T”, esse grito de vocês que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde, mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo cardeal Turkson preside o dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano Integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia.
Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer alguns implantes cosméticos que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, envolvendo-nos a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... mas não permite o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso com a Criação.
Queridos irmãos, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre outros dois temas que, junto com as “3-T” e a ecologia integral, foram centrais em seus debates dos últimos dias e são centrais neste tempo histórico.
Sei que vocês dedicaram um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados. O que fazer diante desta tragédia? No dicastério cujo responsável é o cardeal Turkson existe um setor que se ocupa destas situações. Decidi que, ao menos por um certo tempo, este setor vai ficar submetido diretamente ao Pontífice, porque esta é uma situação infame, que posso somente descrever com uma palavra que me saiu espontaneamente em Lampedusa: vergonha.
Lá, assim como em Lesbos, pude ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas de sua terra por motivos econômicos ou violências de todos os tipos, multidões exiladas – disse isto diante das autoridades de todo o mundo – por causa de um sistema socioeconômico injusto e de conflitos bélicos que não provocaram, que não foram criados por aqueles que hoje sofrem o doloroso desenraizamento da sua Pátria, mas antes muitos daqueles que se recusam a recebê-los.
Faço minhas as palavras do meu irmão o Arcebispo Jerônimo da Grécia: “Quem vê os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “bancarrota” da humanidade” (Discurso no Campo de Refugiados de Moria, em Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se em um cemitério, e não somente o Mediterrâneo... tantos cemitérios próximos aos muros, muros manchados de sangue inocente.
O medo endurece o coração e transforma-se em crueldade cega que se recusa a ver o sangue, a dor, o rosto do outro. Quem disse isso foi o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não olhou nos olhos de vocês. Quem tem medo de vocês não viu os rostos de vocês. Quem tem medo de vocês não viu os filhos de vocês. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo” (Discurso no Campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É, na realidade, um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria Pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançado nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras. E é triplo se, ao chegar à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor, são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades.
Peço-lhes para fazerem todo o possível e que nunca se esqueçam de que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-lhes para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas falidas, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir casas, integrar bairros segregados e reclamar sem descanso como essa viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (Cf. Lc 18, 1-8).
Talvez com o seu exemplo e a sua insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal.
Dar o exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isso me leva ao segundo tema que vocês debateram no encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até tornar-se irreconhecível. O abismo entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais em consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las.
Os movimentos populares, eu sei disso, não são partidos políticos e deixem que eu lhes diga que, em grande parte, aqui está a riqueza de vocês, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito novamente Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – se bem que não seja a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros” (Carta Apostólica Octosegima Adveniens, 14 de maio de 1971, 46).
Gostaria de sublinhar dois riscos que giram em torno da relação entre os movimentos populares e a política: o risco de deixar-se formatar e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar formatar, porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório popular, a horta agroecológica, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a Política com maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres e muito menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece, às vezes, uma espécie de caminhão caçamba maquiado para conter o descarte do sistema.
Quando vocês, a partir da sua relação com o território, da sua realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização do trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousarem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritarem, quando pretenderem indicar ao poder um planejamento mais integral, então vocês não serão mais tolerados tanto, porque estarão saindo do formato, estarão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim, a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção do seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que os reduz a atores secundários, ou pior ainda, a meros administradores da miséria existente. Neste tempo de paralisias, de desorientação e de propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoísta e uma segurança ilusória.
Sabemos que “enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais” (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 202). Por isso, disse e repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está, sobretudo, nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças” (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015).
Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no Encontro de Juízes e Magistrados contra o Tráfico de Pessoas e o Crime Organizado, Vaticano, 3 de junho 2016).
O segundo risco, dizia-lhes, é deixar-se corromper. Como a política não é um assunto dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política. Existe corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção nos meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que existe uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção diretamente e ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muitas vezes os casos de corrupção são utilizados com más intenções.
Mas também é justo esclarecer que aqueles que escolheram uma vida de serviço, têm uma obrigação adicional que se soma à honestidade com que qualquer pessoas deve agir na vida. A medida é muito alta: é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de austeridade e a humildade. Isso vale para os políticos, mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores.
A qualquer pessoa que seja muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as mansões suntuosas, as roupas refinadas, os carros de luxo, aconselharia a entender o que está acontecendo em seu coração e a rezar a Deus para que o liberte destes apegos. Mas, parafraseando o ex-presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, não entre na política, não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade; e praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-lhes que não subestimem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no Youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos 3-T. Peço-lhes, dirigentes, para não se cansarem de praticar esta austeridade e peço a todos que exijam dos dirigentes essa austeridade, que – por outro lado – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
Gostaria, para concluir, pedir-lhes para continuar a combater o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles que sofrem. Vocês vão errar muitas vezes, todos erramos, mas se perseveramos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. E insisto, contra o terror, o melhor remédio é o amor. O amor tudo cura. Alguns sabem que depois do Sínodo sobre a Família escrevi a Amoris Laetitia, um documento sobre o amor em cada família, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Alguém de vocês me pediu para distribuir um fascículo que contém um fragmento do capítulo quatro deste documento. Penso que vão entregá-lo a vocês na saída. E, portanto, com a minha bênção. Lá se encontram alguns “conselhos úteis” para praticar o mais importante dos mandamentos de Jesus.
Na Amoris Laetitia cito um falecido líder afroamericano, Martin Luther King, que sabia sempre escolher o amor fraterno até mesmo em meio às piores perseguições e humilhações. Quero recordar esta passagem com vocês: “Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que procuras derrotar são os sistemas malignos. Às pessoas que caíram na armadilha desse sistema, tu as amas, mas procuras derrotar o sistema (...) Ódio por ódio só intensifica a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te bato e tu me bates, e te devolvo a pancada e tu me devolves a pancada, e assim por diante, obviamente continua-se até o infinito; simplesmente nunca termina. Nalgum momento, alguém deve ter um pouco de bom senso, e esta é a pessoa forte. A pessoa forte é aquela que pode quebrar a cadeia do ódio, a cadeia do mal” (n. 118; Sermão na Igreja Batista da Avenida Dexter, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957).
Agradeço-lhes novamente pela sua presença. Agradeço-lhes pelo seu trabalho. Desejo pedir a Deus nosso Pai que os acompanhe e os abençoe, que os cumule de seu amor e os defenda no caminho, dando-lhes em abundância a força que nos mantém em pé e nos dá a coragem para romper a cadeia do ódio: a força é a esperança. Peço-lhes, por favor, para rezarem por mim, e aqueles que não podem rezar, já sabem, pensem bem de mim e me enviem uma boa onda. Obrigado.
Hermanas y hermanos, buenas tardes.
En este nuestro tercer encuentro expresamos la misma sed, la sed de justicia, el mismo clamor: tierra, techo y trabajo para todos.
Agradezco a los delegados, que han llegado desde las periferias urbanas, rurales y laborales de los cinco continentes, de más de 60 países, a debatir una vez más cómo defender estos derechos que nos convocan. Gracias a los Obispos que vinieron a acompañarlos. Gracias también a los miles de italianos y europeos que se han unido hoy al cierre de este Encuentro.
Gracias a los observadores y jóvenes comprometidos con la vida pública que vinieron con humildad a escuchar y aprender. ¡Cuánta esperanza tengo en los jóvenes! Le agradezco también a Usted, Señor Cardenal Turkson, el trabajo que han hecho en el Dicasterio; y también quisiera mencionar el aporte del ex Presidente uruguayo José Mujica que está presente.
En nuestro último encuentro, en Bolivia, con mayoría de Latinoamericanos, hablamos de la necesidad de un cambio para que la vida sea digna, un cambio de estructuras; también de cómo ustedes, los movimientos populares, son sembradores de ese cambio, promotores de un proceso en el que confluyen millones de acciones grandes y pequeñas encadenadas creativamente, como en una poesía; por eso quise llamarlos "poetas sociales"; y también enumeramos algunas tareas imprescindibles para marchar hacia una alternativa humana frente a la globalización de la indiferencia: 1. poner la economía al servicio de los pueblos; 2. construir la paz y la justicia; 3. defender la Madre Tierra.
Ese día, en la voz de una cartonera y de un campesino, se dio lectura a las conclusiones, los diez puntos de Santa Cruz de la Sierra, donde la palabra cambio estaba preñada de gran contenido, estaba enlazada a cosas fundamentales que ustedes reivindican: trabajo digno para los excluidos del mercado laboral; tierra para los campesinos y pueblos originarios; vivienda para las familias sin techo; integración urbana para los barrios populares; erradicación de la discriminación, de la violencia contra la mujer y de las nuevas formas de esclavitud; el fin de todas las guerras, del crimen organizado y de la represión; libertad de expresión y comunicación democrática; ciencia y tecnología al servicio de los pueblos. Escuchamos también cómo se comprometían a abrazar un proyecto de vida que rechace el consumismo y recupere la solidaridad, el amor entre nosotros y el respeto a la naturaleza como valores esenciales.
Es la felicidad de «vivir bien» lo que ustedes reclaman, la «vida buena», y no ese ideal egoísta que engañosamente invierte las palabras y propone la «buena vida».
Quienes hoy estamos aquí, con orígenes, creencias e ideas diversas, tal vez no estemos de acuerdo en todo, seguramente pensamos distinto en muchas cosas, pero coincidimos en esos puntos.
Supe también de encuentros y talleres realizados en distintos países donde multiplicaron los debates a la luz de la realidad de cada comunidad.
Eso es muy importante porque las soluciones reales a las problemáticas actuales no van a salir de una, tres o mil conferencias: tienen que ser fruto de un discernimiento colectivo que madure en los territorios junto a los hermanos, un discernimiento que se convierte en acción transformadora «según los lugares, tiempos y personas» como diría san Ignacio. Si no, corremos el riesgo de las abstracciones, de «los nominalismos declaracionistas (slogans) que son bellas frases pero no logran sostener la vida de nuestras comunidades» (Carta al Presidente de la Pontificia Comisión Para América Latina, 19 de marzo de 2016).
El colonialismo ideológico globalizante procura imponer recetas supraculturales que no respetan la identidad de los Pueblos. Ustedes van por otro camino que es, al mismo tiempo, local y universal. Un camino que me recuerda cómo Jesús pidió organizar a la multitud en grupos de cincuenta para repartir el pan (Cf. Homilía en la Solemnidad de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junio de 2004).
Recién pudimos ver el video que han presentado a modo de conclusión de este tercer Encuentro. Vimos los rostros de ustedes en los debates sobre qué hacer frente a «la inequidad que engendra violencia». Tantas propuestas, tanta creatividad, tanta esperanza en la voz de ustedes que tal vez sean los que más motivos tienen para quejarse, quedar encerrados en los conflictos, caer en la tentación de lo negativo. Pero, sin embargo, miran hacia adelante, piensan, discuten, proponen y actúan. Los felicito, los acompaño, les pido que sigan abriendo caminos y luchando. Eso me da fuerza, nos da fuerza. Creo que este dialogo nuestro, que se suma al esfuerzo de tantos millones que trabajan cotidianamente por la justicia en todo el mundo, va echando raíces.
Sin embargo, esa germinación que es lenta, que tiene sus tiempos como toda gestación, está amenazada por la velocidad de un mecanismo destructivo que opera en el sentido contrario. Hay fuerzas poderosas que pueden neutralizar este proceso de maduración de un cambio que sea capaz de desplazar la primacía del dinero y coloque nuevamente en el centro al ser humano. Ese «hilo invisible» del que hablamos en Bolivia, esa estructura injusta que enlaza a todas las exclusiones que ustedes sufren, puede endurecerse y convertirse en un látigo, un látigo existencial que, como en el Egipto del Antiguo Testamento, esclaviza, roba la libertad, azota sin misericordia a unos y amenaza constantemente a otros, para arriar a todos como ganado hacia donde quiere el dinero divinizado.
¿Quién gobierna entonces? El dinero ¿Cómo gobierna? Con el látigo del miedo, de la inequidad, de la violencia económica, social, cultural y militar que engendra más y más violencia en una espiral descendente que parece no acabar jamás. ¡Cuánto dolor, cuánto miedo! Hay - lo dije hace poco -, hay un terrorismo de base que emana del control global del dinero sobre la tierra y atenta contra la humanidad entera. De ese terrorismo básico se alimentan los terrorismos derivados como el narcoterrorismo, el terrorismo de estado y lo que erróneamente algunos llaman terrorismo étnico o religioso.
Ningún pueblo, ninguna religión es terrorista. Es cierto, hay pequeños grupos fundamentalistas en todos lados. Pero el terrorismo empieza cuando «has desechado la maravilla de la creación, el hombre y la mujer, y has puesto allí el dinero» (Conferencia de prensa en el Vuelo de Regreso del Viaje Apostólico a Polonia, 31 de julio de 2016). Ese sistema es terrorista.
Hace casi cien años, Pío XI preveía el crecimiento de una dictadura económica mundial que él llamó «imperialismo internacional del dinero» (Carta Enc. Quadragesimo Anno, 15 de mayo de 1931, 109). El aula en la que estamos ahora se llama "Paolo VI", y fue Pablo VI quien denunció hace casi cincuenta año las «nueva forma abusiva de dictadura económica en el campo social, cultural e incluso político» (Carta Ap. Octogesima adveniens, 14 de mayo de 1971, 44). Son palabras duras pero justas de mis antecesores que avizoraron el futuro. La Iglesia y los profetas dijeron, hace milenios, lo que tanto escandaliza que repita el Papa en este tiempo cuando todo aquello alcanza expresiones inéditas. Toda la doctrina social de la Iglesia y el magisterio de mis antecesores se rebelan contra el ídolo-dinero que reina en lugar de servir, tiraniza y aterroriza a la humanidad.
Ninguna tiranía se sostiene sin explotar nuestros miedos. De ahí que toda tiranía sea terrorista. Y cuando ese terror, que se sembró en las periferias con masacres, saqueos, opresión e injusticia, explota en los centros con distintas formas de violencia, incluso con atentados odiosos y cobardes, los ciudadanos que aún conservan algunos derechos son tentados con la falsa seguridad de los muros físicos o sociales. Muros que encierran a unos y destierran a otros. Ciudadanos amurallados, aterrorizados, de un lado; excluidos, desterrados, más aterrorizados todavía, del otro. ¿Es esa la vida que nuestro Padre Dios quiere para sus hijos?
Al miedo se lo alimenta, se lo manipula... Porque el miedo, además de ser un buen negocio para los mercaderes de armas y de muerte, nos debilita, nos desequilibra, destruye nuestras defensas psicológicas y espirituales, nos anestesia frente al sufrimiento ajeno y al final nos hace crueles. Cuando escuchamos que se festeja la muerte de un joven que tal vez erró el camino, cuando vemos que se prefiere la guerra a la paz, cuando vemos que se generaliza la xenofobia, cuando constatamos que ganan terreno las propuestas intolerantes; detrás de esa crueldad que parece masificarse está el frío aliento del miedo.
Les pido que recemos por todos los que tienen miedo, recemos para que Dios les dé el valor y que en este año de la misericordia podamos ablandar nuestros corazones. La misericordia no es fácil, no es fácil... requiere coraje. Por eso Jesús nos dice: «No tengan miedo» (Mt 14,27), pues la misericordia es el mejor antídoto contra el miedo. Es mucho mejor que los antidepresivos y los ansiolíticos. Mucho más eficaz que los muros, las rejas, las alarmas y las armas. Y es gratis: es un don de Dios.
Queridos hermanos y hermanas: todos los muros caen. No nos dejemos engañar. Como han dicho ustedes: «Sigamos trabajando para construir puentes entre los pueblos, puentes que nos permitan derribar los muros de la exclusión y la explotación» (Documento Conclusivo del II Encuentro Mundial de los Movimientos Populares, 11 de julio de 2015, Cruz de la Sierra, Bolivia). Enfrentemos el Terror con Amor.
Un día como hoy, un sábado, Jesús hizo dos cosas que, nos dice el Evangelio, precipitaron la conspiración para matarlo. Pasaba con sus discípulos por un campo, un sembradío. Los discípulos tenían hambre y comieron las espigas. Nada se nos dice del «dueño» de aquel campo... subyacía el destino universal de los bienes. Lo cierto es que frente al hambre, Jesús priorizó la dignidad de los hijos de Dios sobre una interpretación formalista, acomodaticia e interesada de la norma. Cuando los doctores de la ley se quejaron con indignación hipócrita, Jesús les recordó que Dios quiere amor y no sacrificios, y les explicó que el sábado está hecho para el ser humano y no el ser humano para el sábado (cf. Mc 2,27).
Enfrentó al pensamiento hipócrita y suficiente con la inteligencia humilde del corazón (cf. Homilía, I Congreso de Evangelización de la Cultura, Buenos Aires, 3 de noviembre de 2006), que prioriza siempre al ser humano y rechaza que determinadas lógicas obstruyan su libertad para vivir, amar y servir al prójimo.
Y después, ese mismo día, Jesús hizo algo «peor», algo que irritó aún más a los hipócritas y soberbios que lo estaban vigilando porque buscaban alguna excusa para atraparlo. Curó la mano atrofiada de un hombre. La mano, ese signo tan fuerte del obrar, del trabajo. Jesús le devolvió a ese hombre la capacidad de trabajar y con ello le devolvió la dignidad. Cuántas manos atrofiadas, cuantas personas privadas de la dignidad del trabajo, porque los hipócritas para defender sistemas injustos, se oponen a que sean sanadas.
A veces pienso que cuando ustedes, los pobres organizados, se inventan su propio trabajo, creando una cooperativa, recuperando una fábrica quebrada, reciclando el descarte de la sociedad de consumo, enfrentando las inclemencias del tiempo para vender en una plaza, reclamando una parcela de tierra para cultivar y alimentar a los hambrientos, están imitando a Jesús porque buscan sanar, aunque sea un poquito, aunque sea precariamente, esa atrofia del sistema socioeconómico imperante que es el desempleo. No me extraña que a ustedes también a veces los vigilen o los persigan y tampoco me extraña que a los soberbios no les interese lo que ustedes digan.
Jesús, ese sábado, se jugó la vida porque después de sanar esa mano, fariseos y herodianos (cf. Mc 3,6), dos partidos enfrentados entre sí, que temían al pueblo y también al imperio, hicieron sus cálculos y se confabularon para matarlo. Sé que muchos de ustedes se juegan la vida. Sé que algunos no están hoy acá porque se jugaron la vida... pero no hay mayor amor que dar la vida. Eso nos enseña Jesús.
Las «3-T», ese grito de ustedes que hago mío, tiene algo de esa inteligencia humilde pero a la vez fuerte y sanadora. Un proyecto-puente de los pueblos frente al proyecto-muro del dinero. Un proyecto que apunta al desarrollo humano integral. Algunos saben que nuestro amigo el Cardenal Turkson preside ahora el Dicasterio que lleva ese nombre: Desarrollo Humano Integral. Lo contrario al desarrollo, podría decirse, es la atrofia, la parálisis.
Tenemos que ayudar para que el mundo se sane de su atrofia moral. Este sistema atrofiado puede ofrecer ciertos implantes cosméticos que no son verdadero desarrollo: crecimiento económico, avances técnicos, mayor «eficiencia» para producir cosas que se compran, se usan y se tiran englobándonos a todos en una vertiginosa dinámica del descarte... pero no permite el desarrollo del ser humano en su integralidad, el desarrollo que no se reduce al consumo, que no se reduce al bienestar de pocos, que incluye a todos los pueblos y personas en la plenitud de su dignidad, disfrutando fraternalmente de la maravilla de la Creación. Ese es el desarrollo que necesitamos: humano, integral, respetuoso de la Creación.
Queridos hermanos, quiero compartir con ustedes algunas reflexiones sobre otros dos temas que, junto a las «3-T» y la ecología integral, fueron centrales en sus debates de los últimos días y son centrales en este tiempo histórico.
Sé que dedicaron una jornada al drama de los emigrantes, refugiados y desplazados. ¿Qué hacer frente a esta tragedia? En el Dicasterio que tiene a su cargo el Cardenal Turkson hay un departamento para la atención de estas situaciones. Decidí que, al menos por un tiempo, ese departamento dependa directamente del Pontífice, porque aquí hay una situación oprobiosa, que sólo puedo describir con una palabra que me salió espontáneamente en Lampedusa: vergüenza.
Allí, como también en Lesbos, pude sentir de cerca el sufrimiento de tantas familias expulsadas de su tierra por razones económicas o violencias de todo tipo, multitudes desterradas - lo he dicho frente a las autoridades de todo el mundo - como consecuencia de un sistema socioeconómico injusto y de conflictos bélicos que no buscaron, que no crearon quienes hoy padecen el doloroso desarraigo de su suelo patrio sino más bien muchos de aquellos que se niegan a recibirlos.
Hago mías las palabras de mi hermano el Arzobispo Jerónimo de Grecia: «Quien ve los ojos de los niños que encontramos en los campos de refugiados es capaz de reconocer de inmediato, en su totalidad, la "bancarrota" de la humanidad» (Discurso en el Campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016) ¿Qué le pasa al mundo de hoy que, cuando se produce la bancarrota de un banco de inmediato aparecen sumas escandalosas para salvarlo, pero cuando se produce esta bancarrota de la humanidad no hay casi ni una milésima parte para salvar a esos hermanos que sufren tanto? Y así el Mediterráneo se ha convertido en un cementerio, y no sólo el Mediterráneo... tantos cementerios junto a los muros, muros manchados de sangre inocente.
El miedo endurece el corazón y se transforma en crueldad ciega que se niega a ver la sangre, el dolor, el rostro del otro. Lo dijo mi hermano el Patriarca Bartolomé: «Quien tiene miedo de vosotros no os ha mirado a los ojos. Quien tiene miedo de vosotros no ha visto vuestros rostros.
Quien tiene miedo no ve a vuestros hijos. Olvida que la dignidad y la libertad trascienden el miedo y la división. Olvida que la migración no es un problema de Oriente Medio y del norte de África, de Europa y de Grecia. Es un problema del mundo» (Discurso en el Campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
Es, en verdad, un problema del mundo. Nadie debería verse obligado a huir de su Patria. Pero el mal es doble cuando, frente a esas circunstancias terribles, el emigrante se ve arrojado a las garras de los traficantes de personas para cruzar las fronteras y es triple si al llegar a la tierra donde creyó que iba a encontrar un futuro mejor, se lo desprecia, se lo explota e incluso se lo esclaviza. Esto se puede ver en cualquier rincón de cientos de ciudades.
Les pido a ustedes que hagan todo lo que puedan y nunca se olviden que Jesús, María y José experimentaron también la condición dramática de los refugiados. Les pido que ejerciten esa solidaridad tan especial que existe entre los que han sufrido. Ustedes saben recuperar fábricas de las bancarrotas, reciclar lo que otros tiran, crear puestos de trabajo, labrar la tierra, construir viviendas, integrar barrios segregados y reclamar sin descanso como esa viuda del Evangelio que pide justicia insistentemente (cf. Lc 18,1-8).
Tal vez con su ejemplo y su insistencia, algunos Estados y Organismos internacionales abran los ojos y adopten las medidas adecuadas para acoger e integrar plenamente a todos los que, por una u otra circunstancia, buscan refugio lejos de su hogar. Y también para enfrentar las causas profundas por las que miles de hombres, mujeres y niños son expulsados cada día de su tierra natal.
Dar el ejemplo y reclamar es una forma de meterse en política y eso me lleva al segundo eje que debatieron en su Encuentro: la relación entre pueblo y democracia. Una relación que debería ser natural y fluida pero que corre el peligro de desdibujarse hasta ser irreconocible. La brecha entre los pueblos y nuestras formas actuales de democracia se agranda cada vez más como consecuencia del enorme poder de los grupos económicos y mediáticos que parecieran dominarlas.
Los movimientos populares, lo sé, no son partidos políticos y déjenme decirles que, en gran medida, en eso radica su riqueza, porque expresan una forma distinta, dinámica y vital de participación social en la vida pública. Pero no tengan miedo de meterse en las grandes discusiones, en Política con mayúscula y cito de nuevo a Pablo VI: «La política ofrece un camino serio y difícil-aunque no el único-para cumplir el deber grave que cristianos y cristianas tienen de servir a los demás» (Lett. Ap. Octogesima adveniens, 14 de mayo 1971, 46).
Quisiera señalar dos riesgos que giran en torno a la relación entre los movimientos populares y la política: el riesgo de dejarse encorsetar y el riesgo de dejarse corromper.
Primero, no dejarse encorsetar, porque algunos dicen: la cooperativa, el comedor, la huerta agroecológica, el microemprendimiento, el diseño de los planes asistenciales... hasta ahí está bien. Mientras se mantengan en el corsé de las «políticas sociales», mientras no cuestionen la política económica o la política con mayúscula, se los tolera. Esa idea de las políticas sociales concebidas como una política hacia los pobres pero nunca con los pobres, nunca de los pobres y mucho menos inserta en un proyecto que reunifique a los pueblos a veces me parece una especie de volquete maquillado para contener el descarte del sistema.
Cuando ustedes, desde su arraigo a lo cercano, desde su realidad cotidiana, desde el barrio, desde el paraje, desde la organización del trabajo comunitario, desde las relaciones persona a persona, se atreven a cuestionar las «macrorelaciones», cuando chillan, cuando gritan, cuando pretenden señalarle al poder un planteo más integral, ahí ya no se los tolera tanto porque se están saliendo del corsé, se están metiendo en el terreno de las grandes decisiones que algunos pretenden monopolizar en pequeñas castas. Así la democracia se atrofia, se convierte en un nominalismo, una formalidad, pierde representatividad, se va desencarnando porque deja afuera al pueblo en su lucha cotidiana por la dignidad, en la construcción de su destino.
Ustedes, las organizaciones de los excluidos y tantas organizaciones de otros sectores de la sociedad, están llamados a revitalizar, a refundar las democracias que pasan por una verdadera crisis. No caigan en la tentación del corsé que los reduce a actores secundarios, o peor aún, a meros administradores de la miseria existente. En estos tiempos de parálisis, de desorientación y propuestas destructivas, la participación protagónica de los pueblos que buscan el bien común puede vencer, con la ayuda de Dios, a los falsos profetas que explotan el miedo y la desesperanza, que venden fórmulas mágicas de odio y crueldad o de un bienestar egoísta y una seguridad ilusoria.
Sabemos que «mientras no se resuelvan radicalmente los problemas de los pobres, renunciando a la autonomía absoluta de los mercados y de la especulación financiera y atacando las causas estructurales de la inequidad, no se resolverán los problemas del mundo y en definitiva ningún problema. La inequidad es raíz de los males sociales» (Exhort. ap. postsin. Evangelii gaudium, 202). Por eso, lo dije y lo repito: «El futuro de la humanidad no está únicamente en manos de los grandes dirigentes, las grandes potencias y las elites. Está fundamentalmente en manos de los pueblos, en su capacidad de organizarse y también en sus manos que riegan con humildad y convicción este proceso de cambio» (Discurso en el Segundo Encuentro mundial de los Movimientos Populares, Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, 9 de julio de 2015).
La Iglesia también puede y debe, sin pretender el monopolio de la verdad, pronunciarse y actuar especialmente frente a «situaciones donde se tocan las llagas y el sufrimiento dramático, y en las cuales están implicados los valores, la ética, las ciencias sociales y la fe» (Discurso a la Cumbre de Jueces y Magistrados contra el Tráfico de Personas y el Crimen Organizado, Vaticano, 3 de junio de 2016).
El segundo riesgo, les decía, es dejarse corromper. Así como la política no es un asunto de los «políticos», la corrupción no es un vicio exclusivo de la política. Hay corrupción en la política, hay corrupción en las empresas, hay corrupción en los medios de comunicación, hay corrupción en las iglesias y también hay corrupción en las organizaciones sociales y los movimientos populares. Es justo decir que hay una corrupción naturalizada en algunos ámbitos de la vida económica, en particular la actividad financiera, y que tiene menos prensa que la corrupción directamente ligada al ámbito político y social.
Es justo decir que muchas veces se manipulan los casos de corrupción con malas intenciones. Pero también es justo aclarar que quienes han optado por una vida de servicio tienen una obligación adicional que se suma a la honestidad con la que cualquier persona debe actuar en la vida. La vara es más alta: hay que vivir la vocación de servir con un fuerte sentido de austeridad y humildad. Esto vale para los políticos pero también vale para los dirigentes sociales y para nosotros, los pastores.
A cualquier persona que tenga demasiado apego por las cosas materiales o por el espejo, a quien le gusta el dinero, los banquetes exuberantes, las mansiones suntuosas, los trajes refinados, los autos de lujo, le aconsejaría que se fije qué está pasando en su corazón y rece para que Dios lo libere de estas ataduras. Pero, parafraseando al ex Presidente latinoamericano que está por acá, el que tenga afición por todas esas cosas, por favor, que no se meta en política, que no se meta en una organización social o en un movimiento popular, porque va a hacer mucho daño a sí mismo y al prójimo y va a manchar la noble causa que enarbola.
Frente a la tentación de la corrupción, no hay mejor antídoto que la austeridad; y practicar la austeridad es, además, predicar con el ejemplo. Les pido que no subestimen el valor del ejemplo porque tiene más fuerza que mil palabras, que mil volantes, que mil likes, que mil retweets, que mil videos de youtube. El ejemplo de una vida austera al servicio del prójimo es la mejor forma de promover el bien común y el proyecto-puente de las 3-T. Les pido a los dirigentes que no se cansen de practicar la austeridad y les pido a todos que exijan a los dirigentes esa austeridad, la cual -por otra parte- los hará muy felices.
Queridos hermanas y hermanos, la corrupción, la soberbia, el exhibicionismo de los dirigentes aumenta el descreimiento colectivo, la sensación de desamparo y retroalimenta el mecanismo del miedo que sostiene este sistema inicuo.
Quisiera, para finalizar, pedirles que sigan enfrentando el miedo con una vida de servicio, solidaridad y humildad en favor de los pueblos y en especial de los que más sufren. Se van a equivocar muchas veces, todos nos equivocamos, pero si perseveramos en este camino, más temprano que tarde, vamos a ver los frutos. E insisto, contra el terror, el mejor antídoto es el amor. El amor todo lo cura. Algunos saben que después del Sínodo de la familia escribí Amoris Laetitia, un documento sobre el amor en la familia de cada uno, pero también en esa otra familia que es el barrio, la comunidad, el pueblo, la humanidad. Uno de ustedes me pidió distribuir un cuadernillo que contiene un fragmento del capítulo cuarto de ese documento. Creo que se los van a entregar a la salida. Va entonces con mi bendición. Allí hay algunos «consejos útiles» para practicar el más importante de los mandamientos de Jesús.
En Amoris Laetitia cito a un fallecido dirigente afroamericano, Martin Luther King, el cual volvía a optar por el amor fraterno aun en medio de las peores persecuciones y humillaciones. Quiero recordarlo hoy con ustedes: «Cuando te elevas al nivel del amor, de su gran belleza y poder, lo único que buscas derrotar es los sistemas malignos. A las personas atrapadas en ese sistema, las amas, pero tratas de derrotar ese sistema [...] Odio por odio sólo intensifica la existencia del odio y del mal en el universo. Si yo te golpeo y tú me golpeas, y te devuelvo el golpe y tú me lo devuelves, y así sucesivamente, es evidente que se llega hasta el infinito. Simplemente nunca termina. En algún lugar, alguien debe tener un poco de sentido, y esa es la persona fuerte.
La persona fuerte es la persona que puede romper la cadena del odio, la cadena del mal» (n. 118; Sermón en la iglesia Bautista de la Avenida Dexter, Montgomery, Alabama, 17 de noviembre de 1957).
Les agradezco nuevamente su presencia. Les agradezco su trabajo. Quiero pedirle a nuestro Padre Dios que los acompañe y los bendiga, que los colme de su amor y los defienda en el camino dándoles abundantemente esa fuerza que nos mantiene en pie y nos da coraje para romper la cadena del odio: esa fuerza es la esperanza. Les pido por favor que recen por mí y los que no pueden rezar, ya saben, piénsenme bien y mándenme buena onda. Gracias.
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“Há um terrorismo de base que emana do controle do dinheiro sobre a terra”. A íntegra do discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU