01 Novembro 2016
A eleição de Marcelo Crivella como prefeito do Rio de Janeiro está sendo interpretada como um marco importante do crescente peso dos evangélicos na política brasileira.
Sua vitória, porém, não indica uma tendência de eleição de outras lideranças ligadas a igrejas pentecostais para cargos de destaque no Poder Executivo (como governadores e Presidência da República), avaliam estudiosos da relação entre política e religião ouvidos pela BBC Brasil.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 01-11-2016.
Para esses especialistas, a eleição de Marcelo Crivella é resultado de uma conjunção de fatores que se somaram à força do segmento evangélico.
Os analistas também consideram que, uma vez empossado, o prefeito da segunda maior metrópole brasileira tenderá a moderar o seu discurso em busca de possibilitar a formação de alianças.
Para os entrevistados, o bispo licenciado da Igreja Universal se beneficiou de uma onda de direita conservadora que ganhou espaço no vácuo deixado pelo encolhimento do PT e da esquerda.
Mas o fenômeno não se aplica necessariamente a outros casos.
Na opinião de Gerson Moraes, professor de ética e filosofia política da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as lideranças fortemente associadas às igrejas evangélicas ainda estão "bem distantes" de conquistar a Presidência da República e devem continuar mais fortes no Congresso e em assembleias legislativas.
Segundo o sociólogo da USP Ricardo Mariano, "um contexto específico" desta eleição permitiu que Crivella ganhasse a prefeitura do Rio, após duas tentativas fracassadas para este cargo e outras duas derrotas para o governo do Estado.
Um fator importante, destaca ele, foi o PMDB, um partido de centro, ter ficado de fora da disputa final. Apesar da alta rejeição a Pedro Paulo, acusado de bater na ex-mulher, o prefeito Eduardo Paes insistiu na sua candidatura e acabou derrotado no primeiro turno.
Com isso, Crivella acabou enfrentando Marcelo Freixo (PSOL) um candidato com perfil muito de esquerda, justamente num momento em que a direita ganha força no país. Sua campanha procurou associar o candidato psolista ao "comunismo" e a valores moralmente "contrários aos da família tradicional".
"Crivella foi muito atacado novamente por sua ligação com a Igreja Universal. Pezão (governador do Rio) fez isso dois anos atrás e foi suficiente para derrotá-lo. Dessa vez, havia um outro contexto", nota Mariano.
"As pesquisas indicavam que mais de 80% dos evangélicos votariam em Crivella. Nem sempre os evangélicos optam em peso pelo mesmo candidato, mas a rejeição ao Freixo produziu esse apoio mais sólido", acrescenta.
Gerson Moraes considera que dois fatores levaram à rejeição de Freixo pelo eleitorado mais conservador, não só evangélico. Por um lado, o discurso forte que sua candidatura adotou pela igualdade gênero. E por outro a sólida oposição do seu partido ao impeachment de Dilma Rousseff, que acabou "colando" o PSOL à imagem do desgastado PT.
"Não foram apenas os evangélicos que votaram no Crivella. Sua eleição se deve muito ao esfacelamento da esquerda", resume.
Para vencer a eleição, Crivella também adotou um discurso mais moderado do que o tom normalmente usado por parlamentares da chamada bancada evangélica. Pediu desculpas por declarações homofóbicas no passado e se comprometeu a manter o financiamento da prefeitura à Parada Gay e ao Carnaval.
"Por que se fala em conservadorismo se nós temos aqui, por exemplo, todo o respeito às manifestações das minorias? Se há algum preconceito religioso, isso vai sumir na minha administração. Se houver preconceito contra a comunidade LGBT, vamos lutar contra", disse o prefeito eleito nesta segunda, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
Por outro lado, ele reforçou seu compromisso "contra liberação das drogas, legalização do aborto e a discussão de ideologia de gênero nas escolas".
"São valores e princípios da nossa cidadania que emanam do povo e o político precisa defendê-los. Precisa ser portador desses valores. Valores da família e da vida", disse, segundo o jornal.
Gerson Moraes considera inevitável que Crivella mantenha o tom mais moderado para poder formar as alianças necessárias para governar - e no Rio, destaca, prevalece uma tendência de centro no sistema político.
"A tendência é ir secularizando o discurso. Os evangélicos podem estar muito felizes, mas o governo tende a ser um governo como qualquer outro. Um governo de esquerda precisa fazer alianças para governar, e um de direita, também".
Ricardo Mariano nota que o partido de Crivella, o PRB, legenda ligada à Universal, tem uma trajetória mais pragmática que o PSC, sigla que abriga mais evangélicos ligados à Assembleia de Deus.
O PRB, por exemplo, sempre foi aliado dos governos petistas, tendo ocupado ministérios, e hoje comanda uma pasta do governo Temer (Indústria, Comércio Exterior e Serviços).
Na sua visão, esse viés pragmático deve continuar na gestão carioca, até porque o sucesso do governo Crivella será fundamental para o futuro político do grupo que representa.
"O Rio de Janeiro é uma vitrine importante. Crivella precisa fazer um governo de razoável para bom, se não vai queimar o PRB e a Universal."
Segundo o último Censo nacional realizado pelo IBGE, os evangélicos são o grupo religioso que mais cresce no país e representavam 22% da população em 2010. Ainda assim, seguem bem atrás dos católicos, que eram 65%.
Moraes destaca que o grupo não é homogêneo e que outras igrejas importantes, como Mundial do Poder de Deus e Internacional da Graça de Deus, ainda não têm a força para chegar ao patamar político da Universal.
Mariano concorda que parece improvável os evangélicos tenham votos suficientes para eleger governadores ou mais prefeitos em capitais relevantes, mas ressalta que esse grupo "pode ter um peso considerável (na decisão dos pleitos), principalmente em disputas de segundo turno".
Não à toa a ex-presidente Dilma Rousseff recorreu ao apoio desses eleitores para conseguir vencer a acirrada eleição de 2014.
Um vídeo disponível na internet mostra uma participação sua - com um semblante um tanto constrangido - em um culto da Assembleia de Deus naquele ano junto com o então deputado federal Eduardo Cunha, depois principal algoz de seu impeachment.
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Eleição de Crivella não é prenúncio para novas vitórias evangélicas, dizem analistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU