16 Junho 2011
A Norma Regulamentadora dos Frigoríficos deve contemplar três questões fundamentais para enfrentar a epidemia de lesões e mutilações que vem abatendo, literalmente, os trabalhadores nas indústrias da alimentação: a redução da intensidade do ritmo e das longas e extenuantes jornadas, além de mudanças ergonômicas nos ambientes de trabalho.
Esta foi a principal decisão da reunião realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac/CUT) nesta quarta-feira (15), na sede do Sindicato de Caxias do Sul, na serra gaúcha.
A reportagem é de Leonardo Severo e publicado pelo portal da CUT, 16-09-2011.
Participaram do encontro dezenas de lideranças sindicais do RS, SC, PR, MS e SP - onde está concentrada a quase totalidade dos frigoríficos do país -, além de auditores fiscais, procuradores do trabalho, médicos, engenheiros e técnicos da Fundacentro, que reiteraram a urgência da NR para pôr fim aos abusos praticados no setor.
As lideranças da categoria também definiram somar forças no 6 de julho, Dia Nacional de Mobilização da Central Única dos Trabalhadores, levando às ruas de todo o país, além das bandeiras gerais da classe, a implantação da Norma Regulamentadora, que vem sendo debatida pela Comissão Técnica Paritária Permanente (CTPP) do Ministério do Trabalho e Emprego, envolvendo representantes dos trabalhadores, empresários e governo.
O presidente da Contac/CUT, Siderlei de Oliveira, destacou o papel da comunicação neste reta final de batalha pela elaboração da NR e, posteriormente, para sua efetiva implantação. "Temos de mostrar à sociedade o que está ocorrendo com os trabalhadores nos frigoríficos, os crimes sem castigo que estão sendo cometidos de forma indiscriminada. Quando se fala em aquisição de empresas, fusão, se pega dinheiro público, recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, do BNDES, sem que o governo garanta nenhuma contrapartida social. Assim, enquanto enriquecem, estas empresas espalham a dor, com lesões muitas vezes irreversíveis, mutilações, e mandam o trabalhador para a Previdência. Isso precisa acabar. Daí a necessidade de uma atuação ainda mais vigorosa do movimento sindical neste momento para conquistarmos esta NR. Nesta caminhada, o apoio que estamos recebendo dos companheiros do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho é imprescindível".
A multiplicação das Lesões por Esforço Repetitivo e Distúrbios Osteo-musculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) no segmento dos frigoríficos é um fenômeno razoavelmente recente, explicou Paulo Serro, auditor fiscal de Santa Catarina, que viveu 27 anos dentro de frigoríficos, "antes desta tragédia toda". "Para se tornarem competitivas internacionalmente, e exportarem quatro milhões de toneladas, as empresas estão provocando enfermidades em larga escala devido à altíssima repetitividade e freqüência dos movimentos ao longo da jornada. Assim é que após 1995 começou a aparecer o adoecimento em larga escala de punhos, braços, cotovelos e ombros. Sem descanso, pelo ritmo intenso a que estão sendo submetidas, as articulações são danificadas", alertou.
Técnica coordenadora de Saúde do Trabalho da Fundacentro em São Paulo, Thais Helena Carvalho Barreira lembra que o trabalho nos frigoríficos avícolas contém praticamente tudo o que os compêndios médicos colocam como caldo de cultura para o aparecimento das LER/DORT: "repetitividade, força, postura inadequada, frio, umidade, pressão, atrito, problemas no mobiliário". "A Norma Regulamentadora que defendemos vem no sentido da prevenção. Busca criar condições para lidarmos com todos os agentes de risco a fim de minimizar o adoecimento", declarou. Thaís lembra que, além do imenso custo humano e social que representa a continuidade da atual situação, há também um enorme custo econômico para a sociedade e para o Estado, que acaba pagando, através da Previdência, por males causados pelas práticas daninhas destas empresas.
O procurador Sandro Eduardo Sardá, do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina, é da mesma opinião. Sardá mostrou imagens de uma linha de produção de um frigorífico avícola com a famosa imagem de Charles Chaplin apertando parafusos em Tempos Modernos, de 1936. "Em 2011 a situação é muito parecida: jornadas diárias de mais de oito horas, movimentos repetitivos, variações bruscas de temperatura, baixa remuneração, ritmo acelerado, falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e riscos de acidentes de trabalho", ressaltou.
"Após quatro anos investigando as empresas do setor, afirmo que as atuais condições de trabalho são muito precárias e incompatíveis com a saúde física e mental dos trabalhadores. Há uma verdadeira legião de lesionados, sobretudo jovens empregados", concluiu.
Durante o evento, vários trabalhadores deram seu depoimento sobre como estão sendo praticadas as pausas, recém conquistadas em algumas empresas. No geral, são pausas de dez minutos a cada 50 minutos trabalhados, indispensável, por exemplo, para recompor o líquido que lubrifica os músculos, o que tem reduzido a um quinto o número de afastamentos nas unidades que já a praticam.
Numa unidade da Seara onde trabalha, Leandro Morales diz que a pausa é de oito minutos a cada hora, mas que já foi suficiente para reduzir a dor no punho e nas costas. "Vi que diminuíram as reclamações e reduziram os afastamentos", disse Leandro.
As pausas são uma das reivindicações dos trabalhadores que deve estar inscrita na NR. Apesar de reconhecerem que houve uma importante melhora nas condições de trabalho a partir da sua implantação, vários funcionários, como Marcos Pacheco e Raquel do Prado, deram depoimentos onde alertaram que as empresas estão compensando a parada intensificando o ritmo. "O abate do frango vivo continua a mil, não baixa de jeito nenhum", desabafou Raquel.
"Isso é inaceitável. Por isso queremos as pausas atreladas a uma redução do ritmo de trabalho, o que aponta para a necessidade da contratação de mais pessoas. Isso é plenamente possível, ainda mais porque os frigoríficos avícolas estão entre as empresas que mais lucraram em 2010 e tudo indica que vão repetir os ganhos neste ano", destacou Siderlei.
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Ritmo intenso, gestos repetitivos, jornadas extenuantes. A dura realidade nos frigoríficos brasileiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU