Por: Cesar Sanson | 27 Março 2013
“Minha mãe não é a primeira e mesmo com a PEC, não vai ser a última a trabalhar anos a fio, fazendo o trabalho que ninguém quer fazer, recebendo pouco e sem saber o que vai ser da vida quando envelhecer”. O comentário é de Ohanna Patiele, jornalista, em artigo no seu blog, 27-03-2013.
Eis o artigo.
Sou filha de doméstica. Com muito orgulho. Quando meus pais se separaram, minha mãe que não trabalhava há mais de 10 anos e não terminou os estudos teve que se virar pra criar os três filhos.
Sem condições de pagar mais de um ano de contas de água e luz deixadas pelo meu pai, morando de favor na casa da minha vó, ela foi trabalhar como camareira num hotel. Tinha todos os direitos garantidos mas os 20 apartamentos para limpar por dia, a levaram pra exaustão.
Então, ela foi trabalhar como doméstica. Em várias casas, ela comia apenas o que sobrava ou faziam uma comida separada pra ela. Várias vezes, minha mãe chegou em casa passando mal por não ter comido quase nada enquanto lavava banheiro dos outros.
Ela ligava no meio do caminho, me pedindo pra preparar um lanche pra comer quando chegasse em casa. Essa é uma lembrança que me marcou tanto que ainda choro enquanto escrevo esse texto.
Outra que me marcou foi uma dentista porca que deixava as calcinhas sujas num balde d'água pra ela lavar NA MÃO! Ela foi acusada de coisas que não fez, ficou até tarde cuidando dos filhos dos outros. Ela mudou de casa várias vezes por sofrer humilhações de todas as formas possíveis.
Como o salário era mínimo e ninguém alimenta três filhos com o que pagavam, minha mãe lavava roupa de várias pessoas. Lembro dela chegar exausta e ir pro tanque (naquela época, máquina era luxo para apenas muito ricos) lavar malas e malas de roupas.
Ela voltava a pé quando conseguia pra economizar o passe de ônibus. Veio o Bolsa-Família, deu uma respirada boa mas ainda era muito pouco. Ela virou diarista, que ganha mais. As humilhações não mudaram muito mas pelo menos ela podia tocar o foda-se pra quem era boçal e ir pra outra casa.
Eu vi minha mãe envelhecer, ela não nos viu crescer. Outra lembrança que eu NUNCA vou esquecer (e tô chorando de novo) é de um dia que ela sentou comigo e me disse: "Minha filha, você tá uma moça e eu não te vi crescer" A tristeza daqueles olhos nunca vai sair da minha memória.
Eu deixei de ser apenas filha para ser ponto de apoio, confidente, parceira, cuidadora dos meus irmãos. Muitas vezes, eu fui ajudá-la. Eu ficava admirada da sua força e horrorizada por ver o tratamento que ela recebia.
Claro que ela teve ótimas patroas. Algumas nos ajudaram muito, outras viraram amigas dela mas quando ela já não tinha mais força física para trabalhar em várias casas e nós já ajudávamos financeiramente em casa, ela pensou em algo fundamental para todos nós: a aposentadoria.
Ela sabia que íamos seguir nosso caminho. Como seria sua velhice? Ela deixou as faxinas e foi ser auxiliar de serviços gerais num sindicato, mesmo ganhando menos.
Ela ainda me conta histórias absurdas. E eu ainda sonho com o dia em que ela vai poder descansar.
Minha mãe não é a primeira e mesmo com a PEC, não vai ser a última a trabalhar anos a fio, fazendo o trabalho que ninguém quer fazer, recebendo pouco e sem saber o que vai ser da vida quando envelhecer.
Mas antes de contestar o DIREITO de uma classe trabalhadora que sustenta tantas outras com argumentos fajutos, pense um pouco:
Quem cuida dos filhos das domésticas enquanto ela cuida dos seus?
Quem limpa a casa das domésticas enquanto ela limpa a sua?
Quem cozinha pra ela?
Você trabalharia em condições semelhantes?
Você moraria no seu emprego, mesmo que te tratassem como 'alguém da família'?
Ter uma empregada doméstica em casa é um luxo sim, então pague um valor JUSTO por ele.
Se você não está disposto, faça como a minha mãe e tantas outras mulheres, arregace suas mangas e se vire.
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A PEC das Domésticas e a história da minha mãe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU