30 Abril 2014
João XXIII e João Paulo II, os dois santos que foram canonizados nesse domingo, 27, pelo Papa Francisco, estão unidos pelo fato de que, logo depois da sua morte, muitos quiserem que eles fossem "santos já". Para Roncalli, além de sentimento popular generalizado, houve uma proposta assinada por mais de 300 bispos, que pediram que Paulo VI prosseguisse com uma canonização por aclamação ao término do Concílio.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal La Stampa, 27-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Montini estava convencido da santidade do antecessor: com uma carta – reservada, mas aos autos do processo – o então arcebispo de Milão, no dia seguinte à morte do Papa Roncalli, entregava à Sagrada Congregação dos Ritos uma carta endereçada "Ao sucessor de João XXIII", na qual pedia a beatificação do papa de Bérgamo: "Penso que está idealmente associada a esta docíssima súplica toda a humanidade, crente ou não, fiel e dissidente, que ele congregou pela primeira vez na história, em unidade... Essa humanidade, em outros séculos, o teria canonizado a uma só voz".
O sucessor escolhido pelo conclave, poucos dias depois, era ele mesmo. Mas ele preferiu não proceder em prazos curtos, nem pensou que fosse oportuno aclamar como "santo já" o "papa bom". Assim, ele abriu o processo regular, colocando ao lado de Roncalli também a causa de Pio XII.
É pouco conhecido que aconteceu algo semelhante para João Paulo II em 2005. Diversos cardeais haviam assinado antes do conclave um abaixo-assinado para abrir o processo canônico, e, imediatamente depois da sua eleição, Bento XVI ouviu o pedido por parte de Dom Stanislaw Dziwisz, o ex-secretário de Wojtyla, de proceder diretamente com a canonização, sem passar pela beatificação. "Santo subito!", de fato, como se lia nas faixas desfraldadas na Praça de São Pedro ao término do funeral de João Paulo II.
O Papa Ratzinger não era contrário. Antes de decidir, no entanto, preferiu consultar a Congregação para as Causas dos Santos. Os pareceres dos teólogos não foram favoráveis: mesmo que o papa possa fazer um santo sem seguir todas as normas canônicas, a extensão e a complexidade do pontificado wojtyliano faziam com que se preferisse por um pouco mais de calma e de estudo.
Assim, Bento XVI disse "não" ao "santo já", decidindo, porém, renunciar à espera de cinco anos após a morte antes de iniciar o processo, que foi, portanto, extraordinariamente rápido.
Em ambas as causas, foram examinados muitos testemunhos, até mesmo daqueles que expressaram dúvidas sobre a oportunidade de levar muitos papas aos altares, apesar da difusa fama de santidade de que os dois santos atuais gozavam junto aos fiéis.
E examinaram-se muitos episódios das suas vidas. No caso de Roncalli, no arquivo, também acabaram os "boatos", como por exemplo o rumor totalmente infundado de que ele havia se inscrito na maçonaria. Ou a da homossexualidade contida em uma carta que se revelou falsa e caluniosa, que, no entanto, foi cuidadosamente examinada por uma rogatória de 1981, em Périgueux, na França.
Por outro lado, há um volume "sub secreto" no arquivo que se refere a João Paulo II, onde, por exemplo, está contida a carta de junho de 2008, em que o ex-secretário de Estado e hoje decano do Colégio Cardinalício, Angelo Sodano, depois de ter dito com segurança que Wojtyla "viveu santamente", manifestava a "dúvida" sobre a "oportunidade de dar prioridade a tal causa, passando por cima daquelas já em andamento" há anos e que diziam respeito a outros pontífices.
Há uma declaração de Lelio Scaletti, diretor geral emérito do IOR, que assegurava no dia 3 de novembro de 2008: "Nunca me foi dirigido [pelo papa] o pedido de destinar recursos econômicos para entidades ou movimentos na Polônia", ou seja, o Solidarnosc.
E, por fim, há uma carta do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Levada, em que se afirma que não há nada nos arquivos referente a um "envolvimento pessoal" de João Paulo II no processo sobre a escandalosa história do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, abusador de seminaristas.
Vai-se continuar discutindo nos próximos anos sobre alguns aspectos dos dois pontificados, também em vista da abertura dos arquivos. Mas, como o próprio Papa Wojtyla disse em setembro do ano 2000, elevando Pio IX aos altares: "Beatificando um filho seu, a Igreja não celebra opções históricas particulares por ele feitas". Como que dizendo: um santo também pode ter cometido erros.
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A prudência de Ratzinger e as dúvidas de Sodano sobre a canonização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU