22 Junho 2015
"São mais de 30 anos que eu estudo os efeitos da queda de natalidade e as consequências para a transformação da economia. Ler que os efeitos são transformados em causas me deixou perplexo. A crise ambiental e a pobreza consequente da crise econômica se devem aos efeitos das doutrinas neomalthusianas. Se quisermos resolver as causas, é errado operar sobre os efeitos, não?"
A opinião é do professor Ettore Gotti Tedeschi, economista e banqueiro, ex-presidente do IOR [o banco vaticano], atual chefe do Banco Santander na Itália, em entrevista a Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 19-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Você contribuiu com a encíclica Caritas in veritate de Bento XVI para a parte econômica. Agora, o Papa Francisco, na sua Laudato si', acusa as finanças globais. "A política internacional está submetida à tecnologia e às finanças." E "os poderes econômicos pensam na especulação". É isso mesmo?
Eu acho que a grande finança internacional foi encorajada para sustentar o crescimento consumista da economia nas últimas décadas. Isso para compensar um crescimento econômico insuficiente, devido ao colapso do crescimento da população do mundo ocidental.
E como teria funcionado esse "encorajamento"?
Liberando os famosos espíritos animais nos sistemas bancários, que, graças ao consumismo tão fortemente sustentado, viram se reduzir a base monetária gerada pelas poupanças convertidas em consumos. Talvez até criaram, assim, os célebres produtos derivados.
O papa também critica o resgate aos bancos.
Veja, a crítica ao resgate dos bancos (nos EUA) também deve ser abordada de modo completo. Você ficaria espantado ao descobrir que os bancos foram encorajados a sustentar com o supercrédito o crescimento consumista para manter alto o crescimento do PIB? O problema, depois, da avidez dos banqueiros foi uma consequência, em uma cultura niilista.
O papa considera como fatores responsáveis pela poluição o petróleo, o carvão e o gás, usados contra os "pobres". Os petroleiros texanos e os republicanos estadunidenses não estão nada felizes com esses posicionamentos.
Eu ressalto que, sobre o tema energético, está em curso, especialmente nos EUA, um conflito de poder. Eles querem, e devem, permanecer independentes no campo energético para reformular a sua estratégia de relançamento doméstico da economia. Além disso, há o problema dos investimentos estratégicos que os países produtores de petróleo estão fazendo no mundo ocidental em crise, com necessidades de recapitalização das empresas e bancos. E isso preocupa muito. Isso poderia envolver problemas para os produtores de gás e petróleo. Os lobbies são fortes...
Francisco afirma que a sobriedade se tornou hoje um conceito libertador. Você concorda?
Mais do que um conceito, somos forçados a reconhecer que é uma obrigação. Que se deve ao fato de que nos tornamos mais pobres, mas não queremos aceitá-lo. O porquê nos tornamos mais pobres e o porquê se produziu a degradação ambiental são dois temas sobre os quais, na encíclica, eu não encontrei explicações satisfatórias, provavelmente porque eu a li às pressas. Tenho a impressão de foram consideradas como causas aquilo que, na realidade, são efeitos. A degradação ambiental e a pobreza são efeitos do modelo mal concebido e gerido com que se provocou o consumismo exagerado para compensar a queda de natalidade no mundo ocidental ao longo dos últimos 30 anos.
Sobre a Laudato si', logo se desencadearam polêmicas entre aqueles que a elogiam e aqueles que a criticam. Como você se inclina?
Eu me inclino com aqueles que acrescentam: Laudato si'... mi' Signore. Isto é, com aquilo que o Papa Francisco explica em uma encíclica muito complexa. Essa encíclica é Magistério da Igreja. Por isso, o papa oferece muitas referências em continuidade com as encíclicas dos antecessores.
E você contribuiu com a Caritas in veritate de Bento XVI. Mas, em um blog, parece criticar as teses de Jeffrey Sachs, um dos inspiradores da encíclica de Francisco. Por quê?
São mais de 30 anos que eu estudo os efeitos da queda de natalidade e as consequências para a transformação da economia. Ler que os efeitos são transformados em causas me deixou perplexo. A crise ambiental e a pobreza consequente da crise econômica se devem aos efeitos das doutrinas neomalthusianas [crescimento demográfico igual a mais pobreza, desejando o controle de natalidade]. Se quisermos resolver as causas, é errado operar sobre os efeitos, não?
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''Se quisermos resolver as causas da crise ambiental, é errado operar sobre os efeitos.'' Entrevista com Ettore Gotti Tedeschi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU