Promoção da plena credibilidade do anúncio do evangelho depende da santidade pessoal e do engajamento moral, afirma religiosa togolesa
“Trabalhar para uma conversão profunda dos corações” e “compreender o ensino, a interpretação e a vivência dos conselhos evangélicos” são duas dimensões fundamentais para enfrentar “o flagelo do abuso” que acomete a Igreja. A recomendação foi feita pela religiosa Mary Lembo, de Togo, pequeno país da África Ocidental, na videoconferência “Patriarcado, clericalismo e os abusos das religiosas”, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU na semana passada. O evento integra o ciclo de estudos “Os abusos na sociedade e na Igreja. Da cultura do silenciamento à cultura do cuidado”. A conferência de encerramento foi ministrada pela professora Isabela Venturoza de Oliveira, da Unicamp, na última terça-feira, 09-12-2025. A pesquisadora tratou sobre a cultura do abuso e os sentidos de ser homem em contextos de violência.
Mary Lembo é irmã da Congregação de Santa Catarina de Alexandria e pesquisa situações de abuso na vida consagrada africana. Em seu doutorado em Psicologia, feito na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, a togolesa entrevistou religiosas consagradas abusadas por padres para compreender o fenômeno dos abusos sexuais e contribuir para a sua solução no interior da Igreja, mas também na sociedade. O resultado do estudo está publicado no livro Religieuses abusées en Afrique. Faire la vérité (2023).
Segundo ela, a discussão em torno dos abusos envolvendo o clero e as religiosas ainda é um tabu. De um lado, menciona, os padres são idealizados e, de outro, as religiosas são acusadas e responsabilizadas pelas violações sofridas. “As vítimas e os cristãos costumam dizer que não podem falar nada porque o padre é um homem de Deus. Isso mostra que os leigos também colocam o padre num pedestal e não podem confrontá-lo, mesmo quando ele causa o mal. Isso é o clericalismo. O padre, sim, é um homem de Deus, mas quando ele vive e segue o que Deus diz. Do contrário, o que ele faz deve ser denunciado para evitar o mal”, esclarece.
Na conferência, que reproduzimos a seguir no formato de entrevista, Mary Lembo aborda a questão dos abusos sexuais e psicológicos à luz da relação entre o patriarcalismo e o clericalismo na Igreja africana. A psicóloga também destaca a necessidade de a Igreja investir na formação das religiosas, na criação de espaços de acompanhamento para as vítimas de abusos sexuais e no trabalho conjunto entre homens e mulheres para testemunharem o evangelho. “Não basta qualificá-las e diplomá-las. É preciso que sua voz, suas competências e sua presença sejam reconhecidas como pessoa humana à imagem de Deus. Como seres humanos, nós nos completamos, homens e mulheres. E é neste nível que devemos trabalhar muito”, conclui.
Além de Mary Lembo, cinco conferencistas participaram do ciclo “Os abusos na sociedade e na Igreja. Da cultura do silenciamento à cultura do cuidado”. São eles: Hans Zollner, Véronique Margron, Isabel Sampaio Oliveira Lima, Dalka Ferrari e Isabela Venturosa de Oliveira. As palestras estão disponíveis na página do evento e no canal do IHU no YouTube.

Irmã Mary Lembo. (Foto: Reprodução | Missionnaires d'Afrique)
Mary Lembo é doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
IHU – Sua pesquisa reforça a necessidade de proteção ou salvaguarda para adultos, especialmente na vida consagrada. Por quê?
Mary Lembo – O plano da proteção sugere que devemos ir ao encontro do evangelho no nosso modo de viver. A salvaguarda e a proteção são uma espécie de guarda-chuva com várias orientações para nos colocarmos num caminho de trabalho que tem como finalidade superar o mal que denunciamos, cometido contra pessoas adultas em condições de vulnerabilidade.
Nós avançamos na vida a partir da história que carregamos conosco hoje e, nesse sentido, nos projetamos para o futuro, para o amanhã. O nosso passado e a nossa história nos fazem reler aquilo que vivemos na Igreja com os casos de abusos. Ao reler a história recente da Igreja e da sociedade, percebemos o sofrimento de muitas pessoas, vítimas ou sobreviventes de abusos no seio da própria Igreja, na família de Deus e na sociedade. A Carta ao Povo de Deus, escrita pelo Papa Francisco sobre o tema, foi baseada na frase da Carta aos Coríntios: “Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele”.
Dada essa situação real de abusos no seio da Igreja e na sociedade, hoje atendemos as vítimas e os sobreviventes e trabalhamos com os agressores. Todos somos convidados a aprender com os erros do passado para não cometê-los novamente. Para aprender com os seus erros, é preciso saber quais são eles. Um dos erros cometidos foi o abuso.
Deus, através dos papas, principalmente do Papa Francisco, nos interpela à conversão. Na carta, Francisco diz que é impossível imaginar uma conversão quando essa conversão não se amplia a todos os membros e componentes do povo de Deus. Trata-se do agir eclesial. Quando falamos em agir eclesial, não significa que todos nós cometemos esses abusos dos quais estamos falando. Entretanto, como ato eclesial e cristão, trazemos conosco essa dor, embora não sejamos nós, eu e vocês, que cometemos esse mal. É por isso que é preciso uma conversão em toda a comunidade. Todos podemos nos perguntar: o que fiz ou deixei de fazer em relação aos abusos? Que coisas poderíamos ter feito para prevenir, para evitá-los, e não o fizemos?
Hoje, estamos construindo um futuro, uma cultura de proteção melhor das relações interpessoais sadias, em um ambiente sereno. Lembre-se da Laudato si’. O Papa nos convidou a trabalhar sobre a criação, a natureza, os animais, o clima, porque é a nossa casa comum. E mais do que isso: devemos trabalhar para tornar a comunidade mais segura e para evitar abusos que destroem a pessoa humana. O nosso desejo é maximizar a redução dos abusos ou até mesmo bani-los.
Ainda na Carta ao povo de Deus, o Papa dizia: Nunca mais, nunca mais devemos ouvir falar de abusos. É isso que chamamos de salvaguarda, de proteção. Estamos trabalhando para o real respeito a toda pessoa humana em sua dignidade e integridade. A salvaguarda é o motor da sinodalidade, a qual podemos resumir como caminhar, refletir, discernir, decidir, viver juntos para acolher a outra pessoa como ela é, homem, mulher, criança, jovem, adulto ou idoso. Seja qual for a sua cultura, a sua origem, é preciso valorizar a pessoa humana. Assim, o Espírito de Deus estará conosco.
A pessoa adulta é uma pessoa com certo grau de maturidade, de conhecimentos, de liberdade, de escolhas e ação. Supõe-se que uma pessoa adulta tenha certa maturidade. Ela tem conhecimentos que lhe possibilita utilizar a sua liberdade para escolher e agir. Esperamos que seja capaz de estabelecer e manter relações sadias, no sentido de relações respeitosas, de consideração, respeitando ao mesmo tempo a sua própria integridade e a sua dignidade e também a integridade e a dignidade dos outros.
Cada adulto apresenta um certo grau de vulnerabilidade, que é um aspecto do nosso ser humano. Ou seja, de alguma maneira, dependemos de alguém, dos nossos amigos, parentes, nossos colaboradores. Pedimos serviços aos outros e prestamos serviços. A vulnerabilidade nada tem a ver com fraqueza, fragilidade; nada disso. Faz parte da nossa natureza e nos auxilia a depender uns dos outros, não de forma doentia, mas de um modo natural. Um exemplo é a situação do bom samaritano: ele mostrou uma certa vulnerabilidade para ajudar a pessoa que apanhou e foi punida. Outras pessoas passaram por aquele caminho e não sentiram necessidade de ajudar quem estava ali.
Então, a vulnerabilidade pode tomar dimensões diferentes. A vulnerabilidade nos dispõe a auxiliar os outros e a receber o auxílio dos outros, mas, às vezes, também pode nos isolar, nos aprisionar. Por isso, temos de ter cuidado para não a tomar como fraqueza, mas como algo intrínseco à nossa própria natureza. É fonte de forças e de interações com os outros. A pessoa humana é complexa, é um mistério.
Nós alcançamos uma maturidade humana quando nos abrimos para as relações com os outros e com Deus. É isso que se denomina alteridade. É nesse contexto que situamos uma pessoa adulta capaz de construir relações, respeitar a si mesma e aos outros.
Quando falamos de abusos, muitas vezes falamos de adultos vulneráveis. Como acabei de dizer, todos nós, como adultos, somos vulneráveis, mas há condições que colocam adultos em maior vulnerabilidade. Podemos dizer, neste caso, em uma fragilidade. O Papa Francisco também nos escreveu uma carta em que dizia: Vocês são a luz do mundo.
Em 2023, ele escreveu sobre a situação dos abusos. Essa foi a primeira vez em que a condição dos adultos foi considerada, a partir da seguinte definição: um adulto vulnerável é qualquer pessoa que se encontra em estado de enfermidade. Trata-se da enfermidade dos doentes, das pessoas idosas ou de pessoas em situações de doença psíquica ou física, pessoas privadas de liberdade pessoal. Pessoas vivendo nessas condições não têm liberdade para decidir e agir e dependem, às vezes, parcialmente ou totalmente dos outros. Uma pessoa doente precisa de ajuda para se levantar. Uma pessoa idosa precisa de ajuda para se erguer da cama, uma pessoa acometida por esquizofrenia ou depressão, por exemplo, precisa da assistência, uma pessoa cega, surda e muda também e assim por diante.
Mas o Papa vai adiante. Não se trata apenas de pessoas com essas enfermidades ou deficiências, mas também de pessoas normais, adultos como você e eu. Não quer dizer que os outros não sejam normais. O que quero dizer é que você e eu talvez tenhamos faculdades que nos permitam levantar, caminhar. Não temos uma doença mental grave que seja um impedimento. Mas, ocasionalmente, falta-nos a capacidade de compreensão ou de resistir às ofensas. Isso pode acontecer num mês, num dia ou em algumas horas. Ou seja, é um momento em que a pessoa entra numa confusão: não sabe mais o que está vivenciando, não está mais compreendendo o que lhe acontece e não consegue resistir quando sofre um mal. Essas situações podem acontecer em várias condições.
IHU – Pode dar um exemplo?
Mary Lembo – Vou me concentrar na situação do patriarcado. O patriarcalismo é um sistema que também tem seus valores. Quero me situar aqui geograficamente na África Subsaariana, a África negra. A minha pesquisa se deu nesse contexto de cinco países desta região porque as candidatas que aceitaram participar do estudo se situavam nesses locais. Foi difícil encontrar religiosas que aceitassem compartilhar suas experiências, registrá-las e gravá-las para a elaboração da pesquisa. Trata-se de uma pesquisa muito prática, que parte dos relatos para poder entender como os abusos aconteceram.
Essa parte da África é dominada pelo patriarcalismo, que é transmitido pela educação, com o objetivo de garantir – e esse é um dos valores – a vida, a segurança e o bem-estar dos membros da família, do clã e da sociedade. A África negra se define como vitalista, o que significa que tudo que diz respeito à vida é protegido, é cuidado.
Como o patriarcalismo opera? O pai da família é o senhor, o proprietário, aquele que decide sobretudo no que diz respeito à mulher, a todas as crianças e às filhas mulheres. Vocês vão ouvir falar do regime patriarcal e matriarcal. No regime patriarcal é o pai quem decide tudo. Na maior parte desses países africanos, o nome das crianças vem da família paterna. Quando se fala de regime patriarcal, é o tio materno quem decide pelas crianças da sua irmã. No patriarcalismo são os homens que tomam decisões na maior parte dos casos: o tio materno ou paterno e o irmão mais velho. Como eu disse, são eles os proprietários da família, são eles que dão nome às crianças que nascem, que decidem sobre a vida, a religião e o casamento da filha mulher. O homem detém, tradicionalmente, a autoridade e o poder sobre a mulher e as crianças. Hoje, isso ocorre de forma sutil, porque o patriarcalismo não é tão claro, mas ele está ali e é sentido nas relações, na vida conjugal, na relação entre meninas e meninos na escola, na educação. A menina é considerada menor, e o que é dito pela mulher não é levado em conta.
O menino, quando cresce, aos 11, 12 anos, já pode se movimentar sozinho, mas a menina não, nem a mulher. Mesmo que uma mulher perca seu marido, ela não tem o direito de decidir o que vai fazer da própria vida. É a família do marido quem decide por ela ou a sua própria família quem vai dizer se ela permanece naquela família ou se vai se casar com o irmão mais novo do marido falecido.
Muitas vezes, a educação foi recusada para as meninas e, quando elas vão para a escola, os meninos têm preferência. Recentemente, com a intervenção de ONGs, religiosas e religiosos missionários, as coisas estão mudando. O Estado estimula a educação das meninas, fazendo com que paguem menos pela escolaridade do que os meninos. O patriarcado está ligado ao clericalismo.
IHU – Qual é a relação?
Mary Lembo – Na Igreja também há uma situação hierárquica. Nas nossas igrejas, na África Subsaariana, o padre é realmente o centro. Na região, a idade conta. Entretanto, um padre jovem, de 30 anos, pode se reunir com os padres tradicionais, de 80 anos, somente porque é padre; ele tem uma posição tradicionalmente poderosa. Ele é o homem no seio da Igreja. Isso nos situa em relação ao clericalismo. O clericalismo, como define o Papa Francisco, gera uma cisão no corpo eclesial, que estimula e ajuda a perpetuar muitos males que denunciamos hoje. Dizer não aos abusos é dizer não, de forma categórica, a qualquer forma de clericalismo.
Qual é a relação entre patriarcalismo na África Subsaariana e o clericalismo da Igreja Católica? Os padres católicos são muito considerados, apreciados e, até mesmo, idealizados. Estar na classe dos anciãos na África lhes dá um grande poder.
Quando falo sobre esse tema, alguns padres se sentem acusados, ofendidos. Eu não estou me referindo a todos os padres. Eu me refiro aos padres abusadores. Eles se colocam acima de todos e os leigos também os colocam num nível em que não podem ser confrontados.
Na minha pesquisa, trabalhei com nove religiosas consagradas que foram abusadas por onze padres. Uma foi abusada por dois padres. Entre esses onze padres, somente um deles foi confrontado pelos leigos. Muitas vezes, nenhum leigo sabe do que acontece e ninguém consegue enfrentar os padres, mesmo em caso de abuso – nem as religiosas.
As vítimas e os cristãos costumam dizer que não podem falar nada porque o padre é um homem de Deus. Isso mostra que os leigos também colocam o padre num pedestal e não podem confrontá-lo, mesmo quando ele causa mal. Isso é o clericalismo. O padre, sim, é um homem de Deus, mas quando ele vive e segue o que Deus diz. Do contrário, o que ele faz deve ser denunciado para evitar o mal.
Além disso, na sociedade subsaariana, o padre tem qualidades humanas.
IHU – O que isso significa?
Mary Lembo – Significa que ele é gentil, está à escuta, é atento, é relacional. Ele vai ao encontro dos prefeitos, do presidente. Ele se relaciona com várias pessoas. Comparado às mulheres consagradas, os padres estudaram muito. Eles têm uma situação financeira aceitável ou mais confortável. Eles têm algum dinheiro. Além disso, o sacerdócio ordenado e o ministério eclesial lhes conferem uma autoridade.
No contexto africano, o padre é considerado sagrado por ser um homem de Deus. O ensino católico diz isso: o padre age em nome de Deus. O padre é o nosso Cristo. Tudo isso, na cultura africana, é visto como uma pessoa a serviço. A mesma coisa vale para as mulheres consagradas. Por isso, há uma consequência espiritual muito profunda nelas quando são violadas, porque elas são consagradas a Deus e, portanto, todo o ser delas é puro e consagrado. Então, envolver-se numa relação sexual não desejada faz com que elas se sintam sujas, dessacralizadas. Para elas, se torna muito difícil viver. Isso também se torna uma grande vergonha para elas e suas famílias, o que dificulta falar sobre os abusos das religiosas consagradas. Temos aí tabus sobre tabus.
Considerando esta situação de patriarcalismo e clericalismo, as religiosas consagradas vivenciaram condições de vulnerabilidade. Às vezes, elas vivem na hesitação, na dúvida, e isso gera nelas confusão quanto ao que está correto e o que está errado. Podemos chamar isso de distorções cognitivas. Os padres podem dizer a elas: “Não tem problema nenhum ter uma relação sexual. Todo mundo faz isso. Eu sou padre. Fiz o voto de celibato, não voto de castidade. Posso ter relações sexuais, mas não posso me casar. E se estou fazendo isso é para deixar você mais feliz”. Esse é o discurso dos padres abusadores. Na cabeça dessas mulheres há uma confusão. Se o padre, que conhece e estudou teologia diz isso, talvez, então, seja verdade, pensam elas. E isso gera nelas dúvidas e hesitações nos seus processos formativos. Quando a situação não é claramente confrontada, essas mulheres não sabem o que está acontecendo. Há dificuldades relacionais na vida consagrada.
Há desafios em viver a vida comunitária, em viver os votos, pois, às vezes, não se compreende a obediência à pobreza. Há confusões com situações que reduzem a dignidade da pessoa, mas é preciso explicar tudo isso com clareza. Às vezes, isso não é dito. Muitas vezes as mulheres são colocadas em situações de desamparo e os padres dizem que vão dar dinheiro para as famílias delas, para que os pais delas possam viver numa condição melhor.
Por exemplo, se um membro da família da religiosa não tem dinheiro para comprar remédios, os padres abusadores prometem remédios e depois as colocam numa situação em que as encurralam. Na cultura africana negra, a dimensão do respeito é fundamental: é preciso respeitar os mais velhos e os pais. E por respeito, às vezes, as mulheres fazem silêncio. Tem também a dimensão da gratidão. Saber dizer obrigada a uma pessoa é um valor.
Quando recebemos algo, é como se tivéssemos uma dívida em relação àquela pessoa que fez a doação. Mas não deveria ser assim, porque um presente é um presente. Se você me ofereceu o presente de dar remédios para os meus pais, eu não vou pagar por isso. Mas, o pensamento da religiosa consagrada é impregnado por uma mentalidade cultural. Se o padre está pedindo apenas um beijo na boca, a mulher ajudada por ele pensa que não deve recusar. O padre também pode utilizar isso como chantagem, argumentando que fez isso ou aquilo para a religiosa e está pedindo apenas que ela durma com ele uma noite. Se ela se opõe, que ingratidão! E aí, na sua identidade, a mulher fica abalada. É assim que os casos de abuso funcionam.
Precisamos compreender o ensino, a interpretação e a vivência dos conselhos evangélicos. Há dificuldades nesse sentido, que são relacionadas às diferenças culturais, como eu disse, ao patriarcalismo, à diferença de gênero. Os meninos bebês são mais facilmente acolhidos que as meninas. As coisas estão mudando, mas as mulheres mais jovens também estão sofrendo, porque isso ainda está muito enraizado na mentalidade. Respeita-se o adulto, respeita-se o homem, mas os homens também deveriam respeitar as crianças e as mulheres. Isso precisa ser inculcado na educação. Há todo um caminho a ser percorrido nesse sentido.
IHU – O medo também é um fator que favorece os abusos nas congregações religiosas?
Mary Lembo – O que predomina é o medo, o medo do homem que pode dispor das mulheres consagradas, que podem sofrer abusos de todo tipo.
O contexto da minha pesquisa foi aquele da relação pastoral: a confissão, o acompanhamento espiritual, a apresentação dos problemas ao padre para a escuta. É nesse contexto confessional, quando a relação passa de uma relação de acompanhamento ou de confissão para uma relação sexual, que há um abuso. Esse contexto em si define o abuso.
Quando falamos em abusos de adultos, pode-se alegar que as mulheres são adultas. Pode-se questionar o abuso, argumentando que elas consentiram. Mas não estou me referindo a casos de consenso. Estou falando de casos em que não há consentimento. E mesmo que haja consentimento condicionado à situação, as religiosas sofreram uma influência e ficaram em silêncio. Mesmo assim, o consentimento não é válido.
Há irmãs que trabalham muito próximas dos padres em evangelização, em missões. O padre, às vezes, tem carro, ele está na paróquia, ele toma as decisões e elas executam. Muitas vezes, a irmã quer propor algo, mas o padre não aceita; ele tem de decidir. Nesse sentido, elas estão a serviço desses padres, como subalternas. É o padre quem conduz o programa. Elas colaboram, ou melhor, elas simplesmente executam as condições determinadas, são submissas, não têm a força da palavra. Nessas condições acontecem abusos de todos os tipos. Há o abuso emocional. Elas têm medo das agressões psicológicas. Há depressões, falta de autoestima, não valorização da pessoa, abusos físicos, com estupros, gravidez, com intimidações para o aborto, infelizmente. O abuso sexual é o estupro ou tentativas de estupro, de assédio sexual e emocional que essas mulheres vivenciaram. Os padres abusadores enviam imagens de nudes à noite para assediá-las, sem falar dos abusos espirituais. Uma irmã entrevistada na minha pesquisa abandonou a vida religiosa por causa disso.
Há também o abuso de consciência. Os padres abusadores fazem com que as religiosas pensem que, se não os respeitarem, não estão vivendo na obediência. Algumas mulheres se recusaram a colaborar com os padres, tentando explicar o que vivenciaram, mas as superioras não querem entender. Elas dizem que as religiosas devem se submeter aos padres, que são os pastores da Igreja. Do contrário, estão sendo caprichosas.
Essas mulheres acabam pensando que não têm espaço para falar sobre o que estão vivendo. Na minha pesquisa, entrevistei duas mulheres que foram abusadas no mesmo momento pelo mesmo padre. O fato de serem mulheres suscita ciúmes, querelas e provoca a divisão da comunidade.
A violência sexual contra crianças e menores é quase unanimemente considerada um abuso, um crime. A violência sexual das mulheres e, principalmente das religiosas consagradas, tem sido ignorada. Há uma realidade oculta que não é facilmente admitida.
IHU – Esta é uma realidade mundial?
Mary Lembo – A irmã Maura O’Donohue, britânica que trabalhou muito no campo dos cuidados do HIV no contexto da Caritas Internacional, conheceu muitos casos de mulheres consagradas vítimas da Aids. Ela tentou entender o que acontecia, porque uma das formas de transmissão do HIV era por via sanguínea. Ela constatou que muitas eram violadas e estupradas por padres abusadores e contraíram HIV. Ela apresentou isso ao responsável do Vaticano à época.
A irmã Marie McDonald também trabalhou muito na África e percebeu essa situação. Falou a respeito num encontro com superiores, para refletir sobre o que poderia ser feito a respeito. Isso acabou na mídia.
Entre os beneditinos, a irmã Esther Fangman [priora das irmãs beneditinas de Mount St. Scholastica, em Atchison, Kansas, EUA], falecida recentemente, falou sobre essa situação na vida monástica: religiosas consagradas foram agredidas sexualmente pelo confessor no seu próprio mosteiro.
Anos antes da minha pesquisa, na Itália, Anna Deodato publicou um livro sobre religiosas consagradas abusadas sexualmente pelo confessor espiritual. Ela falou sobre essa realidade na igreja italiana.
Como podemos ver, a situação é mundial; não ocorre somente na África. A história é sempre a mesma. É disso que estamos falando.
Em 2019, antes da publicação da minha pesquisa, o Papa Francisco admitiu que mulheres adultas eram abusadas na Igreja e que, às vezes, se tornavam escravas sexuais. Vejam a força da palavra: escravas sexuais do clero. Repito: não de todo o clero. Na maior parte dos casos, essas mulheres encontraram auxílio espiritual junto a outros padres. Então, não são todos os padres que cometem esses atos, mas há aqueles que o fazem. É disso que estamos falando.
IHU – O que deve ser feito para enfrentar essa situação?
Mary Lembo – O meu livro, Religieuses abusées en Afrique: Faire la vérité (2023), traz a verdade. Apresentei o contexto e a realidade dessas comunidades. Utilizei nove dos onze testemunhos e pude observar que as mulheres não receberam apoio da comunidade. O padre era visto como um ser santo. A religiosa consagrada, por sua vez, o teria atraído e seduzido. É preciso prestar muita atenção nisso, abrir os olhos.
Os padres abusadores, através de estratagemas, conseguem criar um vínculo, uma confiança total na comunidade. Às vezes, eles se apresentam como os defensores de determinadas religiosas na comunidade, isolando as mulheres abusadas das outras, dizendo que a comunidade não as compreende, não pode lhes dar isto ou aquilo, mas ele pode dar. Assim, vão capturando essas mulheres aos poucos e depois agem sobre elas.
Depois de obter a confiança delas, vão estuprá-las no mesmo escritório em que as atendiam para acompanhá-las ou no mesmo escritório em que elas entravam cotidianamente para trabalhar. Muitas vezes, toda a comunidade admira esse padre e ele vai se aproveitar da generosidade da comunidade. Às vezes, ele vai, inclusive, estuprar mais mulheres da comunidade. O problema é que o sentimento de vergonha está tão arraigado na cultura patriarcal, que a mulher precisa cuidar de si mesma e fazer de tudo para não provocar o homem.
Então, quando uma menina normal se encontra em uma situação em que tentam abusá-la, ela não pode gritar. Se gritar, é vergonhoso. Perguntam a ela: “O que você estava fazendo ali?” Dificilmente se contesta o agressor. Disse-se sempre às mulheres que estão se vestindo de forma sedutora e estariam provocando os homens. Portanto, essas mulheres não são ouvidas; elas são consideradas como aquelas que provocam. Se elas foram submetidas a algo, é por merecê-lo.
Para protegê-las nesta situação, o que é preciso fazer? É preciso ouvir as situações. É preciso uma conscientização. Muitos não acreditam que uma mulher adulta, principalmente consagrada, possa ser violada por um padre. Muitas religiosas também ficam surpresas, ingenuamente, ao ficarem sabendo que um padre quer ir para a cama com elas. Elas não acreditam que isso possa acontecer. Portanto, é preciso conscientização. Você é uma religiosa consagrada, você é bonita e admirável. Podem querer abusar de você. A formação e preparação das religiosas é importante para que se possa resistir a isso.
Como essas mulheres vão colaborar durante horas com os padres, eles precisam ser preparados para conviver com as irmãs consagradas sem pensar em relações sexuais. Estou me referindo a casos em que padres podem seduzir mulheres e elas aceitam. Às vezes há consentimento. Estou me referindo a casos em que há consenso. Mas também estou me referindo a situações em que não há consentimento, quando há estupro ou tentativa de estupro, ou seja, quando há emprego da força.
Nas relações interpessoais, uma pessoa precisa compreender o que a outra pessoa quer dela, para que tudo se dê na consciência. Essa é a beleza do ato sexual que satisfaz. Não é o ato sexual pelo ato sexual. É preciso o prazer dos dois.
Mas o terreno de partida na vida consagrada não é esse. Há uma colaboração entre amigos na paróquia. Nós estamos ali para acompanhar e não para buscar uma relação sexual. É preciso esclarecer as coisas com base nesses princípios. Aquelas pessoas que foram abusadas ou vivenciaram uma situação de abuso merecem atendimento e escuta. Isso é muito importante. A formação inicial também precisa ser muito clara em relação à dinâmica relacional que leva a situações abusivas. É preciso um acompanhamento espiritual com espírito de relação profissional.
É preciso construir limites sadios numa relação colaborativa. A Igreja Católica deveria trabalhar para estabelecer padrões: em que momento se atende ou recebe alguém, em qual horário, em qual escritório, assim como os psicólogos e médicos, que têm uma ética no trabalho. Toda pessoa deve ser respeitada de acordo com os horários de trabalho, os contratos. A vida religiosa deveria rever tudo isso.
IHU – As pessoas estão preparadas para atuar nessas estruturas de cuidado e proteção?
Mary Lembo – Na África é muito difícil denunciar casos de abuso. Muitas vezes as pessoas consagradas não são acreditadas nem mesmo pelos dirigentes da Igreja, pelos bispos, nem pelas suas coirmãs. Então, é necessário haver políticas para enfrentar essas situações. Os abusos e as consequências derivadas deles comprometem a vida, a dignidade humana, a fé, o testemunho da vocação e a missão das mulheres consagradas.
Sabemos o quanto as religiosas consagradas estão por todo lugar. São mulheres que constroem tanto a Igreja quanto a sociedade e devem administrar os abusos cometidos contra elas. Para onde vai sua energia? Isso absorve suas forças e dificulta o serviço que elas podem prestar àqueles que precisam delas.
É preciso haver estruturas políticas e pessoas formadas, qualificadas para administrar as alegações. Isso é necessário em todas as comunidades e institutos, para que as mulheres possam expressar o que lhes aconteceu na sacristia: “o padre me pegou por trás para me abraçar”. As mulheres vão às sacristias para preparar a missa e os padres abusadores querem tocá-las, não respeitando-as.
É preciso colaboração no enfrentamento desse problema; essa é uma exigência pastoral. E saibam: a proteção faz parte da proclamação do evangelho. O Papa Francisco disse isso na Carta ao Povo de Deus: Os abusos ofendem nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e atentam contra a comunidade dos fiéis.
Para que esses fenômenos não se reproduzam, devemos trabalhar para uma conversão profunda dos corações e isto requer ações concretas e eficazes que envolvam cada um de nós na Igreja e na sociedade, de modo que a santidade pessoal e o engajamento moral possam contribuir para promover a plena credibilidade do anúncio do evangelho.
IHU – Como percebe o patriarcalismo reproduzido pelas próprias congregações femininas, ao estarem mais preocupadas com a imagem dos abusadores do que com as religiosas abusadas? Não há revitimização?
Mary Lembo – Toda mulher africana traz as sequelas do patriarcalismo. O homem é quase santo, idealizado, e tudo o que ele diz deveria simplesmente ser ouvido, executado, principalmente quando se trata de um homem adulto, socialmente reconhecido como pai de família, irmão mais velho, tio paterno ou materno e, mais do que isso, como padre, o homem de Deus.
Justamente por isso, o sofrimento das vítimas é a revitimização pela superiora da comunidade, pelas outras irmãs congregadas, que perguntam: “O que você fez para que essas tentativas de abuso acontecessem?” Muitas vezes, as religiosas nem dizem que foram abusadas. Elas tentam falar de uma aproximação sexual, mas a primeira reação é: “Você deve ter feito algo. Você deve ter sorrido. Você deve ter se mostrado. Você deve ter provocado”.
Aí entram o clericalismo e o patriarcalismo, porque o homem de Deus é santo ou, a rigor, se tem facilmente piedade por ele. Isso é visível nos comentários: “Ah, coitado, ele deve ter sofrido algum trauma na vida”. Ou seja, compreende-se o homem facilmente, mas a mulher consagrada não recebe a mesma compreensão.
Quando há uma situação de abuso, digo aos superiores para procurarmos os bispos, mas os próprios superiores protegem os padres abusadores, alegando que a irmã e o padre são adultos. Por vezes, o próprio bispo vai colocar a culpa na irmã.
Infelizmente, de ambos os lados elas não têm apoio porque são mulheres e adultas. Mas precisamos ler a situação desde o início. Em que contexto o abuso se dá? Temos que entender que a vulnerabilidade se encontra dentro da relação. A vulnerabilidade pode estar na pessoa que tem uma mentalidade patriarcal. Mas um acompanhamento espiritual, uma confissão, não podem ser misturados com abusos. Não se pode responsabilizar a mulher consagrada. É preciso trabalhar para que a mulher entenda e aprenda que não é porque está numa sala com um homem que ela é responsável por uma situação de abuso.
IHU – Como a senhora explica que uma mulher se encoraje para denunciar situações de abuso e depois seja taxada de feminista?
Mary Lembo – O feminismo tem várias correntes, teorias e ideologias. O encorajamento à denúncia visa lançar luz sobre a verdade da própria dignidade das mulheres para si mesmas, porque essas mulheres sentem muita culpa. Dizem a si mesmas que devem ter feito algo para chamar atenção. Perguntam-se por que elas foram violentadas e não outras.
Não podemos taxá-las de serem feministas. Não estou numa situação capaz de definir os diferentes feminismos, mas temos de nos posicionar contra o mal. O abuso é um mal cometido contra as mulheres. Não podemos tratar alguém como feminista somente por denunciar situações de abuso. Devemos pensar por que elas fazem isso.
No contexto em que mulheres se posicionam para auxiliar outras a saírem da escravidão, do desprezo em relação à sua pessoa, a saírem de situações de abusos, não podemos taxá-las de feministas. Elas têm razão em suas ações e, em geral, elas não o fazem sozinhas.
Acredito muito na colaboração entre homem e mulher. Nós fazemos muitas coisas juntos pelo bem da humanidade. Quando somos cristãos e cristãs, isso é muito importante. No meu trabalho, gosto muito de observar a positividade da colaboração. Os homens precisam das mulheres. Por isso, algumas congregações são fundadas por homens, mas depois vem as mulheres. Em campo, o trabalho é muito grande, as mulheres trabalham muito e acredito muito nessa colaboração.
IHU – O caminho de libertação dos abusos não passa também por um reconhecimento das mulheres na Igreja e pela nomeação para posições de autoridade institucional, bem como por um maior investimento na formação?
Mary Lembo – A formação das mulheres é uma alternativa a ser considerada. Algumas mulheres consagradas pensam que pelo fato de o padre ter recebido muita formação, tudo que ele diz é verdade. Há padres que utilizam essa estratégia de distorção cognitiva, mesmo em relação à Palavra de Deus. Eles conseguem submeter a vítima durante anos, alegando que a Bíblia disse isso, Deus disse aquilo. Nesse sentido, a formação das irmãs consagradas ou das mulheres em geral é muito importante para tirá-las da ignorância. Isso diz respeito também a qualquer pessoa. A ignorância e a ingenuidade também contaram, às vezes, nos casos das mulheres abusadas.
É preciso observar também os contratos das congregações, das missões. O que as dioceses convidam a fazer, qual é o tempo de trabalho, a carga horária das religiosas? Quais são os recursos dados aos consagrados para o trabalho realizado? Não se pode esperar dos consagrados que tudo seja dado gratuitamente. Os superiores precisam dessa compreensão para negociar e argumentar com os bispos.
As irmãs enviadas também precisam compreender claramente os limites do seu trabalho, o que devem fazer, quais são as suas competências. Elas são muito competentes, mas, às vezes, não são valorizadas. Elas precisam ser preparadas para o trabalho solicitado. Qual é a carga horária que vão cumprir? Qual é o espaço que vão ter para realizar a atividade? Elas precisam poder interagir no mesmo nível intelectual dos seus colaboradores, sejam eles padres, sejam eles bispos ou agentes pastorais, para que não sejam vistas a partir de cima e pensem que não são qualificadas ou não entendem nada.
Essas mulheres precisam ser reconhecidas também na sua autoridade. A formação e a educação ajudam, sim. Cargos também. Posições na Igreja são necessárias para o equilíbrio, não para a competição. Não se trata de simplesmente nomeá-las para evitar que sejam abusadas. Não é isso. Elas têm uma grande capacidade de contribuir com a Igreja. Os trabalhos realizados pelos bispos e padres, elas também podem fazer à sua maneira. Isso precisa ser reconhecido. Mas não devem ser nomeadas simplesmente a troco de nada. Não. Às vezes, elas ocupam posições e nem sequer são respeitadas. Podem ocupar posições, mas suas vozes não são ouvidas.
Então, precisamos trabalhar em todos esses níveis. Não basta qualificá-las e diplomá-las. É preciso que sua voz, suas competências e sua presença sejam reconhecidas como pessoa humana à imagem de Deus. Como seres humanos, nós nos completamos, homens e mulheres. E é neste nível que devemos trabalhar muito.
IHU – Qual a posição das conferências dos religiosos dos países africanos em relação aos abusos? Como iniciar um processo de cura das irmãs feridas por abusos sexuais por padres?
Mary Lembo – Quanto às conferências dos religiosos e religiosas, cada país tem uma conferência nacional. Em setores da África Ocidental, leste da África, África do Norte, passos têm sido dados. No ano passado, foi a primeira vez que as conferências, sob o manto da Conferência Internacional dos bispos de toda a África, conseguiram reunir mais de 90 superiores gerais das congregações fundadas na África para falar a respeito do tema.
Os superiores reconheceram a verdade e o flagelo dos abusos, mas é muito difícil falar a respeito. Foi a primeira vez que falamos do assunto na África. As conferências continuam convidando a abordá-lo e os superiores falam a respeito, mas os passos têm sido dados aos poucos. Isso porque, por exemplo, o bispo responsável disse para as mulheres não se fazerem de vítimas, como se todas fossem vítimas dos abusos dos padres. Ele disse para não darmos essa impressão. Em função disso, os superiores se retraíram e reagiram contra a nossa intervenção. Isso mostra que a força da voz masculina ainda é forte, mas as conferências já estão refletindo a respeito.
Depois desse encontro, houve um encontro na África do Sul, onde continuaram tratando do problema. Uma das irmãs que acompanha as religiosas abusadas testemunhou a respeito.
Os acompanhamentos são feitos individualmente para cada irmã que solicita. Não há uma organização para que haja um espaço oficial para que as irmãs abusadas possam falar. É individualmente que elas pedem conselhos e acompanhamento para curar essas feridas e para ganhar força para falar sobre a situação sem culpa, para não se sentirem sujas ou impuras dentro da própria unidade, principalmente aquelas que decidem permanecer, porque há aquelas que engravidam e são mandadas embora ou saem. Algumas não aguentam mais, não suportam e saem da congregação. Mas há aquelas que permanecem, sofrem na própria comunidade.
Religiosas preparadas no plano psicológico, como eu, integram a dimensão psicológica e espiritual para ajudar as mulheres a se levantarem e a continuarem caminhando. Estamos percorrendo um caminho. Muitas famílias religiosas e institutos têm feito trabalhos de conscientização nas comunidades em relação a isso, principalmente nos seminários. Quando podemos, falamos. Eu ensino nos seminários e é importante falar desse tema.