08 Janeiro 2009
Com a crise no sistema financeiro se alastrando pelas economias mundiais, conversamos com o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, Carlos Cordeiro, que fala, nesta entrevista, sobre como os bancários veem o essa crise e como estão tratando suas próprias lutas neste momento complicado. “Entra crise e sai crise o sistema financeiro brasileiro sempre sai ganhando”, argumentou Cordeiro, que aborda a greve que os bancários fizeram em meio à crise e as repercussões que o problema no sistema financeiro acarretou na categoria. Além disso, Cordeiro analisa a concentração dos bancos no Brasil, a forma como o lucro das instituições bancárias tem aumentado e as medidas que o governo do país tem tomado em decorrência da crise. “Os cinco maiores bancos hoje correspondem a 66% dos ativos, os dez maiores correspondem a quase 75% dos ativos. Então, de 150 bancos, há cinco que mandam no sistema, o que é extremamente perigoso. Eles têm também aproximadamente 80% do crédito no país”, relatou. A entrevista foi concedida à IHU On-Line por telefone.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Os bancários saíram, há pouco tempo, de uma longa greve que coincidiu com esse período de crise do sistema financeiro. Quais foram as conquistas mais significativas a partir dessa movimentação?
Carlos Cordeiro – As conquistas mais significativas para a categoria em meio a esta crise foi, acima de tudo, o aumento real do salário. Antes dessa crise que se estabeleceu sobre o sistema financeiro internacional, nós tínhamos uma ameaça em função do aumento da inflação por conta do preço dos alimentos. Naquele momento, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Fabio Colletti Barbosa, que também é presidente do Santander-Real, disse que não era o momento de dar reajustes acima da inflação do país, porque isso alimentaria a inflação dos alimentos. Então, já naquele período, tínhamos percebido que ou iríamos lutar muito para não só manter nosso poder de compra, mas também aumentar, ou iríamos nos submeter à ganância dos bancos. Optamos por organizar a categoria e discutir com a sociedade essa posição dos bancos. Por isso, tivemos 10% de reajuste e no meio dessa nossa greve apareceu essa crise financeira mundial. Creio que o caminho que seguimos foi correto, ou seja, discutir com a sociedade, organizar a categoria e, com isso, receber um aumento real do salário num momento em que duas crises se somaram.
IHU On-Line – A crise do sistema financeiro foi utilizada pelos banqueiros nessa mesa de negociação?
Carlos Cordeiro – Com certeza. Houve vários momentos durante a negociação em que os bancos quiseram recuar dizendo que era um momento difícil para o sistema financeiro, que ninguém sabia o tamanho da crise. Argumentamos que nas crises o sistema financeiro brasileiro sempre sai ganhando, então eles apostaram que a greve não aconteceria. A categoria mostrou insatisfação e mesmo com a crise nos mostramos vitoriosos com a greve.
IHU On-Line – O sistema financeiro tem utilizado a crise para realizar demissões?
Carlos Cordeiro – Tem, e muito. Com a fusão Itaú-Unibanco aconteceu isso, apesar de o presidente do Itaú e o presidente do Unibanco terem dito na entrevista coletiva na ocasião da fusão de que não fechariam agências ou fariam demissões. Infelizmente, os diretores do banco, na mesa de negociação, não quiseram assinar um documento que garante que não haverá demissões na categoria bancária. A justificativa deles de novo é a crise. É impressionante, pois a própria crise cria oportunidades para o sistema financeiro para que ele possa se concentrar ainda mais. Então, para o capital financeiro, a crise é o grande momento para expansão desse capital. A contrapartida para a sociedade é a demissão por conta das fusões, aumento das tarifas bancárias, de juros. A crise, no diálogo com a sociedade, é um momento difícil, mas dentro do sistema é uma grande oportunidade dos banqueiros aumentarem cada vez mais a presença do capital financeiro na sociedade.
IHU On-Line – A greve dos bancários enfrentou algum tipo de mecanismo de intimidação?
Carlos Cordeiro – Enfrentar o capital financeiro, na relação capital-trabalho, é sempre difícil porque os bancos têm muito poder de pressão, mas a categoria fez essa opção. Pense que os bancos são os grandes anunciadores da grande imprensa. Para nós, essa greve foi um momento difícil, mas saímos vitoriosos.
IHU On-Line – Então, há concentração no sistema financeiro brasileiro...
Carlos Cordeiro – A concentração é algo que nos preocupa muito. Nós estivemos na semana passada em Brasília para saber como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) irá julgar esta fusão. Os cinco maiores bancos hoje correspondem a 66% dos ativos; os dez maiores correspondem a quase 75% dos ativos. Então, de 150 bancos, há cinco que mandam no sistema e isso é algo extremamente perigoso. Eles têm também aproximadamente 80% do crédito no país. A concentração já é muito grande e nos preocupa porque ela tende a crescer ainda mais. Nós notamos que o Bradesco e o Banco do Brasil estão observando essas movimentações dos bancos no sistema brasileiro e tendem a se movimentar também.
IHU On-Line – Carlos, todos os anos os bancos apresentam balanços com recordes sucessivos. Como é que podemos estancar esses lucros conquistados a partir do trabalho da sociedade?
Carlos Cordeiro – Olha, acho que precisamos analisar de onde vem o lucro dos bancos. Antigamente, ele vinha muito do imposto inflacionário. Com o controle da inflação, os bancos diversificaram a questão dos lucros. Então, hoje o lucro vem dos títulos públicos, remunerados pela taxa Celic, de operações de seguros e de tarifas bancárias. O impressionante é a evolução desse lucro. O lucro dos bancos cresce de forma muito maior do que cresce o PIB. Por isso, a sociedade precisa discutir a contrapartida social desse capital, tendo controle do sistema financeiro. Assim, o Conselho Monetário Nacional precisa ter a participação da sociedade, pois é ele que define a taxa de juros. Hoje, as taxas de juros se tornaram um grande item dos lucros dos bancos. O presidente Lula disse que liberou mais compulsório em função da crise. Isso fará com que a sociedade pague pela diminuição do crescimento dos bancos e, assim, entramos num debate importante do papel do crédito. Eu não sou contra o fato de os bancos ganharem dinheiro, mas eles não podem ficar com esse lucro absurdo atual. A grande função do banco é dar crédito à sociedade. Então, o dinheiro é da sociedade e não dos bancos. Por isso, esse crédito precisa ser trabalhado de forma social, ou seja, de modo que gere emprego, renda, que estará preocupado com o meio ambiente etc. A sociedade precisa fazer um grande debate de enquadrar o sistema financeiro nacional para que de fato ele esteja a favor da sociedade.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião, então, em relação às medidas que o governo tomou em detrimento da crise?
Carlos Cordeiro – Essas medidas, acredito, são muito tímidas embora elas estejam num ritmo correto quando falamos em crédito. Quando o governo diminui o recolhimento compulsório, ou seja, disponibilizando mais crédito e cobrando dos bancos que esse crédito vá para áreas que gerem empregos e renda, num momento de crise, é uma atitude bastante importante. O debate que o governo fez em relação à prestação de serviços bancários e de enfrentamento à crise, embora tímido, foi também extremamente importante. Agora, você só irá conseguir mudar os rumos do sistema financeiro quando o governo brasileiro colocar, de fato, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal numa posição de disputa em relação aos bancos privados. O que estamos vendo, infelizmente, é o Banco do Brasil querendo se igualar ao Bradesco. No entanto, queremos ver esses bancos assumirem o seu papel de público, competindo com o sistema financeiro privado. Para isso, precisam, portanto, diminuir as taxas e não praticar taxas cada vez maiores. A sociedade também deve participar dessa disputa e cobrar responsabilidade social por parte dos bancos.
IHU On-Line – E de que forma essa crise afeta o modelo econômico atual?
Carlos Cordeiro – Creio que ele desnuda tudo aquilo que foi falado do neoliberalismo, um modelo onde o Estado não deveria ter uma participação direta na economia. Mas o Banco Central estadunidense reduziu taxa de juros a quase zero e vemos que, nas crises internas, a receita neoliberal era subir taxa de juros e diminuir a participação do Estado. Então, eu acho que a crise coloca em xeque esse modelo neoliberal, pois na hora “da onça beber água” o Estado irá socorrer o capital. Essa crise nos ajuda a pensar num outro modelo econômico e questiona o modelo que aí está, ou seja, um sistema financeiro sem controle.
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"Enfrentar o capital financeiro, na relação capital-trabalho, é sempre difícil". Entrevista especial com Carlos Cordeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU