O profundo silenciamento sobre a morte de trabalhadores

  • Quinta, 28 de Setembro de 2017


Depois do acidente, a obra foi interditada e segue interrompida (Foto: Lucas Schardong/IHU)

Se uma tragédia pudesse ser descrita em números, a que trataremos nesse texto poderia ser resumida assim: há mais de 50 dias uma marquise, com aproximadamente 15 metros de comprimento, despencou de pouco mais de quase três metros de altura, matando dois operários e deixando outros três feridos. Contudo, uma tragédia não é possível de ser explicada nem reduzida a números. Os trabalhadores Jairo Rodrigues Cavallari, 26 anos, e Lautiere Müller Kulba, 30 anos, morreram no dia 27 de julho após uma marquise de concreto cair em cima de cinco trabalhadores, na cidade de São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Depois de ter virado notícia na imprensa local, o assunto caiu no ostracismo. Enquanto a vegetação cresce no pátio da obra, o silêncio solitário do local ecoa o abandono dos órgãos fiscalizadores em relação à defesa dos direitos dos trabalhadores. Embargada pelo Ministério do Trabalho, a construção ainda está sob análise da Segurança do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul, sediada em Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, os dados mais recentes são de 2015 e revelam o número de 146 trabalhadores mortos, somente naquele ano. Além disso, mais de 52 mil operários sofreram acidentes de trabalho, conforme dados do Ministério da Previdência Social.

De acordo com o chefe do Setor de Inspeção do Trabalho Gerência Regional de Novo Hamburgo, Rafael Jassen de Araujo, a obra “foi embargada e deve permanecer paralisada até que providências de segurança permitam a retomada do trabalho no local”. Ele também afirma que o responsável pela construção foi notificado para apresentação de documentos trabalhistas e da área de saúde e segurança do trabalhador, que serão verificados pelos auditores designados para a fiscalização.

Rafael também informa que a empresa responsável entrou com um levantamento de embargo. A partir disso, a documentação será analisada e, caso seja satisfatória, o local da obra sofrerá fiscalização. Caso as normas de segurança estiverem de acordo com a legislação, a empresa poderá dar continuidade aos trabalhos.

Nenhum dos proprietários ou engenheiros da Mavel Engenharia e Construções, empresa responsável pela obra, quis conversar com a reportagem da IHU On–Line. Durante contato telefônico, a resposta da empresa, dada por uma atendente, que se negou a se identificar, foi que não forneceriam nenhuma informação sobre o assunto, e que aguardavam o resultado da perícia para se pronunciarem.

Órgãos públicos

Na época, a prefeitura de São Leopoldo, por meio de uma nota, lamentou a tragédia e informou que a “obra foi devidamente licenciada e conta com seus próprios responsáveis técnicos tanto pelo projeto quanto pela execução". A reportagem entrou em contato com o órgão municipal novamente, através da Diretoria de Urbanismo, que está diretamente ligada à Secretaria de Gestão e Governo. A resposta, contudo, foi que o auto de embargo já havia sido apresentado por falta de segurança e que estavam no aguardo do laudo fiscal realizado pela perícia para tomar as medidas cabíveis. Já a Procuradoria Geral do Município também informou que os procuradores de São Leopoldo não receberam nenhuma ocorrência ou ofício relacionado ao incidente.

O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – Cerest de Canoas, que atua no Vale do Sinos e é responsável pela investigação dos acidentes de trabalho com óbito, afirmou ter feito contato com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul – Crea–RS e com o Sindicato da Construção Civil para se munir de mais informações. De acordo com o Cerest, ainda é muito cedo para se chegar a qualquer conclusão, e estão aguardando os laudos técnicos do acidente.

 



Depois do acidente, a obra foi interditada e segue interrompida (Foto: Lucas Schardong/IHU)

O Crea–RS, por sua vez, afirma que fez a fiscalização de todos os profissionais e empresas responsáveis pelas atividades técnicas da obra, incluindo a parte de projetos e dos responsáveis pela segurança da construção. Além disso, está averiguando todos os pontos que poderiam ter levado ao incidente, para, a partir disso, enviar os relatórios preliminares para laudo técnico ao Ministério do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho – MPT. Entretanto, até o fechamento desta reportagem, ninguém havia sido responsabilizado e sequer se sabiam, exatamente, as causas do acidente. Enquanto as autoridades investigam o caso, a impunidade cresce verde e reluzente, como o capim que verte entre os vãos do concreto de uma obra abandonada.

Gráfico do número de mortes e acidentes dos trabalhadores no Rio Grande do Sul e Vale do Sinos



Arte: Nadine Steffen