01 Junho 2016
"No memorável encontro do dia 3 de julho de 1980, do Papa São João Paulo II com 130 mil trabalhadores no estádio do Morumbí, foi Waldemar a voz profética a saudar o Papa. Ao término de suas palavras, o estádio estremeceu com o brado: 'liberdade, liberdade, liberdade...'", escreve D. Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau, ao recordar Waldemar Rossi (foto) histórico líder sindical, recentemente falecido.
Fotos: www.hart-brasilientexte.de
Segundo o bispo, "já em 1974, no incansável trabalho evangelizador visando a libertação da classe trabalhadora da pífia opressão do sistema capitalista, iluminado pelos ensinamentos de Jesus, da Doutrina Social da Igreja, Waldemar Rossi fôra preso e, nos malditos porões da ditadura, covardemente torturado. Destas torturas, herdou surdez parcial que o acompanhou pelos restantes anos de vida. Nada o dobrou, na caminhada! Olhos fixos em Jesus, o Filho de Deus, da prisão e torturas, saiu com renovador vigor".
Eis o artigo.
Waldemar Rossi e eu somos amigos e irmãos desde nossa distante juventude. Somos pertencentes à Arquidiocese de Ribeirão Preto. Ele, desde o nascimento, em Sertãozinho, cidade próxima a Ribeirão Preto, no dia 19 de agosto de 1933; eu, em local distante, Saltinho de Piracicaba, poucos meses antes , 19 de janeiro de 1933. Encontramo-nos, na juventude, quando ele militava na JOC, eu no jornalismo, em Ribeirão Preto.
Waldemar era de família católica praticante. Com 12 anos, ingressou na Cruzada Eucarística e, aos 14, na Congregação Mariana, na paróquia de Sertãozinho. A reza do terço, o Ofício de Nossa Senhora eram suas orações especiais, como devoto de Nossa Senhora. A missa dominical, prática obrigatória!
Em 1955, com 22 anos, Waldemar conheceu o Movimento especializado de Ação Católica, a Juventude Operária Católica (JOC). Conheceu a JOC e por ela se encantou! A Diocese de Ribeirão Preto se renovava ! Os setores especializados da Ação Católica: JUC,LEC,JIC,JAC,JOC., estavam muito ativos.
Dom Luis do Amaral Mousinho, bispo diocesano, depois primeiro arcebispo, desde junho de 1952, em intensa comunhão com os padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas, deu intenso e renovador impulso à vida eclesial, com vivo apoio à Ação Católica.
Em abril de 1957, foi aberto em Ribeirão Preto, “ o Lar da JOC com a finalidade de promoção integral dos jovens que vivem honestamente do próprio trabalho”. O Movimento por um Mundo Melhor desencadeado na Itália por Padre Ricardo Lombardi é acolhido na Diocese, renovando as paróquias. Neste clima, vive o jovem discípulo de Jesus Waldemar Rossi, plenamente engajado na JOC.
Em entrevista concedida ao jornal “O São Paulo” em 2013, Rossi dizia: “Em 1955, aos 22 anos, conheci a JOC e comecei a descobrir Cristo em meus irmãos de trabalho. Minha espiritualidade mudou radicalmente pois passei a perceber que a vivência dos valores evangélicos deveria se dar de forma mais profunda na busca do conhecimento dos meus irmãos de trabalho, em suas condições de trabalho, de vida familiar, de moradia, de lazer, de educação”.
Em 1960, Waldemar Rossi deixou Ribeirão Preto, rumando para São Paulo, assumindo a coordenação da JOC. Até então trabalhava como pedreiro, passando, na Capital Paulista, a trabalhar como metalúrgico. Unido a outros militantes operários da JOC, vai aprofundando seus conhecimentos sobre as árduas condições dos trabalhadores (as) sob a exploração do sistema capitalista. Em 1970, Waldemar e seus irmãos discípulos missionários de Jesus, o Carpinteiro de Nazaré, lançaram as bases para a criação da Pastoral Operária Metropolitana e em 1976 da Pastoral Operária Nacional.
Em novembro 12 de novembro de 1974, festa de Nossa Senhora de Guadalupe, o querido Papa Paulo VI me nomeou bispo auxiliar de São Paulo. A partir de minha ordenação episcopal, no dia 23 de janeiro de 1975, começo a integrar o maravilhoso grupo dos Bispos auxiliares, com o profeta Dom Paulo Evaristo Arns, nosso Arcebispo à frente.
Inicio então meus trabalhos na Região Leste da Capital, onde Waldemar Rossi residia. Ele me convidou para integrar a Pastoral Operária Metropolitana. Convite imediatamente aceito, mediante aprovação de Dom Paulo Evaristo! Até o ano de 2000, quando fui nomeado primeiro Bispo diocesano de Blumenau, trabalhamos unidos, com todo ardor, na evangelização do mundo do trabalho.
Eram árduos tempos da ditadura civil militar. Já em 1974, no incansável trabalho evangelizador visando a libertação da classe trabalhadora da pífia opressão do sistema capitalista, iluminado pelos ensinamentos de Jesus, da Doutrina Social da Igreja, Waldemar Rossi fôra preso e, nos malditos porões da ditadura, covardemente torturado. Destas torturas, herdou surdez parcial que o acompanhou pelos restantes anos de vida. Nada o dobrou, na caminhada! Olhos fixos em Jesus, o Filho de Deus, da prisão e torturas, saiu com renovador vigor.
No dia 30 de outubro de 1979, nosso irmão Santo Dias, integrante de nossa Equipe de coordenação da Pastoral Operária Metropolitana, foi covardemente assassinado pela polícia militar a serviço da ditadura militar. Em procissão, Waldemar Rossi, à frente com toda Pastoral operária, cercados por verdadeira multidão, conduzimos o corpo de Santo Dias à Catedral da Sé, proclamando pelas ruas da cidade: ”Companheiro Santo, a luta vai continuar”. Brado que repetimos na missa de sétimo dia de Waldemar, na mesma Catedral da Sé, agora, em continuado compromisso: “ Companheiro Waldemar, a luta vai continuar”.
Volto àquele 30 de novembro quando Dom Paulo Evaristo e eu entramos no salão do Instituto Médico Legal onde, entre os muitos corpos mortos depositados em banquetas, o de Santo Dias estava. Dom Paulo rezou o Pai Nosso. Jamais vi um corpo morto tão parecido com o de Jesus no alto da cruz. O peito do Senhor Jesus foi cortado pela lança do soldado e o do operário mártir pela bala de outro soldado a serviço da iniquidade.
Waldemar Rossi era cristão leigo, cidadão, vivamente presente em muitas frentes de vida, de trabalhos!
Viveu intensamente a alegria do amor em família. Em 1964, casou-se com sua amada Maria Célia Vieira. Tiveram cinco filhos! Waldemar era apaixonado por sua Celinha, tendo na família, sua riqueza maior.
Waldemar participava ativamente das lutas por Sindicato dos Metalúrgicos livre do domínio dos “ pelegos “. Integrou a chapa 2 na luta por conseguir a direção do sindicato.
Colaborava na criação das Escolas de Fé e Política na Arquidiocese de São Paulo. A Região Episcopal Belem homenageia Waldemar Rossi, dando à sua ativa escola o nome de “Escola de Fé e Política Waldemar Rossi”.
No memorável encontro do dia 3 de julho de 1980, do Papa São João Paulo II com 130 mil trabalhadores no estádio do Morumbí, foi Waldemar a voz profética a saudar o Papa. Ao término de suas palavras, o estádio estremeceu com o brado:” liberdade, liberdade, liberdade...” que invadiu os ouvidos surdos dos golpistas de então! (Na foto, o abraço de Waldemar Rossi com João Paulo II, no Estádio do Morumbi).
Marcou presença nos primeiros anos da histórica vida do Partido dos Trabalhadores (PT) sendo que, com o passar dos anos, diante de crises vividas pelo Partido no poder e frustradas expectativas de reformas profundas em setores do ampo social, optou por apoiar outras correntes partidárias.
No governo municipal da ilustre prefeita, hoje deputada federal, Luiza Erundina, foi nomeado Administrador da sub-Prefeitura da Mooca; cargo que exerceu com honestidade e reconhecida competência.
Com escolaridade primária, Waldemar autodidata fazia, com brilhantismo, palestras, escrevia artigos, focando sempre a problemática da justiça social, alicerçando-se no Evangelho com especial enfoque no “Sermão da Montanha” e princípios da Doutrina Social da Igreja. “Que sabedoria é esta que vem de meu Povo! É o Espírito Santo falando de novo”.
Meu último encontro com Waldemar Rossi seu deu quando o visitei no Hospital do Servidor Público Estadual. Estava ofegante, com o imenso coração debilitado. Administrei-lhe o Sacramento dos Enfermos. Coragem, irmão, disse-lhe eu, ao que me respondeu: na esperança sempre!
Na Catedral da Sé, diante de seu corpo morto, disse à sua amada esposa Célia: “ O Waldemar está vivo, querida irmã”. Célia, lágrimas inundando a face, respondeu-me: “Eu creio!”.
D. Angélico Bernardino presidiu, na Catedral da Sé, em São Paulo, a celebração eucarística com a preença do corpo de Waldemar Rossi. Foto: www.arquisp.org.br
A Catedral da Sé, na missa de corpo presente, estava repleta: trabalhadores, trabalhadoras, jovens estudantes, numerosos padres, religiosos, religiosas... La estavam o Eduardo Suplicy, a Marieta, esposa querida do Plinio de Arruda Sampaio que, no ceu, acolheu ao amigo Waldemar com alegre bem vindo!
Marcaram presença homens e mulheres de vários Partidos Políticos; la estavam Ana Flora, Ana Maria, tanta gene do Povo, militantes antigos e novos da Pastoral Operária com um so coração agradecendo a vida de Waldemar!
Unidos, proclamamos na certeza que Jesus Ressuscitado nos oferece: companheiro Waldemar Rossi, você está vivo, você está presente, e seu testemunho de discípulo missionário de Jesus nos trabalhos de construção do Reino de Deus, feito de justiça, amor, verdade, misericórdia e paz, é legado que abraçamos com renovado vigor, caminhando de esperança em esperança, na esperança sempre!
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Waldemar Rossi, amigo e irmão! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU