A Amoris laetitia e os divorciados em segunda união: "Há 40 anos eu os acolho". Entrevista com Giovanni Cereti

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13 Abril 2016

"Era hora de um papa reconhecer a possibilidade de um discernimento pastoral para os divorciados recasados. Há 40 anos eu os acompanho e sei o quanto ficam aliviados quando eu os absolvo, e ele podem ir receber a Comunhão."

O padre Giovanni Cereti, 83 anos, reitor da igreja dos genoveses, uma joia no coração do Trastevere, é não apenas um dos muitos padres que aplaudem Francisco pela reviravolta impressa com a Amoris laetitia. Em 1977, como teólogo, ele publicou o seu livro mais célebre, Divorzio, nuove nozze e penitenza nella chiesa primitiva [Divórcio, novas bodas e penitência na Igreja primitiva], que recentemente acabou nas mãos do pontífice, que o apreciaria muito.

A reportagem é de Giovanni Panettiere, publicada no sítio QN, 09-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Pe. Cereti, a exortação do papa confia a vocês, padres, o acompanhamento espiritual dos divorciados em segunda união: é uma responsabilidade grande demais?

Eu não diria isso. É um compromisso que certos confessores assumiram há muito tempo. O reconhecimento de Francisco é de uma tendência que já entrou, em certa medida, na práxis de algumas Igrejas locais.

Os fundamentos dessa orientação remontam aos primeiros séculos do cristianismo, não é verdade?

A solução apresentada pelo papa está em plena continuidade com a práxis seguida pela Igreja das origens e com a sua solicitude pelo bom sucesso do matrimônio. De fato, naqueles tempos, a Igreja pregava a monogamia absoluta como ideal cristão, mas tinha tomado consciência de ter recebido de Cristo o poder de absolver todos os pecados. Isso está demonstrado, por exemplo, pelo cânone 8 do Concílio de Niceia (325): segundo essa disposição, os hereges novacianos, que desejavam voltar para a Igreja Católica, deviam respeitar a sua práxis, aceitando na comunhão eucarística aqueles que viviam em segundas bodas e aqueles que tinham feito apostasia durante as perseguições, depois que tivesse concluído a penitência pública imposta a essas duas categorias de sujeitos. O cânone mostra, portanto, como a Igreja dos primeiros séculos também conhecia a práxis da reintegração dos divorciados recasados na comunidade por meio de um caminho de conversão e de penitência.

O que significa acompanhar um divorciado recasado?

Fazer com que ele tome consciência do seu grau de responsabilidade por ter pisoteado a promessa de fidelidade e de indissolubilidade expressada durante a celebração das bodas, embora seja verdade que existem matrimônios insuportáveis, em que a separação é necessária e se deve permitir que o direto interessado possa ter uma nova união com um futuro renovado, de acordo com a vontade de Deus.

Em que condições se pode dar a hóstia?

Quando o penitente conseguiu ter um confronto civil com o ex-cônjuge sobre o que aconteceu, se comportou com ele de maneira humana, construiu junto um bom relacionamento depois da ruptura do vínculo, cumpriu com os seus deveres em relação aos filhos nascidos do seu matrimônio. Depois, deve haver de sua parte um sincero arrependimento pelo erro cometido e, para o futuro, a boa vontade de criar uma união estável no respeito ao ideal cristão.

A misericórdia, portanto, não deve ser confundida com a bonomia.

Absolutamente. A Igreja primitiva readmitia à comunhão, mas a pessoa sempre devia fazer um certo caminho de penitência. O acompanhamento deve durar no tempo para chegar justamente a um novo início, que deve ser consentido mediante o sacramento da confissão. Dito isso, o padre sempre deve ter um grande respeito pela consciência do penitente.

Em que sentido?

Quero dizer que, muitas vezes, é o leigo que, tendo formado um juízo sobre a sua condição, em um certo ponto, volta a tomar a comunhão. O papa, na Amoris laetitia, também ressalta, com razão, a exigência de respeitar a consciência do indivíduo.

O senhor foi um dos precursores da assistência espiritual aos divorciados recasados.

Digamos que, tendo estudado a fundo o problema e tendo escrito vários livros sobre o tema, fui interpelado por várias pessoas e, em 30 ou 40 anos de serviço, absolvi muitas delas, dando-lhes a possibilidade de se aproximar novamente da comunhão e de voltar em plenitude à vida da Igreja. Ainda hoje muitos continuam gratos a mim porque eu os deixar em paz com eles mesmos.

A Amoris laetitia deixa aos bispos o poder de traçar as diretrizes para esse tipo de acompanhamento. Na Itália, alguns pastores vão se colocar no meio do caminho?

Eu acho que não, há uma orientação geral em favor da readmissão aos sacramentos. A exortação tem o mérito de deixar aos bispos locais, não só em relação à hóstia aos divorciados em segunda união, uma certa autonomia de decisão no respeito das culturas e das sensibilidades dos país individuais. É uma descentralização que não mina a unidade da Igreja, porque ela, em todos os lugares, anuncia sempre o modelo cristão do matrimônio.

Vem do papa um olhar mais sereno sobre a sexualidade, com o "sim" a uma "prudente educação sexual" para os jovens. Espantado?

Faz parte da sua abordagem realista e não abstrata ao tema da família. Seja bem-vindo também o seu apelo para formar as consciências dos cônjuges e não para substituí-las também naquela que é a sua vida afetiva.

Além do tema do amor conjugal, quais elementos novos o senhor encontra na exortação de Francisco?

O reconhecimento de que a unidade na fé que deve existir na Igreja permite, no entanto, um pluralismo de aplicações pastorais, levando em conta as diversas épocas e as distintas culturas. Em essência, abre-se o caminho para a descentralização também no que diz respeito à solução dos problemas pastorais. E isso dando muita atenção às pessoas individuais, levando em conta as várias situações. Também me chamou a atenção, além disso, o reconhecimento de erros que pode ter havido na Igreja, que tornaram menos desejável o matrimônio (n. 36), e a confissão de que "nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas" (n. 37). O respeito da consciência de cada pessoa, afirmado com tanta convicção pelo Vaticano II, é a principal resposta oferecida a tantas situações difíceis.

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