Papa Francisco deveria ganhar o Prêmio Nobel da Paz 2016

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02 Março 2016

"O pontífice também assumiu a tarefa de reverter o status quo da política americana em se tratando de mudanças climáticas. Muitos partidos conservadores na Europa e alhures têm uma formação mais influenciada pelo ensino social católico do que pelo darwinismo social", escreve Robert Christian, editor da revista e blog online Millennial, doutorando em Política na Universidade Católica da América, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 26-02-2016. A tradução de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

Os críticos do Prêmio Nobel da Paz frequentemente fazem notar omissões gritantes em torno da premiação, escolhas desconcertantes que se fazem e a seleção de pessoas com passados, na melhor das hipóteses, duvidosos. Ao mesmo tempo, o prêmio já foi concedido a muitos defensores extraordinários dos direitos humanos e genuínos promotores da paz: Martin Luther King Jr., Lech Wałęsa, Elie Wiesel, Wangari Maathai, Shirin Ebadi, Malala Yousafzai, Liu Xiaobo e Jody Williams são só algumas das muitas personalidades dignas de reconhecimento.

Embora Madre Teresa de Calcutá tenha recebido o prêmio em 1979, nenhum papa até agora teve a honra de ser laureado com o Prêmio Nobel da Paz. Isso deve mudar este ano.

Por sua liderança no combate às mudanças climáticas e à degradação do meio ambiente, o Papa Francisco deve ganhar o Prêmio Nobel da Paz deste ano. Ele vem tendo um impacto transformador na consciência pública sobre as graves ameaças que a criação enfrenta, incluindo a ameaça crescente das mudanças no clima. Ele descreveu essas ameaças em termos austeros, dizendo: “Se a tendência atual se mantiver, este século poderá ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós”. E com essa crítica lancinante do status quo, ele apresentou uma visão de um futuro melhor: o desenvolvimento sustentável que se origina no respeito pela criação e na dignidade da pessoa humana.

Poluição, mudanças climáticas e outras ameaças ambientais põem um grave risco à segurança internacional e humana. Elas ameaçam as gerações futuras com condições de vida desumanas e recursos escassos, ao mesmo tempo terminando prematuramente com a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. A Organização Mundial da Saúde estima que mais de 7 milhões morrem por ano como decorrência da poluição do ar. A degradação do meio ambiente vai intensificar a competição por recursos de um modo a desencadear conflitos. O cuidado para a paz é um cuidado da criação.

O movimento ambientalista (por mais injusta que possa ser a caracterização) tem uma reputação entre os americanos de ser secular, tecnocrata e estar mais preocupada com a condição de vida de insetos desconhecidos do que com o bem-estar humano. O Papa Francisco está mudando esta reputação.

A inquietação dele com as alterações no clima mundial centra-se menos sobre o risco aos ursos polares e mais no impacto humano. Ele promoveu o ponto crítico de que o enfrentamento das mudanças climáticas e a proteção do meio ambiente são necessários para a plena salvaguarda dos direitos humanos. A destruição da criação não pode estar separada da cultura do descarte que Francisco vem denunciando repetidas vezes.

O pontífice enquadrou estas problemáticas em termos morais, pedindo a todas as pessoas e governos do mundo que reflitam a respeito e que vivam com responsabilidade pela criação e pelos povos vulneráveis do mundo.

Ao inscrever a Igreja Católica nessa luta, a encíclica de Francisco se tornou um divisor de águas. Mas o papa não está limitando o seu alcance pastoral aos católicos ou cristãos somente. Em Laudato Si’, ele dirige-se a cada pessoa neste planeta, sabendo que temos a responsabilidade de responder, como família humana, à crise que afeta a casa comum. Ele vem sendo um verdadeiro líder global com respeito a estes assuntos. E podemos já estar vendo resultados positivos desta tal liderança.

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em 2015 foi um teste fundamental para ver se o mundo estaria ouvindo o conselho de Francisco e se responderia aos desafios apresentados pelas mudanças climáticas. O Papa Francisco não se postou de lado na discussão nem deixou que falassem por si só os seus discursos passados. Diferentemente, manifestou a confiança de que a Conferência “alcançaria acordos fundamentais e eficazes”. O seu incentivo e o quadro moral que ofereceu ajudaram a pressionar a Conferência de Paris no sentido de se sair com um resultado bem-sucedido. O Dr. Alison Doig, da organização Christian Aid, disse que fora “transformador” o impacto do Papa Francisco nas negociações.

O pontífice também assumiu a tarefa de reverter o status quo da política americana em se tratando de mudanças climáticas. Muitos partidos conservadores na Europa e alhures têm uma formação mais influenciada pelo ensino social católico do que pelo darwinismo social e, portanto, possuem um forte compromisso em proteger o meio ambiente. Parece inteiramente apropriado que um conservador reconheceria a sabedoria e a moralidade de se conservar o meio ambiente e proteger a criação de Deus. Até mesmo nos EUA, foi o governo republicano de Theodore Roosevelt que mais remodelou o compromisso do país com a conservação. E muitos ainda se recordam da promessa do presidente George H.W. Bush a ser “o presidente ambientalista”, coisa que fez na campanha à presidência.

Mas agora existe um racha acentuado entre a abordagem ao meio ambiente por parte do Partido Republicano e a abordagem assumida pelos partidos de centro-direita de outros países ricos. Os republicanos da era Roosevelt estão quase inteiramente ausentes das corridas eleitorais. O ceticismo e o negacionismo das mudanças climáticas permeiam o partido, pondo-o em separado dos demais partidos conservadores ao redor do mundo.

A desconsideração do consenso científico, o descaso para com as responsabilidades de uma boa governança e uma extrema devoção à pauta fundamentalista do livre mercado demonstram que o Partido Republicano é mais reacionário do que conservador. Dada a necessidade da ação americana quando se trata de verdadeiramente enfrentar as mudanças do clima e dada a diferença que um apoio bipartidário faria, a espiral desse partido em direção à indiferença coletiva é um sério problema.

Mas Francisco não evitou este problema em sua viagem aos EUA, enfatizando diretamente a necessidade de se responder às mudanças climáticas. Durante os dias que esteve no país, Francisco falou: “Também parece claro para mim que a mudança climática é um problema que não pode mais ser deixado para uma geração futura. Quando se trata dos cuidados da nossa casa comum, estamos vivendo em um momento crítico da história”. Milhões de eleitores republicanos concordam. E a viagem do Papa Francisco pareceu inspirar uns poucos congressistas desse partido a romper fileiras e afirmarem a crença de que as alterações climáticas são reais e que este tema não deveria ser uma questão partidária. Eis uma mudança pequena, porém verdadeira.

A liderança mundial do Papa Francisco frente às mudanças climáticas e à proteção ao meio ambiente está fazendo uma real diferença. Quando depositarem os seus votos, os eleitores do Nobel da Paz deveriam refletir sobre as sérias ameaças postas pelas mudanças no clima mundial e pela degradação ambiental, além de reconhecer os esforços do Papa Francisco, quem de modo persuasivo e persistente tem desafiado o mundo a responder à essa grande ameaça à justiça e à paz.

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