George Pell: a Igreja tinha uma “predisposição a não acreditar” nas crianças que se queixavam de padres pedófilos

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01 Março 2016

Em depoimento à Comissão Real australiana que trata da pedofilia na Igreja, o cardeal admitiu era “bastante inclinado” a aceitar as negações de abuso que os padres apresentavam.

A reportagem é de Ben Doherty e Stephanie Kirchgaessner, publicada por The Guardian, 29-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

A Igreja Católica interessava-se mais em proteger a própria reputação do que ajudar as vítimas dos abusos clericais, e tinha uma “predisposição a não acreditar” nas crianças que apresentavam queixas, contou o Cardeal George Pell à Comissão Real para as respostas institucionais católicas aos abusos de pedofilia na Austrália.
“Naquele estágio, o instinto era mais o de proteger a instituição, a comunidade religiosa, protegê-las da vergonha”, disse à Comissão em Sydney via videoconferência direto de Roma.

Nesta segunda-feira, no primeiro dos quatro dias de depoimento diante da Comissão Real, Pell, a mais alta autoridade católica da Austrália, concordou ter sido uma “catástrofe” a forma como a Igreja lidou com o caso do padre pedófilo Gerald Ridsdale.

“Não estou aqui para defender o indefensável, a Igreja cometeu enormes equívocos e está trabalhando para remediá-los. Mas a Igreja, em muitos lugares, e com certeza na Austrália, jogou para debaixo do tapete casos e mais casos, decepcionou as pessoas. Não estou aqui para defender o indefensável”.

Pell é o prefeito da Secretaria para a Economia da Santa Sé, amplamente considerado como sendo o terceiro cargo mais poderoso no Vaticano – título que ele rebateu em sua audiência na segunda-feira. Pell já se apresentou diante da Comissão por duas vezes.

Para esta terceira audiência, o cardeal recebeu a autorização de se apresentar via videoconferência à Comissão que se encontra em Sydney. O religioso falou aos membros da Comissão direto do Hotel Quirinale, em Roma, depois que médicos disseram que ele não estava bem de saúde a ponto de viajar até a Austrália. Pell, de 74 anos, tem problemas cardíacos.

Um grupo de quinze sobreviventes viajou da Austrália para Roma para assistir ao depoimento – decisão que o sobrevivente Paul Levey descreveu como sendo uma tentativa de fazer Pell sentir a pressão que teria sentido caso tivesse viajado à Austrália. Os sobreviventes se sentaram em frente ao cardeal, na mesma sala da videoconferência. Alguns vestiam camisetas com o dizer “Stop the Silence”, enquanto um outro, Peter Blenkiron, usava uma camisa verde com a foto de um jovem estampado nela.

Usando um colarinho clerical e uma jaqueta preta e sentado diante de uma cortina cinza, Pell parecia estar sozinho, diante de um solitário microfone e um copo d’água. Em seu peito esquerdo, na forma de pingente, estava a sua medalha de Companheiro da Ordem da Austrália. A sala não estava cheia, mas o depoimento foi assistido por cerca de 70 jornalistas, juntamente com os sobreviventes e vários sacerdotes.

Pell prestou juramento sobre uma Bíblia de que o falaria seria verdadeiro. Sob questionamento, ele não se esquivou. Pelo contrário, falou com confiança, apenas ocasionalmente enfrentando problemas com o atraso na transmissão do áudio e na visualização dos documentos que, por vezes, lhe alcançavam.

Durante a sua primeira manhã de depoimento, Gail Furness, advogada que está auxiliando a Comissão, focou-se no início da carreira sacerdotal de Pell, em particular durante o seu tempo de pároco auxiliar em Swan Hill e como pároco em Ballarat, no estado de Victoria.

Pell criticou duramente Dom Ronald Mulkearns, ex-bispo de Ballarat, quem prestou depoimento à Comissão Real na semana passada. Mulkearns destruiu documentos incriminadores perante uma comissão parlamentar vitoriana, segundo Pell, algo que, para ele, foi “inaceitável”.

O cardeal condenou a forma como Mulkearns lidou no caso do notório padre pedófilo Gerald Ridsdale, que estuprou crianças em instituições católicas no estado de Victoria. Ridsdale teve certa proteção, na medida em que era movido a novas paróquias enquanto novas queixas de abuso surgiam.

“Foi uma catástrofe a forma como se lidou com o caso Ridsdale”, disse Pell. “Uma catástrofe para as vítimas, uma catástrofe para a Igreja. Se uma ação efetiva tivesse sido feita logo no início, uma enorme quantidade de sofrimento teria sido evitada”.

“Ele [Mulkearns] deu a Ridsdale oportunidades e mais oportunidades, transferiu-o entre paróquias, concedendo uma confiança excessiva nos benefícios possíveis da ajuda psicológica [ao comportamento pedófilo de Ridsdale]”.
O sobrinho de Ridsdale, David Ridsdale, que fora abusado pelo tio, estava entre os sobreviventes a assistir Pell em Roma. “Os sobreviventes estão unidos e se comportando respeitosamente como de costume”, escreveu ele enquanto assistia ao depoimento.

Pell disse que, no começo da década de 1970, quando ouviu pela primeira vez queixas de padres abusando sexualmente de menores, estava “bastante inclinado” a acreditar na versão dos eventos contada pelos sacerdotes.

Em 1972, ele tomou conhecimento das acusações contra o Monsenhor John Day, de que este estava abusando sexualmente de crianças. Mas também ficou sabendo que Day havia negado as acusações.

“Devo dizer que, naqueles dias, se um padre negasse uma tal atividade, eu estava bastante inclinado a aceitar o que ele dizia”, contou Pell.

A Igreja tinha uma “predisposição a não acreditar” nas crianças que apresentavam queixas contra os padres, segundo ele.

Acrescentou, porém, que a Igreja melhorou a sua resposta institucional a tais acusações, citando a iniciativa Melbourne, Australia, e os protocolos chamados Towards Healing como amostras do comprometimento católico no auxílio às vítimas de abuso clerical e outros relacionados com a Igreja.

“Existem muito poucos países no mundo que foram tão longe quanto a Igreja Católica na Austrália no que diz respeito a pôr em prática procedimentos para salvaguardar as crianças, isso há quase 20 anos”.

“Creio que as falhas têm sido esmagadoramente mais de ordem pessoal, fracassos pessoais, do que estruturais”.
Na segunda parte do depoimento de Pell nesta segunda-feira pela manhã, predominaram perguntas sobre o seu conhecimento dos crimes cometidos pelos Christian Brothers na escola St. Alipius e no colégio St. Patrick, em Ballarat, no começo da década de 1970, quando Pell era vigário episcopal aí.

Comunidade religiosa dentro da Igreja Católica, os Christian Brothers atuam principalmente em obras educacionais dedicadas a crianças.

Ao todo, 281 participantes da comunidade Christian Brothers na Austrália estiveram sujeitos a uma ou mais alegação ou queixa substanciada de abuso sexual infantil: 45% destes abusos ocorreram na Tasmânia ou em Victoria, segundo ouviu a Comissão Real na semana passada.

Furness focou-se nos crimes dos irmãos Gerald Leo Fitzgerald, falecido, e Ted Dowlan, quem acabou sendo preso por crimes contra 31 meninos.

Os garotos abusados pelos Irmãos Fitzgerald e Dowlan eram referidos pelos demais alunos como os “bum buddies”, gíria pejorativa australiana para dizer das pessoas que fazem sexo anal em situações ocasionais, praticado geralmente por gays. Pell falou nunca ter ouvido esse termo.

O cardeal afirmou ainda ter ficado sabendo que Fitzgerald havia nadado nu junto de alguns alunos.

“Eu ouvi, nas férias escolares de final de ano, que eles haviam nadados nus”.

Segundo Pell, era de conhecimento comum que o incidente tinha acontecido e que não era comum um incidente assim ocorrer. Disse também que este fora um “ato imprudente”, mas que “nenhuma irregularidade chegou até mim”.

Disseram a Pell que o crime de Dowlan também era de “conhecimento comum”, que havia sido também assunto de queixas por parte dos pais, além de rumores entre os alunos, que “surpreenderam” o irmão “tocando os meninos de novo”.

Pell disse que apenas ouviu “rumores fugazes” com o “comportamento inadequado de Dowlan, que concluí ter sido de atividade pedófila”.

O religioso concordou que a ocorrência de crimes sexuais na escola era algo conhecido de um “número significativo” de pessoas na comunidade.

No final do depoimento, Pell apertou a mão de dois jornalistas e lhes acenou com a cabeça. Sobreviventes disseram que tentaram manter um contato visual com o cardeal, mas que o seu olhar não fora recíproco.

Em Roma, Anthony Foster, cujas filhas, Emma e Katie, foram abusadas por um padre pedófilo, disse que Furness usou as suas quatro horas com Pell para assentar as bases para os demais dias de depoimento.
“Havia uma situação clara, de que todo mundo em volta dele sabia”, falou Foster.

Paul Levey, também sobrevivente, disse esperar que a Comissão tenha ainda algumas “cartas na manga”.
Andrew Collins, que sobreviveu ao abuso cometido por quatro homens em separado quando era criança em Ballarat – aos 7, 11, 12 e 14 anos, por um professor, um padre e dois monges –, disse que estava mais ansioso para ver os advogados dos próprios sobreviventes apresentarem suas perguntas a Pell.

A sua história pessoal não é de todo incomum, informou Collins, dado que a maioria das vítimas era abusada por várias pessoas naquela época.

“Quase toda criança entrava em contato com algum pedófilo – e não só os católicos –, mas elas lançaram uma base”, disse Collins.

Pell volta a se apresentar à Comissão nesta terça-feira.

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