15 Janeiro 2016
“Nós não temos mais misericórdia porque não temos mais generosidade. Isto é evidente”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado em seu blog Teología sin Censura, 12-01-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
Eis o artigo.
É um fato que agora mesmo há no mundo milhares e milhões de cristãos, que não temos a misericórdia que nos pede o Evangelho e nos demanda o Papa Francisco, como é igualmente um fato que aqueles de nós que vivem sem a devida misericórdia – diante de tanta violência e tanto sofrimento (basta pensar no angustiante problema dos refugiados) – dormem cada noite tão tranquilos e com boa consciência.
Como e por que tranquilizamos (tanto e tão facilmente) nossa consciência? Claro, temos que nos recordar o que envolve a fragilidade e a inconsistência que, de uma forma ou de outra, todos trazemos. Mas parece-me que, neste assunto específico, não fica tudo explicado fazendo uso de nossa incoerência moral. Nós não temos mais misericórdia porque não temos mais generosidade. Isto é evidente.
Mas acontece que, além da nossa debilidade humana, temos uma debilidade teológica que (na minha maneira de ver) torna-se decisiva neste assunto. Em que consiste esta debilidade teológica? Digo em poucas palavras: o Deus dos evangelhos não coincide com o Deus do apóstolo Paulo. Trata-se, de fato, de duas “representações” de Deus, que são diferentes precisamente neste ponto concreto da misericórdia.
De fato, o Deus dos evangelhos é o Deus que “quer misericórdia e não sacrifício” (Mt 9, 13; 12, 7; cf. Os 6, 6). Porém, o Deus de qual fala Paulo é o Deus de Abraão (Gl 3, 16-21; Rm 4, 2-20). Contudo, isto significa que o Deus que nos apresenta Jesus quer acima de tudo misericórdia, não quer sacrifício e morte (nisto consistem os “sacrifícios” rituais). Pelo contrário, o Deus de Abraão é o Deus que primeiramente impôs ao patriarca bíblico o sacrifício de seu filho Isaque no altar (Gn 22, 1-2). Esta suposição, o drama contraditório, que vive e ensina a teologia cristã, consiste em que temos que crer no Deus de Jesus e no Deus de Paulo (que é o Deus de Abraão).
E que consequência discorre de tudo isto? Sem escolha, segue-se a ambiguidade em que vivemos a teologia e a espiritualidade que se nos ensina. Refiro-me à ambiguidade que consiste em que, para alguns, o que importa é praticar submissamente os sacrifícios e os rituais que a religião impõe. Enquanto que para outros, primeiro deve-se ter misericórdia, coragem e solidariedade com os que sofrem.
Simplesmente, o cristianismo de Paulo tranquiliza-nos a consciência, se cumprirmos com a religião. Enquanto que o cristianismo de Jesus somente tranquiliza-nos a consciência se nos levantarmos pelos refugiados, pelos famintos, pelos doentes, pelos que sofrem. Está claro por que somos tantos os cristãos que “sem misericórdia vivemos em boa consciência”?
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Sem misericórdia, com boa consciência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU