'Mutirão de análise' da lama de Mariana quer transformar cidadãos em pesquisadores

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18 Novembro 2015

Pelo Facebook, a produtora audiovisual mineira Janaína, que mora no Rio de Janeiro, começa a receber instruções sobre tubos de ensaio e protocolos para coletar amostras para testes químicos.

A reportagem é de Camilla Costa, publicada por BBC Brasil, 17-11-2015.

Em alguns dias, ela irá a até Governador Valadares (MG) e levar para análise a água que sai das torneiras da cidade depois que a lama liberada pelo rompimento das barragens em Mariana chegou ao local. E, para conseguir ajudar os pesquisadores, precisa saber como proceder.

O envolvimento cada vez maior de profissionais como Janaína na coleta científica de amostras da água e do solo da região do Rio Doce é um dos principais objetivos de um grupo de pesquisadores que vem se organizando pelo Facebook para analisar, de maneira independente, o impacto ambiental do desastre.

Desde a semana passada, a página do GIAIA (Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental - Samarco/Rio Doce) no Facebook reúne pesquisadores e cientistas de todo o Brasil para um "mutirão da ciência" em diversas frentes. Nesta terça-feira, o grupo já tinha mais de 4 mil pessoas.

A ideia partiu de um grupo de cerca de dez cientistas formados na USP e conseguiu adesão-relâmpago de profissionais de diversas áreas: a lista atual de voluntários já inclui, além de biólogos, geógrafos e químicos, pelo menos uma psicóloga, um astrônomo, historiadores e turismólogos.

De um modo geral, eles oferecem serviços ligados às suas especialidades, mas moradores e nativos da região, como Janaína, também se dispõem a contribuir fora de sua área de conhecimento.

"O que me motiva a fazer as coletas é porque percebo que as cidades da região, que estão sem água. Sabemos que a maior parte dos deputados de Minas Gerais são apoiados pelas mineradoras", disse à BBC Brasil.

Força-tarefa

Em diversas mensagens trocadas por dia, os frequentadores do GIAIA expressam indignação com relação ao acidente que deixou pelo menos 11 mortos e 12 desaparecidos, destruiu completamente o distrito de Bento Rodrigues (MG) e impactou centenas de pessoas no caminho do Rio Doce até o Espírito Santo.

Outros propõem ações para avaliar o impacto do desastre e divulgá-lo, trocam informações sobre procedimentos científicos e oferecem seus préstimos para o que for necessário.

"Alguém já falou aqui sobre hospedagem solidária? Moro em Aimorés (MG), qualquer coisa 'estamos aí'", diz o gestor ambiental mineiro Ivan Ruela, que também assumiu a tarefa de coletar amostras de água e sedimentos na cidade que faz divisa com o Espírito Santo.

"Sempre fui apegado a essa questão do Rio Doce. Achei interessante a ideia, para a gente agir de alguma forma, não ficar só sentado. A lama já chegou e tende a ficar muito resíduo por aqui", disse à BBC Brasil.

Segundo o biólogo paulista Alexandre Martensen – que faz doutorado em Toronto e administra a iniciativa à distância –, já há grupos de trabalho organizados para analisar a água do rio, os sedimentos no solo, espécies da fauna e flora locais e outros.

"Temos até um grupo de advogados e especialistas analisando os documentos do empreendimento, da Samarco, do Ministério Público. E outro que trabalha com mapeamento da região, para sabermos onde a lama pode chegar na próxima enchente", disse à BBC Brasil.

'Ciência cidadã'

Segundo Martensen, pesquisadores de universidades estaduais e federais da região foram os primeiros a se motivar pela iniciativa. Mas a nova fronteira, e a mais difícil, é conseguir que os próprios moradores da região contribuam.

"Já há moradores de comunidades que se propuseram a coletar amostras, nós os estamos orientando sobre como fazer. A ciência cidadã é muito importante", diz.

Até o momento, o grupo é completamente dependente de voluntários e os pesquisadores custeiam o trabalho de campo com recursos próprios e apoio de universidades ou ONGs, de acordo com o biólogo. Mas um financiamento coletivo para captar recursos para as análises surpreendeu, ultrapassando a meta de R$ 50 mil arrecadados em quatro dias. Até o fechamento desta reportagem, ele já acumulava R$ 52 mil.

"Começamos com um objetivo muito menor, que era só fazer análise de água e sedimentos, e queríamos recurso para ajudar nisso. Mas o negócio viralizou, ficou melhor do que a gente imaginava. Agora devemos lançar outro 'crowdfunding'", afirma.

"Estamos preocupados que esse monitoramento se estenda e seja sustentável, porque muitas coisas ainda vão acontecer. Quando aquela região alagar, a lama pode, por exemplo, alcançar lugares além do rio e estragar outras áreas."

Os relatórios, mapas e análises serão disponibilizados e explicados para o público em um site – também conseguido por intermédio de uma parceria com uma ONG –, que deve entrar no ar nos próximos dias.

'Não dá pra confiar'

Para Janaína, de 27 anos, a tarefa é necessária para ajudar sua cidade natal, que chegou a ter o abastecimento de água parcialmente interrompido nos últimos dias por causa da contaminação do Rio Doce pela lama da barragem.

Desde segunda-feira, a distribuição vem sendo gradualmente restabelecida, mas moradores ainda esperam até duas horas em filas imensas para terem acesso a água limpa.

"Acredito que a prefeitura esteja sofrendo uma pressão política grande e quero ajudar a fazer uma análise da água. Vou tentar eu mesma fazer quando estiver lá ou pedir a um primo e outras pessoas. É necessário fazer uma análise mais completa e autônoma tanto de materiais inorgânicos (metais, por exemplo) quanto orgânicos", afirma.

A produtora conheceu o grupo por meio de amigas, que se juntaram para enviar água potável ao município. Ela mesma vai acompanhar a distribuição na cidade, no final desta semana.

"A (própria) empresa responsável está ali ajudando a fazer os testes (na água que sai das torneiras). Não dá pra confiar. Não acredito que a prefeitura queira envenenar 280 mil pessoas, mas também não acredito em tudo o que está sendo divulgado em termos de análise."

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