Indicativos à segunda encíclica: Uma longa tradição de ensinamento papal sobre assuntos sociais, econômicos e políticos

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10 Junho 2015

A encíclica de Francisco sobre o meio ambiente irá assumir o seu lugar entre, pelo menos, 10 outras cartas papais emitidas ao longo dos últimos 125 anos que ofereceram não só um juízo e uma orientação específicos em assuntos de moralidade pública, mas que também interrogaram as suas pressuposições filosóficas e morais a partir da perspectiva das escrituras e da doutrina. Assim, embora uma encíclica sobre o meio ambiente seja uma imersão em um novo território moral, tais produção faz parte de uma tradição bem estabelecida.

A reportagem é de Vincent J. Miller, publicada pela revista America, 04-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Papa Leão XIII

O fino tratamento de Dan DiLeo sobre as gradações do ensinamento da Igreja fornece um guia útil à autoridade papal sobre juízos científicos e propostas políticas específicos. Esta encíclica, no entanto, fará um juízo moral muito mais amplo quanto à responsabilidade humana nas crises ambientais que se desdobram atualmente. Este amplo juízo moral e o chamado à ação não podem se reduzir a nenhuma proposta política específica que a encíclica venha a endossar.

O Concílio Vaticano II ensinou que “para levar a cabo [a obra Cristo]” a Igreja tem o dever de “investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho”. Este dever pode ser remontado aos profetas hebreus, que falavam do juízo divino a respeito dos eventos da história, não fazendo distinção entre reinos seculares e religiosos.

Na era moderna, a Igreja se esforçou por equilibrar o respeito pelo crescimento nas esferas técnicas do conhecimento, tais como a economia, a medicina e a psicologia, com a necessidade de preservar o direito de julgar as suas dimensões morais e interrogar as suas premissas filosóficas. Este esforço se mostra evidente desde o nascimento do ensino social católico moderno no papado do Papa Leão XIII e que tem se expandido para outros campos desde então.

A encíclica “Rerum Novarum”, do Papa Leão XIII e publicada em 1891, adentrou o caos moral e social da revolução industrial e não hesitou em avaliar as premissas morais do capitalismo e do socialismo. Ela se recusou a aceitar que estas eram questões puramente técnicas, estando além da competência da autoridade papal. Inaugurou uma tradução que duraria um século de ensino papal sobre a problemática do trabalho e da economia, sendo seguida por seis encíclicas papais subsequentes, as quais atualizaram os seus ensinamentos dentro de novas circunstâncias históricas não só abordando questões práticas do dia a dia delas, mas fazendo de tal maneira que as questionou a partir do ponto de vista teológico da doutrina católica. Juízos práticos e prudenciais têm sempre origem em compromissos doutrinários fundamentais.

Em 1963, o Papa São João XXIII expandiu ainda mais o escopo do juízo papal sobre as políticas seculares com a sua marcante encíclica “Pacem in Terris”, que abordou as tensões nucleares mundiais na esteira da Crise dos Mísseis de Cuba. Ele se recusou a concordar que estas eram matéria de competência técnica e que deveria ser deixadas para os generais e estrategistas militares. O Papa João não hesitou em desafiar a corrida armamentista nuclear e pediu pela proibição das armas nucleares. Embora ele reconhecesse que uma paz verdadeira e duradoura iria, em última instância, exigir a conversão das almas dos homens e das mulheres, esta sua dimensão espiritual do problema não o impediu, de forma alguma, de emitir juízos específicos sobre as políticas concretas em assuntos de paz, relações internacionais e direitos humanos. Ele se recusou a permitir que a boa nova de “Paz na Terra” se reduzisse ao cálculo utilitário da realpolitik.

Finalmente, em 1967 O Papa Paulo VI emitiu a “Populorum Progressio” – Sobre o Desenvolvimento dos Povos –, que refletiu sobre os desafios do desenvolvimento econômico e social na esteira do colonialismo europeu. Paulo VI fez isso no auge da era tecnocrata. Assim como os papas anteriores, ele buscou equilibrar um respeito pelas dimensões técnicas do desenvolvimento com a obrigação da Igreja em julgar, profeticamente, as dimensões morais do desenvolvimento. Como a “Rerum Novarum”, esta carta encíclica foi comemorada por encíclicas posteriores. O Papa São João Paulo II resumiu o ensinamento de Paulo neste seu documento: a Igreja pode e deve falar sobre tais questões técnicas porque elas impactam a humanidade e a Igreja é “conhecedora da humanidade”.

A carta do Papa Francisco sobre o meio ambiente não é, portanto, de todo incomum. Ela vai continuar um projeto bem estabelecido inaugurado pelo Papa Leão XIII, publicada a 124 anos atrás. O nosso lugar na criação não é um tópico que a Igreja pode permitir se reduzir à lógica utilitária estreita das perspectivas técnicas e econômicas modernas.

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