Rutilio depois de Romero

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Por: Jonas | 28 Mai 2015

Do beato Romero a Rutilio Grande sem solução de continuidade. Dois dias após a cerimônia na Praça Salvador do Mundo, quando ainda não foram desmontadas as telas gigantes nas ruas centrais de San Salvador e uma legião de jornalistas e convidados peregrina nos lugares romerianos, Rafael Urrutia está em seu pequeno escritório da arquidiocese, a poucos metros do seminário São José da Montanha. Ali também se encontram a sede do semanário Orientación e a ideia de ressuscitar a Rádio Ysax, os dois meios de comunicação que, em determinada época, foram dirigidos pelo beato Romero. O escritório de Urrutia parece surpreendentemente limpo, não há pastas, nem pacotes e nem volumes, coisas que seriam comuns no local onde foram estudados os documentos de dom Romero, durante tantos anos. E a tarefa não acabou. Mais uma vez, Urrutia será o responsável pela postulação de Rutilio Grande, o jesuíta salvadorenho assassinado três anos antes que seu amigo arcebispo e que marcou de maneira decisiva seu futuro e, provavelmente, também seu destino. “É impossível compreender Romero sem compreender Rutilio Grande”, afirmou dom Vincenzo Paglia, bispo postulador romano da causa, no mesmo dia em que anunciou a beatificação, na sala de imprensa do Vaticano.

A reportagem é de Alver Metalli, publicada por Vatican Insider, 27-05-2015. A tradução é do Cepat.

Rutilio Grande García foi assassinado no dia 12 de março de 1977, quando se dirigia a sua paróquia para presidir a missa. Junto com ele morreram um ancião e um adolescente, baleados por um grupo de homens que lhes armaram uma emboscada. Esconderam-se dos dois lados da estrada poeirenta que conduzia à casa paroquial de Aguilares, no povoado natal do padre Rutilio, El Paisnal. Rutilio Grande tinha 48 anos, naquele momento, e seus acompanhantes, Manuel Solórzano e Nelson Rutilio Lemus, 72 e 16 respectivamente. Foi Romero, um Romero cheio de dor, que velou seu cadáver e presidiu a cerimônia fúnebre. Suspendeu as missas em toda a arquidiocese em protesto pelo crime, para substitui-las por uma só celebração litúrgica na catedral. Houve alguns que criticaram a decisão, mas 150 sacerdotes corresponderam ao chamado junto a mais de 100.000 pessoas, segundo as estimativas dos jornais da época. Diante da enorme e solene multidão, Romero recordou que “nos momentos mais importantes de minha vida ele esteve muito perto, e tais gestos nunca se esquece”.

A morte de Rutilio Grande marcará profundamente os últimos três anos de vida de Romero e a direção dos passos seguintes. “Estamos introduzindo o processo de beatificação de Rutilio Grande e seus companheiros mártires, Nelson Rutilio e Manuel Solórzano”, confirma Rafael Urrutia. O postulador, com óculos e uma pequena barba branca, trabalhará junto com o padre Edwin Henríquez, da diocese de San Salvador, que será o vice da causa. Urrutia está convencido de que os tempos do processo diocesano podem ser breves. O trabalho, deixa entender sem dizer explicitamente, está bastante avançado. Em seguida, antecipa para Tierras de América: “Esperamos terminar no mês de novembro”. Demora-se para compreender que não está falando de 2016, mas, sim, deste mesmo ano. “Queremos levar conduzir tudo para Roma no dia primeiro de novembro, que foi o dia em que terminamos de preparar a causa de Romero”.

Para fazer o anúncio não é necessário ser adivinho. Considera que o beato Romero é um bom protetor e não apenas para o jesuíta salvadorenho. “Facilitará o caminho de Rutilio”, admite Urrutia. “Acredito que a história de Romero deixou uma pegada profunda em Roma”. E depois de Rutilio “todos os demais”, acrescenta. “Uma só causa para todos”, seminaristas, sacerdotes, catequistas assassinados antes e depois de Romero. Porém, em “todos os demais” não estão inclusos os seis jesuítas da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas, Ellacuría e seus companheiros, assassinados no dia 16 de novembro de 1989. “Para eles provavelmente haverá uma causa específica”, esclarece Urrutia. E isso não é tudo. Nomeia o predecessor imediato de Romero, dom Luis Chávez y González, terceiro arcebispo de San Salvador – como “um homem santo” – e a Arturo Rivera y Damas, salesiano, que assumiu o lugar de Romero quando morreu, como “um verdadeiro confessor”. Arturo Rivera y Damas colaborou ativamente com Romero e manteve com ele uma relação de amizade pessoal. Nas votações internas da Conferência Episcopal, alinhava-se sempre com ele. Apoiou também o trabalho de Rutilio Grande nas zonas rurais da arquidiocese, da qual era bispo auxiliar. Um mês após o assassinato de Romero, em abril de 1980, João Paulo II o nomeou administrador apostólico da arquidiocese de San Salvador e mais tarde o confirmou como bispo, no dia 28 de fevereiro de 1983. Participou nas negociações de paz entre o governo e a guerrilha e iniciou a causa de beatificação de Romero. Durante os anos de seu governo, aconteceu o massacre dos jesuítas da UCA, até que um infarto encerrou sua vida no dia 26 de novembro de 1994. “Trabalharia com imenso prazer na causa de Rivera y Damas, a quem quero muitíssimo”, declara Urrutia. Ele gostaria que as duas figuras, a de Romero e a de Rivera y Damas, estivessem mais unidas nestes dias de memória e celebração. “É uma questão de justiça e uma maneira de agradecer como corresponde a este bispo extraordinário”.

Em relação a Romero e sua futura canonização, Rafael Urrutia desmente que tenha algo “forte”, “algo de peso, algo sólido” que mereça ser aprofundado do ponto de vista médico-científico. Durante a beatificação de Romero, falava-se de maneira não oficial de um caso de um jovem salvadorenho de vinte anos, emigrado para Milão, e de uma religiosa costa-riquense; o primeiro teria caído do décimo piso do edifício onde trabalhava e a segunda gravemente enferma. Os dois casos já foram “estudados”, assegurava a fonte, que em seu momento esteve relacionada com a causa de Romero, mas desejava permanecer anônima. “Ambos se devem à intercessão de Romero e ambos resultaram inexplicavelmente ilesos quando foram submetidos aos estudos médicos”. Porém, Urrutia não confirma nada, apenas concede um “ainda” que deixa aberta a possibilidade. “Ainda não nos enviaram nada”. “Um milagre extraordinário, sobrenatural”, acrescenta, “não temos”. A lista das graças recebidas está colocada na parede em frente à capela da Divina Providência e continua crescendo todos os dias. Trabalhos alcançados, curas, nascimentos, reunificações familiares, nada extraordinário segundo os parâmetros utilizados pela Congregação para os Santos. “Nos próximos dias, faremos uma convocação ao povo através de nosso jornal Orientación”, antecipa Urrutia. “Para que qualquer pessoa que tenha obtido uma graça, invocando a Romero, avise-nos sobre o caso”.

No entanto, há algo que não figura na multidão de crônicas destes dias. Os restos de Romero foram sepultados na cripta da catedral de San Salvador e são a meta de uma peregrinação praticamente ininterrupta. As vísceras, ao contrário, foram sepultadas no jardim da casa onde vivia Romero, a poucos metros da capela onde celebrava missa e onde foi assassinado. As irmãs que se ocupavam em atendê-lo, solicitaram e elas lhes foram entregues quando embalsamaram o corpo. Em 1993, por ocasião da segunda viagem de João Paulo II a El Salvador e prevendo uma visita ao lugar do martírio, as religiosas construíram uma gruta colocando nela uma imagem da Virgem de Lourdes e desenterraram os restos que guardaram para que o ilustre visitante pudesse venerá-las. Comprovou-se – atestado por um certificado notarial, perícias e fotografias – que após 13 anos não havia sofrido o natural processo de corrupção, sobretudo se tratando de tecidos internos do corpo humano. As vísceras foram colocadas novamente na urna e voltaram a ser enterradas na base da gruta.

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