Petróleo e volatilidade geopolítica

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25 Março 2015

Os reflexos assimétricos da volatilidade dos preços do petróelo é analisada por Gonzalo Escribano, responsável pelo Programa Energia e Mudança Climática do Real Instituto Elcano,  em artigo publicado pelo jornal El País, 21-03-2015.

Eis o artigo.

queda do preço do petróleo em cerca de 50% desde junho representa, pelo seu peso no comércio mundial, uma grande redistribuição de renda entre exportadores e importadores, a qual altera o equilíbrio geopolítico global, regional e local. A volatilidade dos preços tem reflexos geopolíticos assimétricos: para os importadores representa um impulso econômico, mas para os monoexportadores está em jogo a viabilidade ou o colapso de seus regimes. Os países importadores contabilizam pontos percentuais de PIB e de desemprego, enquanto muitos exportadores encaram cenários de instabilidade interna e enfraquecimento estratégico nas regiões mais instáveis do planeta.

A primeira vítima foi a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), reduzida a uma lenda racional incapaz de influir nos mercados. A Arábia Saudita apostou na manutenção de sua cota de mercado, à custa de uma queda dos preços e de sua receita, que espera recuperar em médio prazo. Os sauditas têm as maiores reservas de petróleo convencional e a terceira maior reserva de divisas do mundo, e o tempo joga a seu favor; Kuwait, Catar e Emirados Árabes têm até mais folga orçamentária e financeira. Quase todos os outros membros da organização enfrentam problemas fiscais e financeiros depois de anos de preços altos, que fizeram disparar seu gasto público sem a diversificação de receitas. O argumento saudita de que os produtores de alto custo precisam se ajustar ao mercado é economicamente impecável e faz antever uma luta interessante com a indústria do fracking [extração de petróleo por injeção de fluidos pressurizados] e sua capacidade para reduzir custos.

Os EUA podem ser o novo produtor responsável pelo ajuste do mercado (swing producer), aumentando a produção acompanhando os preços e reduzindo-a quando caírem. Esse novo papel, desempenhado até agora pela Arábia Saudita, daria um novo protagonismo político aos EUA até que sua produção começasse a declinar, em uma década, segundo as projeções. A queda de preços afeta mais outros produtores, como os de águas profundas, que já reduziram os investimentos para 2015. O entusiasmo pelo Ártico desapareceu, e um cenário de preços mais baixos poderá afetar negativamente a areia betuminosa canadense, o petróleo ultrapesado da Venezuela e as regiões petrolíferas e gasíferas africanas, além da reforma no setor do petróleo do México.

Irã, Argélia, Venezuela e Nigéria precisam de preço na faixa de 120-130 dólares por barril para manter a estabilidade interna e equilibrar o orçamento. O Irã, com a segunda maior reserva comprovada de petróleo convencional do mundo, produz um terço do que a Arábia Saudita, e é submetido a sanções que o impedem de desenvolver seus recursos. O preço baixo pode diminuir suas diversas rivalidades regionais: elevando o custo de não fechar o acordo nuclear e prolongar ou agravar as sanções. Mas, acima de tudo, enfraquece-o frente à Arábia Saudita. Mesmo que a motivação da Arábia Saudita seja econômica, essa é sem dúvida a consequência geopolítica mais doce para o reino.

Na Argélia, como em toda a região, a primavera árabe desviou da prudência a gestão econômica. Ainda que tenha margem financeira, graças a suas reservas de divisas, não atrai investimentos para reverter o declínio em sua produção de petróleo e gás. As últimas rodadas de licenças tiveram pouco interesse, devido à baixa atratividade das condições, e exceto Repsol e Cepsa, poucas empresas estrangeiras participaram. O baixo preço do petróleo, e do gás por sua indexação a ele, converge com um forte crescimento do consumo energético interno e a debilidade da demanda europeia. A instabilidade na Líbia e no Sahel [porção da África subsaariana] aumenta o custo geopolítico, e embora a Argélia seja um Estado forte, precisa de recursos para enfrentar uma situação de segurança muito complicada em sua fronteira meridional.

Está em jogo a viabilidade de muitos regimes altamente dependentes da exportação de petróleo

A conjuntura em outros membros da OPEP é mais dramática. Na Venezuela se conjuga com a deterioração da capacidade da petroleira nacional, PDVSA, para gerir seus recursos. O petróleo leve norte-americano de fracking deslocou o petróleo pesado venezuelano e ligou o destino do país à demanda asiática e aos empréstimos concedidos pela China em troca de petróleo. A queda de preços também dinamita o Petrocaribe, como acaba de mostrar a República Dominicana, ao recomprar sua dívida em petróleo com a Venezuela pela metade do preço. Há evidências de um ciclo político em que os preços altos favoreçam a nacionalização, e a baixa, a liberalização, podendo propiciar um recuo da atratividade dos modelos de alguns países da aliança bolivariana (ALBA), e, em geral, das políticas nacionalistas nos demais produtores. Preços baixos significam aqui uma ameaça existencial para o presidente Maduro e para o legado chavista na América Latina.

A Nigéria assiste ao colapso dos preços com eleições presidenciais e legislativas postergadas para 28 de março em razão da ofensiva do Boko Haram. Os dois elementos representam forte pressão econômica e de segurança para a Nigéria, mas também congelam a expectativa de crescimento de outros produtores da região. Líbia e Iraque têm as situações mais extremas. Seus Governos nem sequer controlam seus recursos, seja o petróleo rebelde líbio, o petróleo curdo iraquiano ou os poucos campos nas mãos do Estado Islâmico. Na Líbia, o conflito interno resultou em dois ministros do petróleo, dois Governos, dois Parlamentos e nenhum interlocutor. Uma proposta europeia de embargo à Líbia foi descartada devido a seu impacto inevitável e desastroso sobre a política do país, mas duvidoso sobre sua pacificação.

O grande perdedor, fora a OPEP, é uma Rússia submetida a sanções e em recessão. O impacto de suas dificuldades econômicas beneficia a Europa e a China, expondo Moscou a uma rivalidade simultânea que sempre procurou evitar. A Ásia será a região economicamente mais beneficiada, porque não só a guerra de preços foi deflagrada por seu mercado, como a China melhora igualmente suas expectativas geopolíticas na Ásia Central.

Os Estados Unidos saem fortalecidos como eventual novo regulador do mercado, além de como grande produtor a caminho da autossuficiência. A Europa também pode conseguir o dividendo econômico da moderação dos preços e o geopolítico da moderação da Rússia. Em qualquer caso, é bom que a brilhante União Energética esteja preparada para administrar a volatilidade geopolítica prometida pelos baixos preços do petróleo: não se tratará apenas da Rússia.

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