"Não importa quem ganhe ou perca a eleição, o PMDB sairá vitorioso, sempre"

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10 Fevereiro 2015

"Não importa quem ganhe ou perca a eleição, o PMDB sairá vitorioso, sempre. É sua natureza. Por arriscado e custoso, eleger presidentes da República interessa pouco. Nem José Sarney, seu presidente de honra, era PMDB; foi Ulysses Guimarães o poderoso do período", escreve Carlos Melo, cientista político, professor do INSPER e autor de Collor - O ator e suas circustâncias ( Novo Conceito), em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 07-02-2015.

Eis o artigo.

Trata-se de um todo contraditório: o PMDB espelha parte da história da redemocratização do País, mas também do processo de degeneração do sistema político nacional. Seu apetite por cargos e recursos é voraz; sua disposição e expertise para arrancar concessões e recursos dos governos se igualam em habilidade e frieza às de jogadores de pôquer. Ao contrário do PT, é um campo de profissionais. Sua visão reside na perpetuação do próprio poder e levar o baixo clero ao paraíso. O PMDB não é para principiantes.

Há anos o partido se desenvolve num movimento desigual e combinado. Federação de grupos, suas áreas são diversas, contraditórias e divergentes. Mas é a diversidade que mantém a unidade e a perspectiva de poder que o amalgama. É notável a capacidade que possui de representar grupos particularistas e satisfazer interesses restritos, nem sempre claros ou visíveis. É importante compreender o engenho e a arte desse seu dividir para somar.

Em 2002, por exemplo, o partido esteve oficialmente com José Serra, na candidatura à Presidência da República - Rita Camata (ES) foi sua vice; outra banda namorou a possibilidade de Lula finalmente ser eleito. Vitorioso Lula, os vencedores do PMDB resgataram os derrotados do partido. Em 1998, ameaçando a reeleição de FHC, a legenda flertou com Itamar Franco, deixado no sereno após acordo com os tucanos. Em 2006, para assombrar a reeleição de Lula, o instrumento foi Anthony Garotinho. Ameaças assim rendem bons acordos e espaços crescentes no governo dos outros.

A mecânica é simples: partido de numerosa bancada, assume centralidade no jogo da governabilidade do presidencialismo de coalizão. Além de tempo de TV, a grande bancada oferece apoio e blindagem, mas reivindica - e recebe - uma mancheia de ministérios e recursos que beneficiarão grupos e municípios, elegendo centenas de prefeitos que, mais adiante, elegerão uma nova e relevante bancada. Ciclo vicioso para o País, mas virtuoso para partidos, quase todos como o PMDB.

Não importa quem ganhe ou perca a eleição, o PMDB sairá vitorioso, sempre. É sua natureza. Por arriscado e custoso, eleger presidentes da República interessa pouco. Nem José Sarney, seu presidente de honra, era PMDB; foi Ulysses Guimarães o poderoso do período. Na era FHC, o partido incorporou-se ao governo. Com Lula, o veto presidencial à sigla fez com que José Dirceu se embrenhasse na vereda do mensalão. Por gravidade, Lula caiu no colo de Renan, Sarney e companhia. Para Dilma, Michel Temer é fatalidade difícil de assimilar, mas impossível de descartar. Somente Collor resistiu realmente ao PMDB. Sabe-se no que deu.

A fórmula de sucesso se espalhou por todos partidos de alguma relevância no complicado enredo do presidencialismo de coalizão. Nas últimas eleições, a bancada peemedebista até se reduziu. Mas sua cultura, como gás, se expandiu. Mais que um partido, o PMDB é um espírito. Eduardo Cunha é um parlamentar multipartidário, despachante do interesse de várias bancadas - na oposição e no PT, inclusive. Não é líder político clássico, que expressa programa e projeto. É um objeto; o primus inter pares de um Parlamento cuja estatura encolheu. 

Desinteligência e teimosia se misturam e a história patina. Intolerantes não só com as leis de mercado, a presidente Dilma e seus conselheiros parecem ter ojeriza também à implacável lógica dessa política. Na disputa pela presidência da Câmara, pretendendo esvaziar e descartar o aliado rebelde, agiram como uma curiosa espécie de franco-atirador que dispara no próprio pé. Ao tentar romper o ciclo vicioso do peemedebismo, recorreram aos instrumentos que censuravam no adversário, oferecendo cargos e verbas. Perderam o respeito e o discurso. Com Gilberto Kassab, imaginaram criar um outro PMDB para chamar de seu. Saíram ainda mais vulneráveis e suscetíveis ao jogo de pressão e chantagens.

A negociação de parte da agenda do ajuste fiscal fica, assim, mais dependente dos apetites do Congresso. Certamente, mais custosa: o saldo do esforço de Joaquim Levy pode resultar em muito pouco. Ademais, as delações premiadas estabelecem um clima de imprevisibilidade - “fim de governo”, “impeachment”? O desembaraço com que se fala já é mau sinal. Mas, só mesmo o desenrolar do novelo da política é que dirá. O certo é que Dilma necessitará do mais alto grau da habilidade que parece lhe faltar.

Muito disso tudo passará pelo humor do novo presidente da Câmara, um negociador implacável, sabedor do que quer e pouco condescendente com inimigos. Possui, ao que parece, telhado de vidro, mas é dono de perspicácia pouco comum para o atual padrão da política nacional. Ousado, chama atenção pela capacidade de se antecipar. Será, enfim, um jogo de nervos. À presidente, pouco política, nada valerá reagir com impaciência. Precisará dominar seu asco, errar menos. Decifrar a esfinge do peemedebismo e confiar na sorte. E não ser devorada.

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