O massacre de San Patricio, em Buenos Aires. A homilia do Arcebispo Jorge Bergoglio

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

Por: André | 04 Julho 2016

No dia 4 de julho de 1976, três sacerdotes e dois seminaristas da congregação dos padres palotinos foram assassinados na igreja de San Patrício, no bairro de Belgrano, em Buenos Aires, reportado em filme.

Na mesma data de 2001 e por ocasião da missa de aniversário do assassinato dos palotinos, o então cardeal e arcebispo primaz da Argentina, Jorge Mario Bergoglio, fez a seguinte homilia:

Eis a homilia.

Pai justo, o mundo não te conhece. O mundo não conhece a Deus. O espírito do mundo, esse espírito mundano, não aceitou o enviado de Deus: “Enviarei o meu filho para ver se o respeitam”... e o expulsaram da vinha e o mataram. E o mundo não conhece, não vê e não conhece, não daqui (aponta para a cabeça), mas daqui (aponta para o coração). Todo aquele que segue o caminho de Jesus, o mundo não conhece. Não o reconhece como um irmão e o mata. Toma-o como inimigo: você não é meu irmão.

E, paradoxalmente, isto que fizeram com Jesus, de tirá-lo da vinha porque era o herdeiro e apropriar-se da vinha e matá-lo, foi a unção sacerdotal do Verbo feito carne, seu sangue: o Verbo que foi ungido com a nossa carne e novamente ungido com seu sangue. A unção do sangue, sem sabê-lo, é provocada pelo não reconhecimento do mundo. E isso vai acontecer com vocês, disse Jesus. Vão perseguir vocês e felizes sejam quando perseguirem vocês por causa do meu nome, e os levarão aos tribunais, e os julgarão e os matarão por ódio ao meu nome. Irão ungir vocês com o próprio sangue.

Ser testemunha de Cristo, ser testemunha do Evangelho, é começar um caminho que nunca se sabe onde vai terminar. Um caminho que é muito claro: não viver para si. Acabamos de ouvir em Paulo: “ninguém vive para si” dos que querem seguir a Cristo. Esse caminho se projeta para o final. Ninguém morre para si. Quando se morre não para si, então se germina, cresce-se e dá fruto; faz-se um grão de trigo caído na terra.

Esta paróquia, e repito o que disse há quatro anos, foi ungida com o testemunho daqueles que “juntos viveram e juntos morreram”. Pelo testemunho daqueles que quiseram não viver para si, quiseram ser grão de trigo morreram para que outros tivessem a vida.

Não se ungiu apenas o altar com o óleo quando esta paróquia foi ungida. As lajotas deste pavimento foram ungidas com o sangue daqueles que o mundo não pôde conhecer porque não eram do mundo. Depois vieram as etiquetas. Puseram neles todas as etiquetas possíveis, as etiquetas que o mundo coloca para justificar. “Crucifica-o” “porque se fez Filho de Deus”. A primeira etiqueta que colocaram neles e como se a pusessem n’Ele, colocaram-na em todos aqueles que, ao longo da história, quiseram seguir o caminho d’Ele. Quando o mundo não quer responsabilizar-se pela evidência inventa etiquetas. Lembro aquela cena tão triste do Evangelho: colocaram a mão no bolso, subornaram os soldados e disseram a eles para irem tranquilos e dizer que, enquanto dormiam, roubaram o corpo.

Etiquetas que às vezes são atitudes, que às vezes são decisões, que às vezes são posturas. O mundo sempre se justifica para não se responsabilizar pelo que não reconheceu, para não se responsabilizar de que chegou tarde, de que não abriu seu coração a tempo. Esta paróquia, ungida pela decisão daqueles que juntos viveram, ungida pelo sangue daqueles que juntos morreram, diz algo a esta cidade, algo que cada um tem que recolher em seu coração e responsabilizar-se.

Despejar etiquetas e olhar o testemunho. Há pessoas que seguem sendo testemunhas do Evangelho; há pessoas que foram grãos de trigo, deram sua vida e germinaram. Eu sou testemunha, porque acompanhei, na direção espiritual e na confissão, até sua morte, do que era a vida de Alfie Kelly. Só pensava em Deus. E nomeio a ele porque sou testemunha de seu coração, e nele nomeio todos os outros.

Simplesmente, rogo para ter a graça da memória, que nos faça abaixar a cabeça e pedir perdão, usando as palavras de Jesus “porque não sabem o que fazem”, por aqueles que desgarraram esta cidade com este fato. Pedir perdão por cada um de nós quando queremos que o mundo nos reconheça como d’Ele e não pagar o preço que é preciso pagar quando o mundo não nos reconhece; e quero dar graças a Deus porque ainda hoje, no meio de uma cidade turbulenta, cheia de vida, de ansiedade, cheia de força, cheia de esperança, cheia de problemas, cheia de trabalho, quis dar-nos um sinal.

Há pessoas que ainda hoje querem viver não para si. E o Senhor permite que haja pessoas que nessa coerência morram não para si, mas para dar a vida para os outros. Com este sentimento, celebremos a Eucaristia.

Nota da IHU On-Line: Veja abaixo o vídeo em espanhol.

{youtube}sPXUDOfuqiA{/youtube}

Veja também:

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

O massacre de San Patricio, em Buenos Aires. A homilia do Arcebispo Jorge Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU