10 Março 2014
O cardeal Walter Kasper sorri: "Com efeito, eu nunca entendi essa concepção dos valores inegociáveis ou irrenunciáveis. A única coisa irrenunciável é o Evangelho, e ponto final...". E com isso o grande teólogo assinala um ponto central, entre os muitos que Francisco abordou na entrevista ao diretor do Corriere, Ferruccio de Bortoli.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 06-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As palavras do papa deram a volta ao mundo, justamente no mesmo em que vazava de Oslo de candidatura de Bergoglio ao Prêmio Nobel da Paz – além disso, a companhia é variada: entre os 278 nomes, passa-se do infiltrado do Datagate, Edward Snowden, a Vladimir Putin –, e o pontífice, durante o rito das cinzas, refletia sobre o sentido autêntico e não "formal" do jejum da Quaresma. "É um sinal de tomada de consciência e de responsabilidade diante das injustiças, dos abusos, especialmente contra os pobres e os pequenos", voltando a chamar os cardeais e a Igreja ao essencial: "Quando eu olho no pequeno ambiente cotidiano algumas lutas de poder por espaços, eu penso: mas essa gente brinca de Deus Criador! Ainda não se deram conta de que não são Deus!".
A revolução de Francisco, comprometido a explicar que o papa "é uma pessoa normal" que gosta de "ser padre", até considerar como "ofensivo" o fato de representá-lo "como uma espécie de super-homem", se mostra naquela resposta que marca um divisor de águas na história recente da Igreja: "Eu nunca compreendi a expressão "valores inegociáveis". Os valores são valores, e basta, não posso dizer que entre os dedos de uma mão haja um menos útil do que os outros. Por isso, não entendo em que sentido possa haver valores inegociáveis...".
A expressão em si mesma, referindo-se aos "princípios", havia sido cunhada por Bento XVI, mas as palavras de Francisco, ao invés, soam como uma virada em comparação com a insistência quase exclusiva dos últimos anos, em muitos episcopados, sobre temas bioéticos ou de moral sexual.
"Certamente, existe uma hierarquia das verdades, mas, por si só, a palavra 'valores' tem um status ontológico pouco claro, é uma abstração não evangélica", considera o cardeal Kasper. "E o risco é considerar que se possa renunciar àqueles considerados secundários".
Na entrevista, Francisco convida a tomar cuidado com a "casuística", a atitude "dos fariseus e dos doutores da lei" que, em Santa Marta, ele definiu como "uma armadilha contra nós e contra Deus".
Não muda a doutrina, muda a atitude. "Atenção às situações concretas" e aquela misericórdia que é "o coração do Evangelho". Assim, se a BBC inglesa retoma acima de tudo as suas palavras sobre os abusos pedófilos ("A Igreja Católica talvez seja a única instituição pública que se moveu com transparência e responsabilidade. Ninguém mais fez mais. No entanto, a Igreja é a única a ser atacada") como uma réplica "dura" às "críticas" da Comissão da ONU sobre a Infância, dos EUA à Austrália repercutem na mídia as "aberturas" de Francisco sobre as uniões civis ("É preciso ver os diversos casos e avaliá-los na sua variedade") e as considerações sobre o fim da vida, atentas à irredutibilidade dos "casos mais específicos" sobre os quais "é bom recorrer, se necessário, ao conselho dos especialistas".
Enquanto isso, também através da rede, chegam ao seu destino as mensagens fundamentais ao mundo ortodoxo ("A sua visão da Igreja e da sinodalidade é maravilhosa") e à China, com a revelação do intercâmbio de cartas com o presidente Xi Jinping: "Há relações. É um povo grande ao qual eu quero bem".
E a atenção planetária se volta para como ele vai desenvolver a relação com Bento XVI, o Papa Emérito que "não é uma estátua" e ao qual Francisco pediu que "saísse e participasse da vida da Igreja".
A Cúria, entretanto, se prepara para os Exercícios Espirituais. Francisco decidiu levar cardeais e bispos para fora do Vaticano, para Ariccia, nos Castelos Romanos: até mesmo o pontífice, no domingo, vai partir de ônibus junto com os outros.
