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28 Fevereiro 2014

O imperativo de desmilitarização das polícias brasileiras tem aparecido com cada vez mais força e maior frequência no debate público, em especial dentre os setores mais progressistas.

A entrevista é de Dario de Negreiros, publicada pelo portal Viomundo, 16-02-2014.

Apesar disso, é raro encontrarmos textos que aprofundem a compreensão da questão e que ponham em pauta outras deficiências tão ou mais importantes de nossas instituições policiais.

Isso o faz, seguramente, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, um dos autores da PEC-51, que altera radicalmente a arquitetura institucional da segurança pública no país.

Desmilitarização, ciclo completo e carreira única formam o tripé da emenda constitucional proposta pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

Nesta entrevista, concedida no dia 13 de janeiro, na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), além da discussão mais geral sobre os impasses da segurança pública no Brasil, o professor faz sua análise sobre os resultados obtidos nesta área pelo governo Cabral, no Rio. Sem grandes motivos, em sua ótica, para otimismo.

“O governo parece ser o governo das empreiteiras, para os grandes eventos, a corrupção grassa e as reações às manifestação democráticas são reações repressivas do pior estilo”, diz. “Nós temos realmente uma corrosão da legitimidade política do governo do Rio que é espantosa.”

Soares ocupou os cargos de Secretário Nacional de Segurança Pública (em 2003, no governo Lula) e de Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio (entre 1999 e 2000, no governo Garotinho), quando foi também sub-secretário de Segurança Pública. Em parceria com os policiais do Bope Rodrigo Pimentel e André Batista, escreveu o livro Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite.

Confira a entrevista.

Com o passar dos anos, nota-se que o discurso de pessoas envolvidas com o tema da segurança pública tem ficado cada vez mais crítico em relação às UPPs. Inicialmente, falava-se de uma experiência de polícia comunitária, de uma alternativa às incursões bélicas às favelas, de se oferecer às áreas pobres um serviço público de segurança. Agora, fala-se da militarização da vida cotidiana, do cerceamento de liberdade da população das áreas ditas pacificadas, de um urbanismo de minoria que promove a segregação urbana e as remoções. Houve uma mudança na percepção que temos do projeto ou foi o projeto, em si, que piorou ao longo do tempo?

Eu acho que é uma mudança da realidade, que expressa etapas distintas do processo. Eu chamava sempre a atenção, desde o início, para o fato de que havia uma vantagem muito grande na supressão das incursões bélicas, nas quais morriam os inocentes, os eventuais suspeitos, eventualmente até policiais.

Essas incursões acabavam por envolver um certo tipo de apropriação de armas e drogas que eram revendidas pra outras facções ou para o próprio grupo que fora objeto dessa intervenção policial. E isso acabava por degradar ainda mais a imagem da instituição diante da população, porque essas negociações se davam à luz do dia e todos sabiam da magnitude, da profundidade da hipocrisia envolvida naquelas intervenções.

Entretanto, elas eram, por seu caráter bélico, dantescas nas suas consequências. Os sofrimentos se aprofundavam e, com eles, os ressentimentos, os estigmas, os preconceitos e o apartheid social se radicalizavam. E sem qualquer benefício, de qualquer espécie, para a comunidade ou mesmo para a cidade.

Nesse sentido, é sempre um avanço muito grande que você possa acabar com a lógica da intervenção bélica. E oferece um serviço 24h. Deveria ser assim pensado, me parece, o serviço de segurança pública, como outros serviços sociais.

Você dispõe do acesso a uma instituição cuja função constitucional é evitar que os direitos sejam violados. Então, para a fruição dos direitos, você precisa contar com um representante do Estado – se este representante age efetivamente desta maneira, inspirado e orientado pelo respeito aos direitos humanos e à legalidade constitucional.

Como frequentemente acontece nos bairros afluentes: não há invasão a Copacabana, à Gávea. Há provisão de um serviço 24h.

Eu sempre chamava a atenção, entretanto, para o fato de que, se as polícias não fossem transformadas, aquele projeto não teria futuro, não teria sustentabilidade. A ideia de prover um policiamento comunitário, de resolução de problemas, de proximidade, era inteiramente incoerente, incongruente e inconsistente, porque incompatível com a natureza dessa instituição, sua organização, sua cultura corporativa, com as práticas já mais do que assimiladas na sua linguagem cotidiana.

Era previsível que, se nós não alteramos as instituições, se não mudamos a estrutura organizacional, se a estrutura militar perdura, qualquer projeto que tenha uma intenção mais democrática acaba submergindo, acaba sendo derrotado por essa força inercial. E nessa caso é muito compreensível que haja uma degradação.

Em primeiro lugar, a seleção das favelas que recebem UPPs atende não às necessidades intrínsecas aos processos internos, mas aos projetos de cidade, projetos econômico-financeiros orientados para a valorização imobiliária, especulativa. Uma dinâmica que passou a governar a cidade, praticamente, e que tem conexão com as remoções.

E que determina o que eu chamo de “circuito Elizabeth Arden”: aquele circuito para inglês ver, que projeta uma vitrine do Rio de Janeiro, mais próxima do circuito turístico. E que é absolutamente coincidente com o circuito Olímpico e da Copa.

Em segundo lugar, [a degradação ocorre] pela natureza mesma do projeto. O projeto previa que, uma vez deslocados aqueles que se impunham pela força das armas àquelas comunidades, seria possível o Estado, então, cumprir seu dever, estar presente ali em todas as áreas: educação, saúde etc. Evidentemente isso não aconteceu.

Com a presença única e exclusiva desse braço do Estado, que é o braço policial, na ausência de qualquer outro tipo de representação do Estado, as implicações são as conhecidas. Este poder, substituindo o anterior, vai se converter em uma espécie de síntese do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, que só pode ser, muito mais do que tutelar, tirânico. E vai decidir sobre baile funk, sobre questões que não lhe dizem respeito.

Nesse sentido, sim: há uma ilegalidade constante. As abordagens continuam sendo aquelas marcadas pelo racismo, pelo sentimento de classe. A linguagem violenta da polícia se replica, se reitera lá. A tendência é que aquilo comece a instaurar um quadro muito corrosivo, muito agressivo.

O importante, pra concluir, é que nós compreendamos todos os elementos que estão em jogo, pra evitar jogar fora a criança com a água do banho, como dizia meu avô.

E o que nós poderíamos dizer que as UPPs trouxeram de positivo à política de segurança pública e à população do Rio?

Três pontos, que me ocorrem agora.

Primeiro, a supressão das incursões bélicas. Segundo, a ideia de que é possível tratar as favelas como uma parte da cidade, um bairro da cidade, que merece o serviço [de segurança], não uma presença eventual por incursão. E, em terceiro lugar, o deslocamento do poder armado que se impunham, tirânica e despoticamente, sobre as comunidades.

Eu sempre evitei tratar esses meninos e meninas envolvidos na violência de uma forma unilateral, que simplesmente os criminalizava, subtraía deles a sua humanidade e os isolava de um contexto no qual havia plena inteligibilidade para suas ações.

Quer dizer, conhecendo as trajetórias e as circunstâncias nós podemos compreender o recurso à violência de uma maneira muito mais humanizada, densa, complexa, pra evitar as posições estritamente punitivas etc.

Mas, por outro lado, nós temos de reconhecer como se dá a instauração desse poder, a que custos, com que consequências. A inviabilização da organização política, da participação, do deslocamento livre, das manifestações culturais ou religiosas livres, o ir e vir livre – no seu sentido mais cotidiano – etc.

Isso tudo varia, assim como as UPPs, de favela para favela, de momento para momento. O momento Lulu, na Rocinha, é um; o momento Dudu, é outro. Depende de quem se impõe, quem é o colonizador, se é alguém que vem de fora ou se nasceu e cresceu na comunidade, conhece todos e cria um modo de convívio mais harmônico, mais aceitável.

Mas, de qualquer forma, havia situações extremas que eram insuportáveis e você tem, aí, um campo que é problemático. Deslocar a arma foi positivo.

Não me refiro à droga, porque eu sou favorável à legalização, contra o proibicionismo e acho que é um delírio imaginar que se vá reprimir e controlar a dinâmica da droga. Ao contrário, tem havido uma modernização do tráfico graças à UPP. A UPP ajudou a modernizar, a racionalizar e, nesse sentido, é um estímulo ao tráfico.

Como isso se daria? Essa modernização está relacionada às milícias?

Não, as milícias são a reiteração de um processo muito antiquado. E elas tem seus limites, que são distintos dos do tráfico.

Seriam três momentos, então?

Sim, são três situações distintas. A milícia é totalizante, ela não se impõe para um negócio específico, para viabilizar a circulação de mercadorias de um certo tipo no varejo. O tráfico se impõe sobre uma comunidade apenas para fazer um negócio específico, que é aquele da droga. Eventualmente alguns se metiam com gás, com vans. Mas o seu negócio, basicamente, era a droga.

Já a milícia se impõe para dominar completamente todas as dinâmicas econômicas, comerciais, financeiras, imobiliárias, promovendo migrações internas para especular com terra pública, deslocando populações, obtendo votos, se impondo através de candidaturas que formam um cinturão ligado a certos territórios da cidade.

As milícias são máfias que operam com essa pretensão totalizante. É um projeto muito mais ambicioso, requer muito mais poder e investimentos muito mais fortes, de todo tipo.

E por que a UPP ajudaria a modernizar o tráfico?

O modelo tradicional do tráfico lembra a economia soviética ou o modelo de desenvolvimento dos anos 50, um modelo estatista, pesado, baseado na metalurgia… (risos).

Imagine o seguinte: para você funcionar, você precisa recrutar um pequeno exército. Esse exército vai ter de ser fiel, leal, vai ter de se organizar com disciplina, se submeter a uma série de condições, sabendo que não vai viver mais do que 25 anos no máximo.

Que não vai poder fruir dos benefícios que decorrem daquela atividade, senão no dia-a-dia da própria autorrepresentação potente, seduzindo as meninas e curtindo uma glória efêmera – mas nada mais do que isso. Os recursos ficam embaixo do colchão, dificilmente eles podem sair daquele espaço.

Para trocar a própria vida, para viver uma vida de muito risco, é preciso muita coragem, muitos valores que a gente às vezes subestima: coragem, lealdade, fidelidade, capacidade de organização.

Isso depende da capacidade da liderança de manter o sentimento de pertencimento, o que decorre também da sua capacidade de impor coesão a esse grupo. Isso não é fácil, isso exige identidade, que é reproduzida; exige, sempre, rivalidade, porque essa segmentação fortalece a coesão interna e favorece, portanto, essa experiência do pertencimento, que é tão forte para garantir a reprodutibilidade.

Isso tudo para quê? Para vender drogas. Você tem de negociar com a polícia, negociação que se torna cada vez mais cara.

Nunca houve tráfico no Rio senão com a polícia como parceira e, frequentemente, como protagonista. Então não há essa distinção polícia/tráfico: polícia é o tráfico, tráfico é a polícia.

Claro que não estou generalizando, nem para o tráfico, nem para a polícia. Mas, de uma maneira geral, é assim que se dá, é uma rede. Isso custa muito caro, os lucros se reduzem muitíssimo.

Tem que se empenhar parte dos seus ganhos em armas, pra se garantir contra outras facções e eventuais invasões. E contra a eventualidade de que as negociações com as polícias falhem – e às vezes elas falham até intencionalmente, porque as polícias criam dificuldade pra depois impor uma inflação ao custo do arrego. E viver sempre sob tensão.

Isso tudo, para fazer o negócio do varejo da droga. Ora, não é muito mais lucrativo, tranquilo, muito mais razoável, você fazer como se faz nos países desenvolvidos todos, em que há um tráfico varejista? Você não precisa dominar um território, dominar uma comunidade inteira de milhares de pessoas, armar um exército, treiná-lo, etc., para vender a droga.

Você vende a droga, simplesmente isso (risos). Você não precisa ser sedentário, ter lá a boca. Você é nômade, tem um rede de varejistas e se reduz aos “aviões”. Vai para a Barra da Tijuca, ninguém vai te perturbar. Vai para uma área nobre e ninguém vai investigar você. E, a partir dali, vai municiando os seus distribuidores locais e usando outras redes. Isso é muito mais lucrativo.

Eu dizia há alguns anos que o velho modelão, do controle territorial, estava em crise. É difícil suportá-lo, não havia grandes ganhos.

Tanto que quando a mídia mostra as casas dos traficantes, mesmo tentando mostrar riqueza e exuberância, o que você vê é um motel de subúrbio, com espelhos na parede, com uma jacuzzi, eventualmente. E tudo isso é o máximo que essas pessoas alcançam depois de tantos anos de domínio.

Com a UPP, esse processo de renovação foi estimulado. Porque o pessoal já não podia manter o território sob o seu domínio. E começaram a perceber que não precisavam. Nem era conveniente.

É claro que isso vai exigir uma geração de adaptação, porque viver fora da favela exige um reaprendizado nas regras das relações no campo da economia da droga. São outras conexões. Mas isso vai se dar, já está se dando. E a UPP ajudou a precipitar esse processo.

Dados do Núcleo de Pesquisas de Violência (Nupevi) mostram que, apesar de o Rio já contar com cerca de 50 mil policiais, as UPPs estão presentes em apenas 3% das mais de mil favelas da cidade, enquanto as milícias dominam 41,5% e o tráfico, 56%. A hipertrofia do aparato policial, que seria necessária para a expansão do projeto, não torna o projeto das UPPs inviável para a cidade como um todo? Podemos pensar em implementar as UPPs em todas as mais de mil favelas do Rio?

Não. Todo mundo sabe que isso é inviável. A ideia de saturação do território com a presença humana também é fruto de uma lógica que não compreende a complexidade das dinâmicas envolvidas. Uma lógica estritamente militar: lógica da ocupação.

No limite, se nós estendermos essa lógica, vamos chegar àquele impasse anedótico de um policial para cada cidadão, sendo que é necessário haver um vigia para o vigia (risos).

É um projeto que, rigorosamente, foi pensado no prazo curto, sem que houvesse comprometimento do poder público com transformações profundas do aparato policial, ou até da sua formação, e com o prazo todo pautado na política.

Veja: na Baixada Fluminense, nós temos 1 policial para 2.500 cidadãos. Na zona Sul, às vezes 1 para 60, 1 para 50, em certas áreas até 1 para 30. Porque são áreas de muita visibilidade, em que todos estão procurando criar condições para reduzir riscos. A mídia acompanha, os representantes mais poderosos da sociedade estão atentos.

Os problemas se concentram na zona Oeste, na Baixada, em São Gonçalo. E aí não há atenção nenhuma do poder público. Isso está expresso por essa distribuição.

A saturação levaria a situações absurdas. Tem havido contratações de policiais para cada nova UPP, até porque se diz que os policiais mais velhos já estão “contaminados”, na sua maioria, por toda uma história.

Ocorre que esses que são contratados não são treinados para construir uma história alternativa. Pelo currículo que nós conhecemos, o treinamento é muito superficial e só no último mês de formação enfrenta as questões relativas às relações sociais, aos direitos humanos. É uma coisa absolutamente insuficiente.

E a maré montante da tradição se impõe, é claro: é uma instituição antiga, forte e os contingentes mais numerosos são esses que foram formados por outras gerações.

Mas houve, de fato, redução de homicídios no Rio de Janeiro?

Sim. É incontestável, não há nenhuma dúvida a respeito da redução. Há redução de homicídios dolosos em regiões de UPP, sem nenhuma dúvida, os dados são eloquentes.

Por razões óbvias: não tem mais incursão bélica. Os números de autos de resistência decrescem, decrescem as mortes e decrescem homicídios, porque as pessoas deixam de estar armadas. Menos armas em circulação, menos homicídios: de fato, tende a haver essa correlação.

O problema das UPPs é que isso tudo ocorreu em um primeiro momento. Hoje, as dinâmicas do tráfico voltaram a ser muito fortes. Na Rocinha, por exemplo, tem havido confrontos armados com policiais, tem havido perda de controle em várias áreas.

Ou seja, o Sérgio Cabral está com um problema muito sério: além da degradação das UPPs, há o crescimento do contingente de oposição dos “sem-UPP”. Porque para quem aprendeu, vendo a mídia, que UPP é uma maravilha, os que moram em favela se sentem excluídos: “mais uma vez, uma coisa boa não chegou para nós”. E o contingente dos sem-UPP é sempre muito maior do que o dos com-UPP.

Estes, por sua vez, começaram a se dividir, por causa das práticas antigas da polícia. E há aqueles que consideram que as UPPs estão criando uma dificuldade para a segurança do Estado, porque quem sai dessas áreas vai agir em outras.

Há uma percepção generalizada, por mais que o secretário negue, que isso está acontecendo. Até porque as pessoas conhecem os criminosos: “Fulano de Tal, que é da Rocinha, está aqui, do lado da minha casa, com o pessoal”. Eles vêm em grupo, armados, e criam uma sensação de medo, de insegurança, de incerteza, muito grande.

Há, então, uma tendência convergente muito negativa na avaliação do governo, nessa área, por conta desses diferentes vetores.

Associando falta de sustentabilidade de escala, lógica de implementação baseada em critérios de especulação imobiliária e rearticulação do crime em comunidades afastadas, o projeto das UPPs não acabam virando uma forma de jogar a sujeira para debaixo do tapete – ou para mais longe da classe média?

Claro, sem dúvida. E por isso que eu lhe disse que todo o plano tinha uma natureza política, não tinha compromisso com a seriedade. Se tivesse compromisso com o interesse público, a questão fundamental teria de ser enfrentada: a mudança das polícias. Para começar a conversar.

E as ações sociais nas favelas, as UPPs Sociais, teriam de ser colocadas como absolutamente prioritárias. Não basta o secretário de segurança dizer que isso é indispensável, teria de ser a prioridade. Isso não foi nunca prioridade do governo.

Não mexe com as polícias, a prioridade social não existe, o governo parece ser o governo das empreiteiras, para os grandes eventos, a corrupção graça e as reações às manifestação democráticas são reações repressivas do pior estilo. Nós temos realmente uma corrosão da legitimidade política do governo do Rio que é espantosa.

Em algumas comunidades já se escutam gritos de “Fora UPP”. Alguns movimentos sociais já têm essa expressão como palavra de ordem. Nós podemos, ao seu ver, colocar as coisas nesses termos?

Eu sou inteiramente contrário a isso, mas eu respeito estes movimentos. Toda a mídia faz apenas um mantra positivo, então posições mais sectárias na direção contrária também cumprem um papel importante.

Mas eu acho que está errado e simplesmente perguntaria ao companheiro que defendesse isso: qual é a proposta? O “Fora UPP” não é suficiente. Se dissermos “Fora essa UPP”, fora essa política, tal como está sendo conduzida, e isso associado a um conjunto de exigências: perfeito, eu endosso.

Um bom exemplo da posição que eu considero a mais consequente é, por exemplo, a dos grupos da favela da Maré. Eles pactuaram uma posição tão forte que acabou sendo reconhecida como absolutamente legítima pela sociedade e pelas polícias, inclusive. E acabaram adiando o projeto de intervenção na Maré.

Porque o pessoal da Maré distribuiu uma cartilha sobre direitos, com o que o policial pode e o que não pode. Exigiu do comando da polícia a apresentação de um plano, exigiu que aquilo fosse debatido. Queria saber do governo o que mais aconteceria, em que condições isso se faria.

Exigiram a presença da Defensoria Pública, do Ministério Público, dos defensores de direitos humanos. E isso foi tão forte, e tão evidentemente necessário, que teve o poder de adiar a decisão original do governo. O mero “Fora UPP” me parece um eco reativo à posição conservadora.

O que a esquerda nunca logrou enfrentar é a seguinte questão: como abordar o problema de um grupo armado que, em nome de interesses capitalistas – ainda que a organização seja proto-capitalista –, se imponha pela arma para vender drogas no varejo, atuando sobre a sua casa e, eventualmente, sobre a sua vida.

Isso é inaceitável, a massa da população não tolera isso. Isso é contrário aos direitos humanos, a quaisquer perspectivas universalistas. Como é que nós nos situamos diante disso? Nós achamos que isso é tolerável só porque são capitalistas mais primitivos, porque operam uma economia mais associada à marginalidade e porque as pessoas tem certas trajetórias sociais que nós compreendemos?

Então nós somos cúmplices, por inércia, deste tipo de tirania? Se isso está errado, se isso produz violações aos direitos populares, como é que nós agimos face a esse desafio e como é que nós evitamos que isso se reproduza?

Por outro lado, é claro que nós não podemos defender uma intervenção que aparentemente resolva esse problema criando outros análogos, ainda que de outro tipo. Por isso é muito importante o comprometimento dos movimentos sociais com propostas alternativas.

Por exemplo: há pessoas que defendem uma posição mais sectária para preservar o status quo e beneficiar os seus pares. Dentro da polícia, eu conheço alguns personagens que são contrários às mudanças, que estão ligados ao status quo, que querem a conservação do poder e, ao mesmo tempo, criticam o reformismo, o gradualismo, sustentando que apenas uma revolução poderia de fato alterar a natureza dessas instituições.

Bom, diante dessa postura, todos voltamos para casa impotentes para mais uma noite de sono. E, no dia seguinte, o que está vigente? O status quo. E os oponentes do status quo estão desmobilizados, porque estão à espera da redenção. E os outros estão celebrando, com champanhe, a manutenção do status quo. É esse o resultado que a gente colhe deste tipo de crítica.

Um estudo do Ipea de janeiro de 2012 (Daniel Cerqueira, Textos para discussão, Ipea, n. 1697, jan. 2012) aponta distorções nas estatísticas de homicídio no Rio no ano de 2009. A pesquisa usa termos como “omissão” e “escamoteamento” e diz que a redução do número de homicídios anunciada pelo governo estadual coincide com o aumento dos óbitos classificados como “causa indeterminada”. Além disso, há um aumento do número de desaparecidos. O quão confiáveis são os dados do governo?

Em primeiro lugar, esses dados são sempre problemáticos, mesmo que haja toda a boa vontade. Os dados de desaparecimento e de mortes violentas são muito complicados, por uma série de razões. No Rio de Janeiro, havia várias categorias que poderiam descrever o mesmo fenômeno: homicídio doloso, encontro de cadáver, encontro de ossada, morte suspeita, afogamento.

Às vezes aparecia um cadáver com a marca de um tiro na nuca, entretanto no mar. Então às vezes se fazia a classificação de “afogamento”, para um sujeito com um tiro na nuca! (risos)
Essas gavetas podem ser abertas a qualquer momento. Se os números ultrapassam certos limites, você desloca. Para acabar com isso, eu sugeri que nós unificássemos essas categorias em uma só: crime letal intencional. Isso, inclusive, acabaria com uma outra perversão na classificação: o crime seguido de morte, ou latrocínio, é codificado como crime contra o patrimônio.

O que é um absurdo do ponto de vista da segurança pública, em que nós estamos preocupados com a vida. Se a consequência é a morte, isso é que é o mais relevante. Depois, essa minha proposta acabou sendo em grande parte descartada.

Há, então, uma flexibilidade muito grande, se o governo tiver más intenções. O ISP (Instituto de Segurança Pública) é, em geral, dirigido por pessoas bem-intencionadas e eu acho que ele merece credibilidade.

O Daniel Cerqueira, excelente pesquisador, de fato mencionou problemas graves e, ao fim e ao cabo, parece ter havido uma grande confusão entre as secretarias de Segurança e de Saúde, de base de dados etc. Não necessariamente, pelo o que eu entendi, houve má intenção na manipulação dos dados, mas equívocos importantes.

E quanto aos desparecimentos?

Nós não podemos dizer que todos os desaparecimentos sejam homicídios. Há de tudo, inclusive muitos que reaparecem e não são notificados. Então é muito primário dizer que os desaparecimentos são homicídios. Pesquisas mostram como essa categoria é vasta. Mas certamente há, aí, um lote – nós não sabemos de que dimensão – que inclui também homicídios.

O professor Ignacio Cano fez uma pesquisa cujo título é expressivo de uma mudança da ação das milícias: “No sapatinho”. Ele quer dizer o seguinte: as milícias matavam ostensivamente, porque a morte era um ritual dramático de afirmação de poder, era exemplar para a reprodução do domínio. Então se matava e se torturava publicamente.

Depois da CPI das Milícias, depois de o delegado Cláudio Ferraz prender mais de 500 milicianos, depois de os jornalistas do jornal O Dia serem torturados e quase mortos, e com a mudança de ares políticos que se deu com o debate público, os milicianos – que eram, segundo as autoridades conservadoras tradicionais, expressão da “autodefesa comunitária” [expressão atribuída comumente ao ex-prefeito César Maia] – foram ressignificados e hoje são vistos majoritariamente como criminosos.

Políticos, mesmo aqueles que na prática continuam aliados às milícias, afastam-se para evitar o contágio simbólico. Isso significa o seguinte: eles têm, agora, de adotar outros métodos, outras práticas, porque estão sob o escrutínio público.

Então eles matam silenciosamente, sepultam os cadáveres, os fazem desaparecer. E impõem à família silêncio, para que ela não denuncie. Isso também aumenta o número de desaparecidos.

Uma pesquisa de 2003 apontou que mais de 65% dos 1195 autos de resistência registrados naquele ano apresentavam traços nítidos de execução, como tiros na nuca, tiros na cabeça, de cima pra baixo etc.

Os números são eloquentes e é sempre interessante reiterá-los, a despeito de já serem muito conhecidos: de 2003 a 2012 (inclusive) houve 9.646 mortos provocados por ações policiais no Estado do Rio de Janeiro. Um número dantesco.

Nós não sabemos quantos desses autos de resistência constituem execuções extrajudiciais. E o fato de não sabermos já é indicativo da gravidade desse processo: não há investigação, não há nenhum tipo de responsabilização. Salvo excepcionalmente, quando se atinge alguém da classe média e se sai daquele universo já estigmatizado, que se mantém à sombra de qualquer tipo de visibilidade legal e democrática.

A própria experiência mostra, e os depoimentos confirmam, que provavelmente a enorme maioria é constituída por execuções extrajudiciais. O fato de elas não serem investigadas já é, também, um sintoma de tudo isso.

Enfim, nós temos um processo bárbaro, selvagem, de violência perpetrada pelo Estado através desse aparato institucional. É uma máquina de morte. Máquina que afeta, também, violando direitos, os trabalhadores policiais, que são alvos de uma série de práticas violentas ou de tratamentos e abordagens violentas.

A perseguição que se dá, inclusive política, é impressionante. O presidente da ACSMCE (Associação de Cabos e Soldados Militares do Ceará), Pedro Queiroz, foi exonerado da Polícia Militar porque organizou uma reunião. No encontro último que eu tive para discutir a PEC-51, com 17 lideranças policiais, três foram presos quando retornaram aos seus Estados. Os militares são proibidos de se organizar, de discutir.

Isso é parte das normas e isso expressa a natureza militar da sua instituição. Isso é parte fundamental do problema.

Há grandes esforços para fornecer ao policial das UPPs um outro tipo de formação?

Um esforço suficiente para produzir mudanças? Não, não há. Não estou dizendo que não haja pessoas bem intencionadas, mas não é suficiente, porque não há uma política institucional mais abrangente.

Mas, mesmo que houvesse, tampouco seria suficiente, porque a estrutura institucional militar determina um certo tipo de funcionamento dos seus agentes, reduzindo-lhes campo de liberdade na atuação. E esse padrão tem um corte, tem uma direção política inexorável. Simplesmente pelo seguinte: ao policial, na ponta, não cumpre pensar, mas cumprir ordens.

E por que é assim? Porque a estrutura é hierárquica, a vertebração é rigorosa organizacionalmente e há uma concentração decisória.

Isso funciona no exército, porque o propósito é fazer com que o método adotado por essa instituição, que é o pronto-emprego, se viabilize. Para quê? Para atingir as suas metas constitucionais, que são a defesa da soberania nacional, etc., envolvendo inclusive práticas bélicas quando necessário.

Então se deduz da finalidade (que é, no limite, fazer a guerra) um método (pronto-emprego) do qual decorre a necessidade de um certo tipo de estrutura organizacional. Há, então, a ideia, de que preciso que exista uma fonte exclusiva de ordens, que deve fluir sem óbices por todas as cadeias comunicacionais, até a base, para promover um deslocamento célere de grandes contingentes humanos e materiais. Isso se justifica em razão da natureza desse embate, que é a guerra.

A aplicação à polícia militar desse mesmo modelo organizacional só se justificaria se a missão da PM fosse análoga à do exército. Não é. Mesmo constitucionalmente, não há nenhuma relação. Algumas práticas são similares, ainda que distintas.

Mas representam menos de 1% das atividades da PM no Brasil. Nada pode justificar a organização de 99% das atividades com base em 1%.

E se nós, então, extrairmos as consequências desse modelo organizacional, nós compreenderemos que cumprirá ao policial, na ponta, apenas a execução de determinações superiores, sempre.

E nós temos muitas experiências no Brasil de policiais inteligentes, que buscaram iniciativas criativas, outros tipos de postura, e que foram punidos porque romperam o pacto, o paradigma do funcionamento institucional. Portanto isso não é irrelevante ou secundário. É decisivo.

Talvez seja interessante entrarmos, agora, na discussão sobre a PEC-51, que o senhor ajudou a redigir e que define como sendo uma revolução da arquitetura institucional da segurança pública no Brasil. A desmilitarização é colocada claramente como um dos cernes dessa proposta. Quais são os outros pontos principais e por qual motivo ela teria esse caráter revolucionário?

Esta arquitetura institucional, nós herdamos da ditadura. Aqui, é necessário um parênteses: eu nunca disse que a polícia militar foi criada pela ditadura. Ela foi criada com a vinda da corte para o Brasil e com a necessidade de caçar os escravos, de operar a escravidão. A ditadura não precisou inventá-la: ela era já um legado histórico do escravagismo, da violência de classes na sua modalidade mais ostensiva, despudorada, mais trágica.

Mas o fato é que nós herdamos o modelo arquitetônico institucional. Com alguns ajustes em 1988, na promulgação da Constituição.

Algumas características: a União é quase impotente. Ela só intervém na crise. Senão, ela pode lavar as mãos.

Tem a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), a qual cumpriria supostamente formular uma política nacional, para o que ela não dispõe de instrumentos ou de autoridade. Portanto, a rigor, a Senasp não tem maior função pela natureza do ambiente legal no qual se inscreve.

Mais do que isso, a União não interfere. Ou seja, ela pode lavar as mãos em relação ao genocídio praticado pelas polícias estaduais, pode continuar repassando recursos para os Estados, para segurança pública, mesmo que os Estados continuem com suas Pedrinhas, esses presídios que são açougues humanos, desrespeitando a lei. E mesmo que as polícias não cumpram as leis.

A União também lava as mãos em relação à formação do policial. Assume responsabilidades na educação em todas as áreas, mas na segurança, não.

As polícias se formam às vezes com um mês, às vezes com um ano, com currículos completamente distintos. Uma verdadeira babel. Não há nem um ciclo básico mínimo. Eles têm, todos, o mesmo nome, são todos policiais, ainda que com qualificações distintas. E, se são todos policiais, teriam de ter pelo menos um ciclo básico mínimo, como acontece na engenharia ou na medicina.

O sujeito pode ser pediatra, ginecologista, neurocirurgião, mas é médico e, sendo médico, tem de cumprir alguns quesitos na sua formação.

A União tem feito questão de não se responsabilizar mais do que já o faz, porque isso é um problema político que traz só desgastes. Nenhum governo federal tem nenhum interesse em mudar esse quadro.

Os municípios estão excluídos. E qualquer leitor da política pública brasileira após 1988 verá que o município tem, crescentemente, um papel relevante em todas as áreas mais significativas. Todas as políticas mais estruturadas – na saúde, na educação, na ação social – envolvem o município, com repartição de responsabilidades, de recursos etc.

Na segurança, não existe nenhuma participação dos municípios. Há uma referência brevíssima, no artigo 144, que diz que o município pode criar uma guarda para proteger o próprio municipal – as estátuas públicas, o palácio municipal etc.

No entanto, a ação das Guardas Civis Municipais vai muito além disso, na prática.

Na prática, não tem rigorosamente mais nada a ver com vigia de prédio. São protopolícias, às vezes armadas, dirigidas por um militar. São pequenas PMs em desvio de função, que replicam as estruturas peremptas, já desgastadas e irracionais das velhas polícias militares. E, mais ainda, replicam os seus defeitos, sem que haja nenhuma política alternativa para a sua formação etc.

E ninguém questionou a sua constitucionalidade. Mas pode fazê-lo, porque de fato elas não estão previstas constitucionalmente.

Diante deste quadro todo, a responsabilidade recai sobre os governos estaduais e suas duas polícias. Então, no desenho mais amplo, essas questões são muito relevantes.

Outra proposta-chave da PEC-51 é a ideia de que toda polícia deve realizar o ciclo completo do trabalho policial: preventivo, ostensivo, investigativo.

Aí chegamos a outra parte da arquitetura institucional da segurança pública que é o modelo policial, essa jabuticaba institucional. Uma parte do trabalho, a investigativa, quem faz é a Polícia Civil; a outra parte, preventiva e ostensiva, quem faz é a PM.

Esse tipo de distribuição não funciona. Não sou eu que digo, há um grande consenso entre aqueles que lidam com essa área, estudam, pesquisam. Mas, sobretudo, há um grande consenso entre os operadores, os agentes, os profissionais policiais. E
m 2010, 70% dos policiais e dos profissionais de segurança pública (agentes penitenciários, guardas municipais etc) consideram o nosso modelo policial falido. E é fácil constatar.

E de quem vem a resistência? Se não vem dos policiais, que é o que comumente se imagina, quem resiste e por qual motivo?

Pra completar a pergunta, a gente teria de saber: mudança para onde? Porque tem certas coisas que eu quero mudar, mas eu não estou disposto a mudar pra qualquer lugar, de qualquer maneira. Algumas coisas muito ruins podem ficar piores (risos).

É difícil fazer uma proposta que atenda a maioria, que seja o mais consensual possível. Mas há um consenso razoável nas polícias quanto às mudanças, sim.

Quanto à desmilitarização, nas bases da PM sem dúvida nenhuma a grande maioria quer a desmilitarização. Não apenas para ter a possibilidade de se sindicalizar, mas para deixar de ser regida por códigos disciplinares que são frequentemente inconstitucionais.

Na maioria dos Estados, eles podem ser presos pela mera vontade do superior, sem contraditório, sem qualquer acusação formada. Simplesmente pela veleidade subjetiva daquele protagonista.

São situações inacreditáveis de arbítrio às quais eles são submetidos. Muitas vezes nós não lutamos solidários aos seus direitos. E isso é muito importante: são trabalhadores, cidadãos, submetidos a todos os tipos de violação e de exploração.

Frequentemente eles não são a fonte daquelas decisões políticas que eles aplicam, eles são agentes. Não quero desresponsabilizá-los individualmente, mas é preciso que nós compreendamos o quadro mais amplo.

A PEC-51 é fruto de mais de vinte anos de negociação e de discussão, até que se chegou a um mínimo denominador comum, que ainda assim gera muita resistência, que envolve: desmilitarização, ciclo completo e carreira única no interior de cada instituição.

O que significa carreira única?

Carreira única significa uma única porta de entrada. Depois, com méritos, provas, há a progressão na carreira. É a bandeira, por excelência, dos policiais da base da Polícia Civil e da base da PM.

Imagina você trabalhar 25 anos sabendo que você só vai chegar a sargento. Você já sabe qual é o salário, sabe qual é a imagem pública etc.

Mesmo que você seja o melhor policial do mundo, você não tem como ir além disso, porque você entrou pela porta de baixo. Se você entra como oficial, você pode dirigir aquela instituição, você pode ser coronel, não há limite para a sua ascensão.

No caso da Polícia Civil, a sociedade não está informada sobre seu funcionamento. Todos os que ouvem a descrição de seu funcionamento ficam perplexos. Há uma tendência natural ao apoio à carreira única.

Imagina um rapaz ou uma moça de 23 anos, de classe média, que fez uma excelente faculdade e, depois, se dispõe a fazer um concurso para delegado, assim que se forma como bacharel em direito.

Nunca ouviu falar em segurança pública na vida, ou em gestão. Não é matéria da sua formação. É bom lembrar que segurança pública é uma questão bastante distinta do bacharelado em direito, ainda que haja sobreposições tópicas.

Essa pessoa passa no concurso, faz um mês de adaptação e assume a condição de delegado auxiliar em uma delegacia.

Vai dirigir, vai comandar 30 ou 40 profissionais, alguns que estão lá há 20 ou 25 anos. Vai ganhar muito, muito mais, ter muito mais prestígio e o céu é o limite para a sua progressão. Os outros estão condenados a ficar ali.

Aí alguém diria: “pô, mas o que está lá pode fazer o concurso também”. Pode… o sujeito trabalha dia e noite, com aqueles turnos incríveis, às vezes ainda tem de fazer bico na segurança privada, exaurido, não tem nenhum estímulo pra estudar, nenhum apoio para se preparar, sabendo que vai competir com esse jovem que só fez isso da vida. E que os 20 anos de trabalho na instituição não valem um ponto.

Não vale meio ponto, não vale 0,1 ponto em qualquer prova! Isso é uma desfaçatez, é um desrespeito. A sua história não vale nada?

É assim que se forma essa divisão interna. Isso é tão importante que, na Polícia Federal, amigos meus agentes dizem: “Atenção, em qualquer momento vai haver morte. O nível de conflito interno, de tensão, é tal, e todos nós armados nos cruzando pelos corredores, que um dia vai haver um confronto. Nós estamos próximos disso, não suportamos mais”.

De onde vêm as resistências à carreira única?

A reação muito forte, aqui, tem sido dos delegados de polícia e de alguns oficiais. Na PM, a maioria dos policiais talvez seja contra, mas a resistência maior, mesmo, é na Polícia Civil.

Muitas PMs já estavam fazendo uma reflexão autocrítica, entendendo a necessidade dessa mudança, algumas já estavam começando a adotar porta única de entrada, já estavam começando a rever essa história de praças versus oficiais, criando um espaço interno mais democrático, mais universalista. Mas na Polícia Civil há uma resistência muito grande.

Viomundo – Acabar com a divisão dos ciclos (preventivo, ostensivo, investigativo) significa, necessariamente e em todos os casos, unificar as polícias?

Não. Isso é importante, porque nós poderíamos gerar monstrengos.

Imagina em São Paulo, onde nós temos dois monstrengos: a PM, com 100 mil pessoas, e a Polícia Civil, com 35 mil. Juntando os dois, nós vamos ter um monstrengo maior ainda.

Se já são ingovernáveis separadamente, imagina elas juntas. E elas seriam [o equivalente a] um terço do Exército nacional. O poder de chantagem seria extraordinário. Não faz nenhum sentido isso.

Já no Acre, no Amazonas, em outras áreas, há um processo histórico de aproximação, de integração. Ali, eventualmente, uma unificação poderia ser vista como natural, fruto de muitos anos de uma política mais ou menos convergente. Polícias pequenas, Estados menores, você pode ter essa integração.

E a PEC-51 comportaria, então, todas essas variações?

Todas as variações que você quiser, desde que os princípios sejam respeitados.
Cada Estado discutiria isso internamente e colocaria na sua Constituição Estadual uma decisão sobre o modelo de polícia, respeitados desmilitarização, ciclo completo e carreira única no interior de cada instituição.

Aí é matéria para discutir com a sociedade, tem um prazo de cinco ou seis anos. Esse é um processo de transição com participação da sociedade, com controle externo.

Mas como haveria ciclo único com duas polícias?

Pode haver 50 polícias. Você pode ter polícias pequenininhas. Nos EUA são 21 mil polícias.
Você pode, por exemplo, distribuir por tipos criminais diferentes. Você pode ter polícias municipais nos municípios grandes – em vez de serem guardas, seriam polícias, assumindo todas as responsabilidades – e que cuidassem dos crimes de pequeno potencial ofensivo (atinentes à Lei 9.099/95).

Fazendo todo o ciclo, mas relativamente aos crimes de pequeno potencial ofensivo. Que correspondem a 65% dos atendimentos nas delegacias. Então você desobstruiria as delegacias, repassaria isso para o âmbito local, sendo questões menores que exigem outro tipo de intervenções.

Você pode ter uma polícia para tratar só de homicídio doloso, por exemplo, ou só de crime organizado. O que seria uma espécie de Polícia Federal de âmbito estadual, fazendo uma analogia. Você pode ter polícias metropolitanas, regionais.

Você pode multiplicar o número de polícias, se você achar que dessa maneira a sociedade controla melhor, tem mais transparência, tem mais plasticidade. Ou você pode criar polícias maiores. São pactos estaduais, mas os princípios têm de ser respeitados.

A gente sabe, entretanto, que é extremamente difícil aprovar uma PEC. E o senhor mesmo já buscou outras formas de alterar a arquitetura de nossas instituições policiais. Por exemplo, como sub-secretário de Segurança Pública do Rio [gestão Garotinho], o senhor tentou promover a integração das polícias através de um artifício que era o Instituto de Segurança Pública, que convocaria seletivamente policiais que trabalhariam juntos na Delegacia Legal e no Batalhão Legal. Esses policiais seriam, então, lotados no que o senhor chamava de um mesmo plateau institucional. Não há a possibilidade de se buscar a reestruturação da arquitetura institucional sem necessariamente se aprovar uma PEC?

Não, não há. E essa minha história ajuda a prová-lo.

A experiência era essa: já que nós temos essas duas polícias, vamos criar um artifício pelo qual alguns policiais, até voluntariamente, se disponham a uma nova experiência. Aí nós vamos ter uma outra formação, para um outro tipo de abordagem, e vamos, experimentalmente, demonstrar outras possibilidades.

Isso, entretanto, foi alvejado em pleno vôo por uma ação da Associação de Delegados, que declarou inconstitucional essa tentativa.

Eles ganharam a causa, mostrando que efetivamente não se pode promover nenhuma transformação maior por artifícios deste tipo. A Constituição é uma camisa-de-força, que impõe limites realmente muito vigorosos.

Na pré-história das UPPs, nós temos os chamados Mutirões pela Paz, criados pelo senhor e por sua equipe, na Secretaria de Segurança do governo Garotinho, em 1999. 

E depois o Gpae [Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais].

Exato. De que modo esses seus projetos tentavam evitar ou minimizar estes problemas que hoje estão patentes nas UPPs?

Nunca me ocorreu usar a expressão que hoje é comum: pacificação. Eu acho um equívoco susceptível a todo tipo de manipulação demagógica etc.

Por isso, Mutirão pela Paz, o que é diferente. A ideia de mutirão sugere esforço coletivo e, no nosso caso, apontava para a necessidade de uma mobilização multissetorial, não só comunitária, mas também do governo. Então nós chegávamos não só com a polícia. Tentávamos chegar, discutindo com a comunidade todas as suas grandes questões e o que o Estado tinha de fazer para resolvê-las: saúde, educação, trabalho etc. Nós chegávamos assim.

Mas chegávamos também com a polícia, e uma polícia que nós queríamos que agisse com uma orientação comunitária. Como fazê-lo sem uma preparação anterior? Era se construir o barco enquanto se navegava.

Era presença diária, esforço diário, aprendendo ali com todas as dificuldades, mas era o que se tinha de fazer de imediato. Suprimindo aquela lógica colocada em prática pela história pendular da segurança pública no Rio. Este é o pêndulo: abandono da área ou ocupação militar. Invasão bélica, com pé na porta e desrespeito aos direitos humanos; depois vem um refluxo: não se toca nisso para não se criar problemas, para respeitar os direitos. A história política do Rio aponta para esse pêndulo.

O Brizola fez um esforço louvável, admirável, meritório, de suspender o pé na porta, política tradicional. Rendamos homenagem ao Brizola, pelo esforço que ele fez. Mas o que ele fez para colocar no lugar da política do pé na porta? “Vamos afastar a polícia daí, polícia não tem jeito”. Não houve nenhuma política, propriamente, para transformar esses aparatos do Estado. O esforço era no sentido de suspender essa prática.

Claro que isso não é suficiente. É preciso que haja uma substituição, uma alternativa. De que maneira essas instituições vão lidar com essas populações? Nós não vamos mudar essas práticas? Só vamos afastá-las? Então nós eliminamos as polícias.

Elas são necessárias ou não são? Pode existir um Estado, existindo lei, classes sociais, sem polícia? É possível isso, como é que seria? Como é que a polícia pode ser reconfigurada em um ambiente democrático? Para que lado, para que horizonte nós nos guiamos?
Isso nunca foi objeto de discussão pública, não era questão relevante nas esquerdas, então houve esse processo de suspensão, simplesmente, da presença.

O nosso esforço não era buscar o “meio”, não existe “meio”, não existe posição intermediária nisso. Existe a necessidade de se formular uma política. A ausência de política não é a melhor negação de uma política bárbara. Para negar uma política bárbara você tem que produzir uma política que seja democrática. A gente tentou, então, estar nessas comunidades e oferecer a atividade policial como garantia de direitos, não reproduzindo a velha brutalidade.

Isso funcionou?

Não. Bom, funcionou e não funcionou (risos). Funcionou, porque foi um sucesso enorme onde nós começamos. E não funcionou porque houve um embaraço político.

O governador era o Garotinho. Bom, o leitor vai imediatamente associar essa palavra a um personagem conhecido. E, nesse caso, é importante que haja um esforço de reflexão histórica, porque houve vários personagens que mudaram ao longo da história, em uma direção ou outra.

É importante que nós saibamos que, em 1998, Garotinho foi eleito contra César Maia, aglutinando os partidos de esquerda. A dúvida dos movimentos sociais de esquerda não era votar em Garotinho ou César Maia, era votar em Garotinho ou anular.

E as forças progressistas, que se aliaram, tinham do Garotinho uma imagem muito distante, porque ele fora prefeito bem longe da capital, lá em Campos dos Goytacazes. Tinha feito um mandato que foi muito popular. Ele vinha da esquerda, tinha passado pelo PCB, foi co-fundador do PT e foi pro PDT de Brizola.

Ele era radialista, tinha características populistas. Eu chamava a atenção para evitarmos o “veto estético”. A classe média, às vezes, faz o veto estético.

Você não gosta de um determinado arranjo que parece brega, que é cafona, e a partir daí deduz precipitadamente, atribuições. E, naquele momento, o compromisso que o Garotinho assumiu, no programa de governo, era muito progressista e democrático. Tanto que a maior parte das forças de esquerda estivemos juntos no governo.

Uma outra informação importante: desde o início, a vice-governadora Benedita da Silva começou a subir os morros comigo, quando nós fazíamos os nossos trabalhos do Mutirão pela Paz. Era absolutamente inusitado visitar favelas, e visitar levando as autoridades policiais para um grande debate aberto, nos espaços públicos, para discutir polícia, comportamento policial. Ela passou a estar comigo e nós tínhamos muita visibilidade na mídia, ela acabava aparecendo todos os dias, em todos os jornais.

Avançado o primeiro semestre, o governador me chama no palácio e diz: “Parabéns, beleza de projeto, de trabalho, os resultados são incríveis, a sociedade está satisfeita, aplaudindo. Só que tem o seguinte: o projeto precisa ser qualificado, ter mais consistência”. Eu falei: você está totalmente certo, é exatamente o que a gente precisa.

Ele disse: “Então vamos dar uma parada, uma freada de arrumação”. Aí eu fiquei um pouco preocupado. Como assim uma parada?

E ele: “Continua o que já existe, não vai retroagir, mas não vamos ampliar o projeto para outras favelas até que isso esteja estruturado”. A solução foi sendo protelada. Só bem adiante, no segundo semestre, que o governador me chama de novo para dizer que ia se chamar Vida Nova e que não ia envolver polícia. E me apresentou um projeto de intervenção social nas favelas que era apenas a cópia, já esmaecida, do velho clientelismo, o mais primitivo.

Eu usei essa expressão e ele me acusou de estar influenciado por intelectuais da USP (risos). Mas como denominar esse tipo de prática?

Práticas que consistiam em quê?

Cooptação de lideranças locais que depois serviriam como os cabos eleitorais.

Há muitas denúncias de que isso é o que acontece hoje.

Continua acontecendo. Essas políticas são sempre de interesse de quem está no poder. Você dá um pouquinho de recurso aqui ou ali, valoriza lideranças locais cooptando-as e faz disso um mecanismo de reprodução política. São cabos eleitorais que, depois, vão barganhar com a comunidade local. Essa é a história do Rio de Janeiro nas áreas populares: clientelismo, o mais rastaquera, o mais primitivo.

Enfim, nós já estávamos em início de rota de colisão, a coisa não acabou bem, eu acabei exonerado depois.

Tudo isso associado a pretensões eleitorais do Garotinho para o governo federal.

Sim. O que o governador queria era tirar a Benedita do foco. Ela seria a candidata à prefeitura do ano seguinte, o ano 2000. E, se ela continuasse no Mutirão pela Paz, com aquela visibilidade, ela se tornaria realmente uma força importante.

Ele já tinha se comprometido a apoiá-la, mas ele não tinha esse propósito, de fato. Tinha outras intenções. E era interessante que ela não estivesse muito forte para fazer sombra a ele. Esse era o cálculo, o mais mesquinho, o mais trivial. E muito lamentável.

No final do ano, nós tivemos um encontro, num café da manhã. O Garotinho abre, em cima da mesa, uns papeis com os resultados de uma pesquisa, na qual ele era o governador mais bem avaliado do país, já no final do ano.

Ele estava felicíssimo, e nós também, porque houve um esforço muito grande naquele ano. Havia méritos no governo dele, só que a ambição individualista, carreirista, falou mais alto. E isso se evidenciou quando ele nos disse: “Com esse resultado, eu sou candidato à Presidência da República”. Ele falou isso para os cinco coordenadores de secretaria – eu e mais quatro.

Quando ele disse isso, eu gelei. Porque eu compreendia que o candidato do nosso campo já existia: era o Lula. Se ele se lança candidato, só tem um espaço pra ele: a direita. A esquerda era o espaço do Lula. Isso significa uma inflexão política no governo.

No primeiro ano de governo, ele foi inimigo do PMDB no Rio, ele brigava com o Sérgio Cabral e o Jorge Picciani, na Assembleia. Era uma queda de braço permanente com o PMDB. Eu deduzi que haveria um recuo: ele se uniria ao PMDB. A partir daí, todas as nossas políticas iriam por água abaixo. E, efetivamente, foi o que aconteceu.

O senhor criou a Força Nacional de Segurança, que posteriormente se transfigurou e se afastou bastante de sua concepção original. Para muitos, a Força Nacional de Segurança Pública, hoje, além de inconstitucional, representa uma contribuição substantiva para a militarização do trato com a segurança pública no Brasil. Como você avalia a Força Nacional de Segurança e os convênios que ela realiza com governos estaduais?

Eu tive a ideia da Força de Segurança Nacional como a constituição de um grupo policial civil de investigadores das polícias. Eu sentia que nós precisávamos constituir um grupo para investigar as polícias. Os nossos problemas estão nas polícias, sobretudo, e era indispensável que esse grupo tivesse autoridade, autonomia, independência e mecanismos de investigação sofisticados. É muito grave o que acontece nas polícias brasileiras e, particularmente, no Rio de Janeiro.

A Força Nacional seria, então, composta por uma seleção de policiais civis de diversas partes do Brasil. Porque essa era uma matéria urgente e nós não tínhamos tempo para formar uma polícia nova. Pra formar uma polícia nova, você precisa de 15 anos, até os primeiros formados alcançarem um nível de competência e de experiência para enfrentar um desafio dessa magnitude. Nós precisávamos utilizar o que de melhor o Brasil dispunha.

O diretor seria o diretor da PF, pra evitar competição com a PF. E por que não a própria PF. Porque ela não tinha mais gente suficiente. Nós precisávamos de um grupo bastante numeroso e com esse tipo de foco. E esse grupo se desconstituiria depois da sua missão cumprida, deixando ensinamentos. Porque a partir daí nós teríamos mais razões ainda para transformar as polícias e nós compreenderíamos a necessidade de acompanhar as polícias de outra maneira. Seria muito educativo, também.

Era essa a ideia e houve um acolhimento positivo. Depois, quando eu fui ver nos jornais, virou o contrário disso.

A Força de Segurança Nacional virou uma força militar e de presença ostensiva nos Estados. Isso é completamente absurdo e ridículo, porque a sua presença no Rio de Janeiro, por exemplo, é patética. Nós temos no Rio 50 mil policiais, em São Paulo são 100 mil.

A Força Nacional tem um grupo muito limitado, e esse grupo não tem nem a experiência que uma cidade complexa como o Rio exige. Eles vêm ganhando diária, ganhando muito mais do que os que trabalham no Rio, e estes têm de ensinar a eles como se portar. Não faz nenhum sentido. E não agrega de nenhuma forma, nem mesmo numericamente. É mais uma presença política, simbólica.

Eu compreendi a visita dos secretários de segurança do Rio e de São Paulo ao ministro da Justiça como uma manobra política com o propósito de dividir com o PT os custos da repressão. Só isso. Eles não buscam, a meu juízo, nenhuma cooperação efetiva. Isso poderia estar na pauta desde sempre, mas nunca houve um movimento no sentido de se buscar uma cooperação efetiva e sincera.

Porque o que manda na dinâmica dessas escolhas é a política menor, a disputa partidária etc. Então esse movimento não é mais do que dar, no PT, o abraço do afogado: “Nós vamos nos afogar com a repressão, nos nossos Estados? Então vamos juntos, vocês não vão ficar fora dessa! Vamos pagar juntos a conta do desgaste político”.

E o ministro [José Eduardo Cardozo] tem aceitado esse compartilhamento de custos, porque ele nunca usou nenhuma modulação ao discurso repressivo em vigor nos Estados. Ele nunca sugeriu uma alteração nesse quadro.

E aí a situação nacional é patética. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário – que eu respeito, como pessoa, como militante – se esgoela denunciando a barbárie e o ministro abençoa o governo do Maranhão, vai dar mais verbas e recursos. Assim como as verbas continuam indo para as polícias, inclusive a do Rio, que perpetram um genocídio.

Os autos de resistência continuam se multiplicando. O governo federal é cúmplice de tudo isso, abençoa esses processos, e a ministra denuncia as barbaridades, como se ela fosse presidente de uma ONG, de uma entidade da sociedade civil. É uma forma do governo se proteger incorporando a própria crítica. Mas politicamente é absurdo, não tem coerência nenhuma.

O ministro da Justiça diz que preferia morrer a ter de cumprir pena em um presídio brasileiro, que os presídios brasileiros eram masmorras e que a LEP (Lei de Execução Penal) não era cumprida. Depois de dois anos no cargo.

Isso só me parece razoável se você, depois de dois anos no cargo, descobre isso tudo e então apresenta à nação um plano emergencial de intervenção a partir deste reconhecimento. Mas ele apenas reiterou o que já se sabia e não apresentou essa disposição urgente de intervenção.

O senhor acha que 2014 é um ano em que as manifestações ganharão força novamente?

Olha a minha ousadia: eu não acho, eu tenho certeza (risos).

Eu estou convencido de que acabou o sossego para as elites brancas brasileiras. A desigualdade está desnaturalizada. E as jornadas de junho quebraram a cristaleira. Isso vai se derramar pelas ruas, não tem retorno.

Não há mais como sustentar esse nível de hipocrisia, de brutalidade do Estado. E não vai haver apaziguamento possível. Essas iniciativas, como os “rolezinhos”, são muito diferente do “não”, do “fora não sei o que”. Vamos para o shopping, vamos fazer diferente, vamos inventar uma nova forma de lidar com isso.

Não que nós repitamos, em escala, o que houve em junho. Vai haver muita manifestação, com outra qualidade, outras características. Mas como eu não só estudo os movimentos, mas sou parte deles, eu dou o testemunho de que nós vamos pras ruas. Isso vai acontecer, a não ser que nos impeçam. Mas não há força suficiente para que nos impeçam.

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Luiz Eduardo Soares: “Acabou o sossego para as elites brancas brasileiras” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU