Um novo olhar entre leigos e religiosos

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13 Setembro 2013

O texto de Bergoglio prossegue sobre o fio do barbeador, salvando-se somente com o apelo a Jesus. A verdade “não é um absoluto”, mas “é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Por conseguinte, a verdade é uma relação! Tanto é verdade que também cada um de nós a acolhe, a verdade, e a exprime a partir de si: de sua história e cultura, da situação na qual vive, etc.”, escreve Gian Enrico Rusconi professor de Ciência Política da Universidade de Turim, em artigo publicado no jornal  “La Stampa”, 12-09-2013. A tradução é de Benno Dischinger.

Eis o artigo.

A carta do Papa Francisco ao fundador do jornal La Repubblica é o sinal que estão mudando os parâmetros de confronto entre leigos e religiosos-de-igreja? Ou que podem mudar? Nós o desejamos. Mas, estamos apenas nos inícios. É preciso começar a partir de uma redefinição recíproca.

Em primeiro lugar é preciso abandonar a confusão entre leigo e ateu ou irreligioso, um “sem Deus” – naquela acepção sibilante que custa morrer. Mas, vice-versa, abandonar também a presumida coincidência entre religioso, crente ou católico – isso para calar sobre a diferença entre católico, cristão ou judeu (sem esquecer as outras crenças atualmente instaladas em nossa casa). Naturalmente, o caminho não é aquele da pernóstica redefinição semântica ou “valorativa” ou “identitária” que nos extenuou nos últimos anos. Mas, é aquela do recíproco “sorriso” (estilo Francisco), e não do cenho franzido do cardeal ou da rígida ironia do leigo.

Isto não significa sentimentalismo ou pacifismo banal. Redefinir significa individuar as coisas mais importantes da vida e da convivência que nos tocam como homens e como mulheres, como cidadãos e como membros de uma sociedade que está caindo aos pedaços. E decidir juntos sobre temas que atingem diretamente a vida, a pessoa, a família e que nos dividem profundamente, talvez fazendo entrar em jogo a própria fé.

É a mesma fé da qual fala o Papa Francisco? A dele é uma abertura de quem tem “a fé” para e com aqueles que “não a tem”, mas sentem a necessidade de lhe fazer perguntas a respeito. As suas respostas não se referem explicitamente às questões divisórias, das quais falava acima, e, no entanto vão numa direção que não pode não tocá-lo.

A fé de Bergoglio é inteiramente centrada na figura de Jesus de Nazaré. Um discurso teológico e cristológico dogmaticamente impoluto, formulado com uma intensidade humana que é a força comunicativa e pastoral vencedora deste Papa. Na carta há uma passagem de (ortodoxa) simplicidade que é a cifra de seu pensamento teológico: a fé cristã, escreve, “tem seu fulcro na encarnação do Filho de Deus, em relação às outras formas de fé que gravitam, ao invés, em torno da transcendência absoluta de Deus”. A humanidade do Filho de Deus e não a dimensão absoluta do divino. Não sei se aqui ele alude simplesmente à concepção do Deus do Islã em relação àquele do cristianismo, ou não pense também numa profunda revisitação do pensamento teológico católico já emudecido.

Incapaz de fundar de modo racional e razoável suas próprias indicações morais em termos de “natureza humana”, de autonomia pessoal, de interações sexuais. Desumano por pobreza intelectual. Eu me pergunto se os homens de Igreja percebem este empobrecimento ou se apenas se contentam de recriminar contra o laicismo, o niilismo e assim por diante. O Papa Bergoglio mostra uma sensibilidade diversa. Mas tem diante de si uma tarefa muito difícil se quer combinar sua tensão humana com muitos aspectos doutrinais inadequados.

Em sua carta afirma de modo audaz, embora em seu intento impolutamente ortodoxo, uma espécie de primado da consciência (“O pecado, também para quem não tem a fé, existe quando se vai contra a consciência. Escutá-la e obedecer-lhe significa, de fato, decidir-se diante daquilo que é percebido como bem ou como mal”). Em outros tempos se teria evocado o perigo do subjetivismo relativista. Talvez ainda o pense agora algum cardeal.

O texto de Bergoglio prossegue sobre o fio do barbeador, salvando-se somente com o apelo a Jesus. A verdade “não é um absoluto”, mas “é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Por conseguinte, a verdade é uma relação! Tanto é verdade que também cada um de nós a acolhe, a verdade, e a exprime a partir de si: de sua história e cultura, da situação na qual vive, etc.”.

Recuso-me a fazer uma leitura forçada ou maliciosa desta passagem. De resto, de modo desarmante o próprio Papa escreve: “É preciso entender-se bem sobre os termos e, talvez, para sair dos afunilamentos de uma contraposição... absoluta, reformular em profundidade a questão”.

Pois bem, reformular em profundidade a questão. Talvez os leigos não possam fazer a sua parte argumentando, levando conhecimento e experiência ou então limitar-se a aderir amigavelmente à mensagem feita em nome de Jesus de Nazaré?

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