“Não há solução militar na crise síria”

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04 Setembro 2013

Presidente da Comissão Internacional de Investigação das Nações Unidas para a Síria, o carioca Paulo Sérgio Pinheiro, 69 anos, é cético quanto a uma solução militar para o drama no país árabe. Prevê o efeito inverso ao da desejada pacificação do conflito interno: haverá, segundo ele, centenas de mortes e a deflagração de uma crise regional. É de Pinheiro a responsabilidade por um relatório sobre a tragédia síria, que seria divulgado hoje. O impasse em relação à iminente intervenção armada por parte de Estados Unidos e França, porém, fez o anúncio ser adiado para data ainda a ser definida.

A entrevista é de Leo Gerchmann e publicada pelo jornal Zero Hora, 04-09-2013.

Eis a entrevista.

O senhor já está com o relatório pronto? Será lançado mesmo no dia 4 (hoje), como inicialmente previsto?

Na verdade, ainda vamos decidir em que dia vamos lançar, porque o debate está hoje todo centrado na questão do ataque americano. Então, vamos decidir se lançamos antes do dia 16, que é a data da reunião do Conselho de Segurança. O relatório já está pronto, possivelmente ele tenha algum tratamento com o que houver a respeito do que está ocorrendo atualmente, com análises dos investigadores do secretário-geral e com a possibilidade de ataque dos Estados Unidos e da França à Síria.

O atraso do relatório se deve à conjuntura atual?

Sim, porque precisamos tomar uma posição comum a respeito da conjuntura atual.

O senhor já pode adiantar algo do relatório?

Não, nada. Não posso furar o anúncio. Provavelmente tomaremos alguma posição a respeito da proteção dos civis no cenário de agravamento da situação militar.

Qual sua opinião sobre atacar militarmente a Síria?

Nem eu nem a comissão nos pronunciamos sobre as decisões dos Estados. Mas, primeiro, digo que não há solução militar na crise síria. Até o Papa já disse isso. Do Papa ao secretário-geral, todos estão de acordo. Na questão de um ataque à Síria, nossa preocupação são os civis. Dezenas de milhares já morreram e não existe um ataque cirúrgico que não vá matar muita gente. Há o risco até de fazer mais vítimas do que o próprio uso das armas químicas nesse último incidente (em que morreram, segundo os EUA, 1.429 pessoas). Além disso, esse ataque só vai agravar a regionalização do conflito. Hoje, há uma situação de terror por parte das populações de Jordânia, Líbano, Turquia e da própria Síria, sem falar na situação extremamente precária dos refugiados palestinos, que não podem entrar no Líbano, porque a fronteira foi fechada. Na Síria, é uma população de 18 milhões que vivem nesse suspense quanto ao ataque.

O ataque não seria para derrubar Bashar al-Assad. Seria punitivo. Como o senhor vê isso?

O que nós repetimos, o secretário-geral e toda a ONU, é que não deve ser autorizado esse tipo de ataque chamado de castigo. Só existe a possibilidade no artigo 2, parágrafo 4, ou no artigo 51, que é uma espécie de legítima defesa coletiva (na Carta das Nações Unidas). Fora isso, não tem. Há um impasse no Conselho de Segurança, mas esse é um dado da realidade. Os diplomatas têm de trabalhar para superar esse impasse, porque muitas linhas vermelhas já foram cruzadas sem se apressar uma solução para o conflito. Calculo que, em todos esses incidentes em que houve uso de agentes químicos, talvez tenham ocorrido de 2 mil a 3 mil mortes. O que nos comove, o que nos parece obsceno é esse número enorme de civis mortos e de combatentes dos dois lados, seja no do governo ou dos rebeldes. Nossa preocupação é basicamente com a situação das populações civis e com uma solução para a crise. Esse eventual ataque que está sendo considerado por alguns países não vai resolver a situação.

Mais de 100 mil mortos já não são motivo para uma solução, com ou sem armas químicas?

É o número da alta comissária de direitos humanos e da ONU. É crível. E tem o número de presos detidos de forma arbitrária. Fala-se em 200 mil presos em vários lugares da Síria. É uma situação terrível, em que 18 milhões de pessoas estão lá dentro e são reféns do eventual ataque.

O senhor acha que ainda há margem para a diplomacia?

O que precisamos é do que chamamos de diplomacia dura.

O que é a diplomacia dura?

É convencer ambos os lados de que devem se sentar à mesa, em vez de sustentar uma intervenção militar. O próprio ex-presidente Jimmy Carter propôs a mesma coisa: negociação. Não há outra saída. Acho que foi muito positivo o presidente Barack Obama consultar o Congresso. E é evidente que, se houver uma intervenção militar, ela tem de respeitar a convenção de Genebra. Nós, como o secretário-geral, acreditamos que a intervenção militar só pode ocorrer mediante autorização (da ONU). Não há outra saída. Tentar escapar disso é aumentar a desordem na ordem internacional.

Como é possível convencer os dois lados a se sentarem à mesa?

Os atores internacionais devem falar com os dois lados. Não somos nós que fazemos isso. Nosso mandato é de proteção dos civis. Claro, estou dizendo tudo isso a título pessoal, porque a comissão ainda não deliberou a respeito. Mas a minha posição é alinhada com a do secretário-geral. Só deve haver recurso à força se houver autorização do Conselho de Segurança. Fora disso, não há possibilidade.

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