Especialistas divergem sobre reservatórios de usinas na Amazônia

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03 Setembro 2013

O debate sobre as hidrelétricas com reservatório na Amazônia não tem apenas entraves socioambientais, como sempre se disse. A questão tem também impedimentos técnicos. "Os melhores locais já foram utilizados. Não há mais muitas opções para colocar reservatórios plurianuais", diz o engenheiro Rafael Kelman, diretor da PSR, empresa de consultoria na área de energia.

Perto de 60% do potencial hidrelétrico a ser explorado está na Amazônia, mas boa parte da região tem topografia plana. "Fora alguns casos, não há muitas usinas que possam ter reservatórios", reconhece Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 03-09-2013.

Reservatório, a rigor, toda hidrelétrica tem. O que se debate, aqui, são usinas com reservatórios plurianuais, espécies de caixas d'água gigantes que enchem na época das chuvas e estocam a água para a estação seca. Conferem mais segurança energética que as outras, a fio d'água. As três grandes usinas que o Brasil constrói atualmente - Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará - são fio d'água. A área alagada, nesses casos, tende a ser menor e a provocar menos impactos socioambientais.

Recentemente, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) realizou uma campanha em defesa das hidrelétricas com reservatórios, dizendo que elas são a forma mais segura, barata e que menos emite gases-estufa. "O Brasil possui o terceiro maior potencial hídrico do planeta, com capacidade para produzir quase 250 GW, mas utiliza apenas 85 GW. Um desperdício sem proporções", dizia uma das peças publicitárias, que chamava para um evento sobre energia promovido pela entidade.

No seminário, o diretor-titular do departamento de infraestrutura da Fiesp, Carlos Cavalcanti, fez um discurso agressivo. "A opção mais recente por hidrelétricas sem reservatórios, decorrente de políticas ambientais cada vez mais irracionais e erradas, e também de uma blindagem de áreas indígenas que entendemos equivocada, pode ser notada nos 42 projetos leiloados nos últimos 12 anos, com potência instalada de 29 mil MW", disse Cavalcanti.

"Desses, apenas dez pequenos projetos apresentam reservatórios, correspondendo a 7% da potência total", afirmou o diretor da Fiesp. De 2003 a 2008, época em que, segundo ele, ocorreu um "paroxismo ambiental ilógico", foi adicionada ao sistema elétrico "uma Itaipu de usinas térmicas".

Nas contas da Fiesp, na década de 70 a capacidade dos reservatórios possibilitava uma regularização de até três anos. "Essa capacidade foi se reduzindo, principalmente a partir da década de 90, e hoje é de apenas 5 meses. Chegaremos em 2021 com capacidade de regularização de pouco mais de cem dias", diz Cavalcanti.

"Essa é uma questão, sem dúvida, mas não é novidade e não tem muito jeito", diz uma fonte do setor elétrico. "Não se podem fazer usinas a fórceps."

"Os projetos saem da prateleira, ou seja, nos estudos de inventário das bacias, sem reservatório", diz Kelman, da PSR. "Há um componente que não tem a ver com a pressão que o pessoal do meio ambiente faz", continua. "A origem está na metodologia. O manual do inventário, embora seja muito bem elaborado, já sai com um viés de projetos sem reservatório."

Segundo Tolmasquim, os inventários identificam o potencial energético das bacias hidrográficas e o local onde as usinas poderiam ficar, mas não são apenas estudos de engenharia. "Já se analisa o impacto, e em alguns casos, se modifica o projeto", diz.

O presidente da EPE cita o caso da usina de São Roque, no rio Canoas, em Santa Catarina. Pelo inventário, teria 214 MW de potencial e produziria 131 MW médios de energia firme, com reservatório de 24 metros de altura. O órgão ambiental local exigiu que se diminuísse a altura. O reservatório ficou com 14 metros, a potência caiu para 135 MW e a energia firme, para 98 MW. "O projeto original tinha muito impacto e foi modificado", afirma.

"O que incomoda muito o setor elétrico é que às vezes, mesmo revendo o projeto, não se consegue a licença", diz Tolmasquim. Foi o que ocorreu, conta, com a hidrelétrica de Santa Isabel, no Araguaia, entre Pará e Tocantins. O projeto, da década de 80, era para uma usina de 2.200 MW de potência e um reservatório grande. Depois, o reservatório ficou com 25 metros a menos do que o projeto original, mas Santa Isabel nunca foi licenciada. "Dessa forma, o suprimento de energia fica mais dependente da ideologia e dos imprevistos da natureza", afirma Tolmasquim.

"Estamos em uma situação um pouco complicada", diz o presidente da EPE. "De um lado há uma turma que quer reservatório em tudo, não importando o impacto. E do outro lado, gente que não quer usina nenhuma. Falta o meio termo", afirma.

"Temos 60% do potencial hidrelétrico na Amazônia, que é um ativo importante e não podemos abrir mão dele. Por outro lado, ali está outro ativo importante brasileiro, que é a nossa biodiversidade. Nosso desafio está em como explorar o potencial hidrelétrico preservando o outro patrimônio brasileiro e da humanidade", afirma o presidente da EPE.

"Essa discussão tem que acontecer, é saudável e temos que ter esse compromisso com a sociedade", diz Tolmasquim. Ele reconhece que o Brasil precisa diversificar a matriz com renováveis complementares e que tem que dar impulso à conservação. "Ainda há muito o que fazer aqui, mas sempre tem o sujeito que sai de casa e deixa o ar-condicionado ligado."

Para o engenheiro e hidrólogo Jerson Kelman, ex-diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Agência Nacional de Águas (ANA), talvez a saída seja construir reservatórios nas cabeceiras dos rios. Segundo ele, a sociedade deveria discutir quanta energia necessita, e como vai usá-la, e depois receber do governo o cronograma de construção de usinas. "Só assim, acredito, sairemos da armadilha que estamos hoje."

Kelman diz que todas as concessionárias do setor elétrico deveriam gastar um percentual de sua receita operacional em projetos de eficiência energética. "Este ano ficou claro que os reservatórios não são mais suficientes. Há uma percepção na sociedade de que algo está errado com este modelo."

Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de energias renováveis do Greenpeace diz que a organização discorda das premissas da Fiesp. "Não se pode ficar no binômio hidrelétricas versus térmicas", diz. "A discussão está poluída. Por muito tempo se acreditou que a impossibilidade de fazer hidrelétricas era por causa dos ambientalistas, e isso não é verdade. Agora está claro que há impossibilidades técnicas."

A boa notícia, segundo Baitelo, "é que, já que o espaço para se ter hidrelétricas com reservatório é muito menor do que se pensava, teremos que sair para outras soluções como eólicas, biomassa e solar". Para ele, é preciso "pensar em outras fontes de energia e que existem fontes mais baratas que as térmicas a óleo".

Rafael Kelman, da PSR, diz também que é preciso melhorar os estudos topográficos. "Sem topografia não se sabe com precisão qual o tamanho do reservatório e cometem-se grandes erros."

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