Por: André | 18 Dezembro 2012
É justo imolar-se por uma boa causa? Matar-se voluntariamente para denunciar a opressão sofrida pelo próprio povo, assim como fazem os monges tibetanos? A reflexão proposta por Enzo Bianchi em alguns jornais italianos, sobretudo no La Stampa, provocou discussões. Por isso pedimos ao cardeal Renato Raffaele Martino e ao escritor Vittorio Messori que comentassem as palavras do prior da Comunidade de Bosé. “Vale a pena deixar-se interrogar por estes monges dispostos a consumar suas vidas entre as chamas como incenso”, escreveu Bianchi, recordando que os monges suicidas, “com suas vidas e com sua morte, querem afirmar a grandeza de uma religião e de uma cultura que não aceita dobrar-se diante do mal”.
A reportagem é de Andrea Tornielli e está publicada no sítio Vatican Insider, 16-12-2012. A tradução é do Cepat.
“Para nós, cristãos – explica o cardeal Martino, ex-presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, e, durante muitos anos, Núncio em países asiáticos e representante da Santa Sé na ONU –, o suicídio é inconcebível. Embora este tirar-se a vida possa ter fins nobres. O Catecismo da Igreja Católica ensina que o suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano para conservar a própria vida e que vai contra o amor do Deus vivo. Quando é cometido para servir como exemplo, enche-se também da gravidade do escândalo. Embora a angústia ou o temor grave da prova, do sofrimento ou da tortura possam atenuar a responsabilidade dos que o cometem”.
“Fica claro – destaca o cardeal – que o gesto dos monges tibetanos se inscreve em um determinado âmbito religioso. Mas não se pode comparar com o martírio cristão. Muitos cristãos sofreram perseguições pelo ódio contra a fé que professam, mas não levaram a cabo gestos deste tipo e suportaram até o final as consequências da perseguição”.
Vittorio Messori, um dos escritores católicos italianos mais conhecidos, convida, sobretudo, a recordar a história do Tibet: “Não se deve esquecer que até 1950 esse país era a mais dura das teocracias sacras. O Dalai Lama tinha seus feudatários, que eram os Lama: possuíam todas as terras, tinham poder para decidir sobre a vida e a morte. Cada família devia enviar pelo menos um filho ao mosteiro, com consequências, para dizer o mínimo, desagradáveis em caso de desobediência. Ou seja, o Tibet antes do domínio chinês não era um modelo para os direitos humanos”.
Segundo Messori, a reflexão de Enzo Bianchi é interessante, pois diz que “reconhece honestamente a diferença entre a perspectiva budista e a perspectiva cristã, explicando desta forma que seria impróprio traçar uma comparação entre os monges que colocam fogo no próprio corpo e a atitude de Jesus diante de seus perseguidores e dos mártires cristãos”. Para o cristianismo, explica o escritor, “a vida é um dom de Deus e só Ele pode tirá-la. O mártir cristão, assassinado pelo ódio, é reconhecido como santo, mas o martírio nunca pode ser buscado. Na Idade Média houve alguns franciscanos que morreram na Argélia porque se puseram a pregar o Evangelho e a denegrir Maomé em uma loja. Não foram reconhecidos como mártires por sua imprudência”.
Messori cita, a este respeito, alguns exemplos do passado e do presente. “Santa Apolônia de Alexandria, que viveu no século III e se converteu na protetora dos que têm dor de dente porque seus perseguidores lhe arrancaram os dentes com um cinzel, foi levada a um forno. Disseram-lhe: ou blasfemas e renegas a tua fé ou te lançamos ao fogo. Apolônia conseguiu desvencilhar-se de seus perseguidores e jogou-se nas chamas. O reconhecimento de sua santidade causou debates, porque havia antecipado o gesto de seus perseguidores”. O escritor recorda, para terminar, dois casos do século passado: o do estudante Jan Palach que se imolou ateando fogo ao seu próprio corpo durante a Primavera de Praga (em 1969) e do irlandês Bobby Sands, que, em 1981, morreu durante uma greve de fome em uma prisão da Irlanda do Norte em protesto pelo não reconhecimento do seu estatuto de preso político. “Em ambos os casos – explicou – a Igreja católica expressou respeito por seus gestos, mas não aprovação”.
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