11 Outubro 2012
O problema da falta de água em Manaus, capital que ostenta o sexto maior PIB do Brasil, localizada na região da maior bacia hidrográfica do mundo, promete esquentar ainda mais o clima da eleição municipal no segundo turno. Arthur Virgílio (PSDB) e Vanessa Grazziotin (PCdoB) têm propostas completamente diferentes para resolver a situação que, há décadas, afeta as zonas norte e leste, onde estão os maiores colégios eleitorais da capital do Amazonas que será uma das 12 cidades que sediará jogos da Copa do Mundo. Nessas áreas, mais de 100 mil pessoas não têm ligação de água e dependem de poços clandestinos para fazer suas torneiras pingar. Além disso, a escassez de água é tratada na base do jogo de empurra e da troca de acusações de corrupção pelos caciques políticos do Amazonas, envolvendo o ex-governador Eduardo Braga (PMDB), atual líder do governo Dilma no Senado, o prefeito de Manaus, Amazonino Mendes (PDT), e o ex-prefeito Serafim Corrêa (PSB), na gestão 2004-2008.
A reportagem é de Luciano Máximo e publicada pelo jornal Valor, 11-10-2012.
"Pago R$ 30 por mês para usar o poço do vizinho, aí encho minhas duas caixas d'água de mil litros dia sim, dia não. Minhas três filhas e eu usamos bem pouquinho para não terminar, senão tem que incomodar o vizinho e pedir para ligar a bomba. É humilhante", conta a empregada doméstica, Maria das Graças dos Santos, de 51 anos, moradora da Grande Vitória, bairro pobre da zona leste, a mais de 20 quilômetros do centro de Manaus.
Em várias outras regiões da cidade, além das zonas leste e norte, o abastecimento é interrompido periodicamente. O ex-senador Arthur Virgílio, que terminou o primeiro turno em primeiro lugar com 40% dos votos válidos, afirma que a falta de água afeta, parcialmente, metade da cidade. Ele é incisivo em sua proposta para resolver o problema: "A empresa concessionária não está cumprindo seu contrato. No meu governo, ou ela cumpre o contrato ou será expulsa de Manaus."
A senadora Vanessa Grazziotin, que terminou a primeira rodada da eleição com a metade dos votos do adversário, fala em fazer parceria com o governador Omar Aziz (PSD) e comprar água do Programa Água para Manaus (Proama), um sistema estadual instalado na zona leste de Manaus para captação, tratamento e reserva de água construído no segundo mandato, encerrado em 2010, do então governador Eduardo Braga (PMDB), hoje senador e líder do governo na Casa. Feito com dinheiro estadual e federal (a fundo perdido), o Proama custou R$ 365 milhões, ficou pronto há dois anos e a água captada e tratada por ele nunca chegou a nenhuma torneira dos bairros afetados, porque governo estadual e prefeitura não se entendem na gestão do problema e porque não foi construída rede de distribuição a partir de seus reservatórios. "Vou comprar água do Proama, que está pronto há dois anos sem funcionar por causa de um desencontro político, apesar de o prefeito [Amazonino Mendes] e o governador [Omar Aziz] serem muito amigos", diz Vanessa.
O problema, tratado na base do tradicional jogo de empurra e de insistentes trocas de acusações entre os caciques políticos do Estado, começou em 2000, quando o então governador Amazonino Mendes e o prefeito Alfredo Nascimento, atualmente senador pelo PR, privatizaram o sistema de abastecimento de água e a rede de esgoto de Manaus, num contrato de R$ 190 milhões que serviu para reorganizar as contas da empresa de saneamento estatal, Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama). Em menos de três anos, a multinacional francesa Lyonnaise des Eaux, sofrendo de dificuldades financeiras no mundo e sem capacidade de cumprir as metas da concessão, questionou o contrato e abandonou o serviço. "O Amazonino mentiu no contrato, superdimensionou a cobertura da rede de abastecimento da cidade. Quando a empresa foi pedir para reajustar a conta de água, o Alfredo e o Amazonino negaram o aumento", lembra o ex-prefeito de Manaus Serafim Corrêa (PSB), responsável por uma repactuação do contrato, que envolveu injeção de recursos federais a partir 2006 e contrapartidas financeiras da prefeitura e da concessionária, que nesse estágio já era a Águas do Amazonas, do Grupo Solví.
"Quando a Lyonnaise des Eaux saiu, veio a Água do Amazonas trabalhar com metas reduzidas e ficou muito mal falada pela população, principalmente porque mandava conta de água para quem sequer tinha ligação. A população, claro, se recusava a pagar, então a empresa botava o sujeito no Serasa", acrescenta Serafim. Segundo ele, na época da repactuação do contrato de concessão, Eduardo Braga, de olho nos recursos do governo federal destinado a cidades com problema de saneamento e abastecimento, propôs a construção do Proama.
De acordo com o ex-prefeito, a repactuação do contrato da água em Manaus, mediada pela União, previa metas similares de produção e investimentos para concessionária, prefeitura e Proama, mas o valor do projeto do governo Braga destoava em cerca de R$ 150 milhões para cima. "O Eduardo Braga evidentemente fez uma obra superfaturada, que não funciona até hoje, e vai todo sábado no rádio dizer que é o salvador da pátria, que fez o Proama, mas nem o governador nem o prefeito querem que funcione", diz Serafim.
No domingo, Braga negou irregularidades na construção do Proama. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada na Câmara Municipal para investigar o caso. Há menos de um mês, a CPI da Água produziu um relatório cobrando a responsabilização dos últimos três gestores municipais (Nascimento, Serafim e Amazonino). A relatoria da comissão, representada pelo PMDB - mesmo partido de Braga -, deixou o Proama de fora das investigações, o que gerou protestos por parte da oposição. O documento deverá ser votado antes do segundo turno. Maior liderança política do Amazonas, Braga jogou a culpa pelos problemas no setor no atual prefeito Amazonino Mendes. "Na primeira vez que o Amazonino fez operação no sistema de água de Manaus sumiram R$ 200 milhões [valor referente à concessão à Lyonnaise des Eaux em 2000]; desta vez sumiram R$ 350 milhões", disse Braga ao Valor numa alusão à terceira mudança no contrato de concessão de água de Manaus, feita em maio deste ano, quando a empresa Manaus Ambiental comprou mais de 50% das ações da Água do Amazonas e assumiu a operação majoritária do serviço.
Amazonino Mendes, por sua vez, sustenta que fez a terceira reformulação do contrato com base em estudos encomendados à Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (Fipe), ligada à Universidade de São Paulo (USP). "Estudos técnicos apontam que Manaus tem capacidade de fornecer água para toda a cidade sem o Proama. Quando mudei para trazer uma empresa séria [Manaus Ambiental] fizeram toda uma celeuma e jogaram toda a culpa em cima do Negão aqui, mas o único que quis resolver o problema da água em Manaus chama-se Amazonino Mendes, o resto é tudo picareta", declarou o prefeito sob aplausos de correligionários durante pronunciamento a jornalistas que marcou sua volta a Manaus, depois de mais de 40 dias em São Paulo para tratar do coração. No cenário eleitoral de Manaus, Amazonino foi sistematicamente bombardeado de críticas por todos os candidatos, até mesmo por Arthur Virgílio, que deverá contar com o apoio do prefeito, que não disputou a reeleição.
No meio do tiroteio, Alexandre Bianchini, presidente da Manaus Ambiental, atual concessionária do serviço de abastecimento de Manaus, afirma que não quer se meter em briga política e está trabalhando para melhorar a relação com a população e agilizar os serviços. Segundo ele, de maio para cá, a empresa levou água para mais de 80 mil pessoas na cidade, por meio de ligações alternativas que captam a água de poços. Ele disse também que a empresa, que faz parte do Grupo Águas do Brasil, segundo maior grupo de saneamento do país segundo levantamento do Valor, está disposta a gastar os R$ 30 milhões necessários para ligar os reservatórios do Proama às casas da população manauara. "Mas é necessário um entendimento entre Estado e prefeitura", afirma Bianchini.
A reportagem procurou Heraldo Beleza, presidente da Cosama, do governo estadual, mas os contatos não foram respondidos.
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A água que falta e divide os votos de Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU