Concílio Vaticano III: um sonho de Martini

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03 Setembro 2012

Ele sonhava com um Concílio Vaticano III, porque estava convencido de que a Igreja Católica precisava de profundas reformas. Mas o cardeal Carlo Maria Martini morreu nessa sexta-feira não só sem ter visto essa nova cúpula, mas também assistindo à progressiva demolição de todas aquelas instâncias de renovação avançadas pelo Concílio Vaticano II, há 50 anos, gradual e inexoravelmente apagadas ou redimensionadas pelo Papa Wojtyla e pelo Papa Ratzinger, principais defensores da chamada "hermenêutica da continuidade", ou seja, de uma interpretação do Concílio no sinal da absoluta continuidade com a tradição e o magistério da Igreja.

A reportagem é de Luca Kocci, publicada no jornal Il Manifesto, 01-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Existe a "necessidade de um debate colegial entre todos os bispos" – e já a expressão "debate colegial" faria ouriçar a pele da Cúria vaticana – sobre uma série de importantes "nós" que "reaparecem periodicamente como pontos quentes no caminho das Igrejas", dissera Martini, no Sínodo dos bispos europeus em 1999, elencando também alguns desses pontos doídos: a participação democrática na vida da Igreja, os leigos, o papel das mulheres na sociedade e na Igreja, "a sexualidade", a "disciplina do matrimônio", a "relação entre democracia e valores e entre leis civis e lei moral".

Temas que, pedia Martini, devem "ser abordados com liberdade, no pleno exercício da colegialidade episcopal". A resposta da Igreja de Wojtyla e de Ruini, antes, e de Ratzinger depois, no entanto, foi outra: a codificação dos "valores inegociáveis", sobre os quais não se discute. Sepultado assim não só o "sonho" de Martini de um Concílio Vaticano III, mas também aquele pouco que restava, e que resta, do Concílio Vaticano II.

Nascido em Turim no dia 15 de fevereiro de 1927, muito jovem entrou na Companhia de Jesus (os jesuítas) e foi ordenado padre em 1952. Estudou teologia, depois Sagrada Escritura no prestigioso Pontifício Instituto Bíblico de Roma, onde lecionou e se tornou reitor. Em 1978, poucas semanas antes de morrer, Paulo VI nomeou-o reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, a instituição romana dirigida pelos jesuítas. Mas logo deixou Roma: no fim de 1979, o Papa Wojtyla o escolheu como arcebispo de Milão, diocese que lideraria ininterruptamente até 2002, quando se transferiu para Jerusalém.

E em Milão, a maior diocese da Europa, tornou-se uma figura de primeiro plano da Igreja, italiana e não só. Levou adiante atividades de caráter espiritual, como as leituras bíblicas públicas na catedral que atraem milhares de pessoas, abertas também aos ateus e aos agnósticos – porque, dizia, "a verdadeira distinção não deve ser feita entre crentes e não crentes, mas sim entre pensantes e não pensantes" –, como a Cátedra dos Não Crentes, encontros de debate sobre vários temas entre católicos e seculares.

Justamente porque se creditava como homem do diálogo, em meados dos anos 1980, os militantes dos Comitês Comunistas Revolucionários, grupo considerado contíguo às Brigadas Vermelhas, entregam as armas ao arcebispo, também para solicitar uma mediação da Igreja para o fim da luta armada.

No campo social, mais de uma vez Martini tomou posição pela defesa dos direitos dos pobres e dos marginalizados, particularmente dos presos e dos imigrantes, atraindo, nos anos 1990, fortes críticas dos membros da Liga Norte em ascensão, que também conquistaram a prefeitura de Milão com Marco Formentini. E no plano político ele defendeu a chamada "opção religiosa" da Ação Católica e de outras associações que tentavam despedaçar o dogma da unidade política dos católicos na Democrata Cristã (DC) e que recusavam o papel de reservatório de votos para a DC, suscitando as iras do Comunhão e Libertação e do mundo católico mais conservador.

Candidato da frente progressista (minoritária) no conclave que, em 2005, elegeu, ao invés, o Papa Ratzinger (até porque o Parkinson que atingira Martini enfraqueceu a sua candidatura), nos últimos anos Martini muitas vezes tomou a palavra a partir das colunas do jornal Corriere della Sera e do L'Espresso, juntamente com Ignazio Marino, sobre os temas "eticamente sensíveis" – do início da vida à inseminação artificial, da homossexualidade ao fim da vida –, principalmente em parcial discordância com o magistério oficial.

A escolha final de recusar a obstinação terapêutica foi a última manifestação disso.

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