"Igualdade de oportunidades" ou "igualdade de posições"? Qual é o melhor modelo para reduzir as desigualdades sociais?

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23 Agosto 2011

As sociedades têm avançado mais na “igualdade de oportunidades” do que na “igualdade de posições”. Porém, o modelo da “igualdade de posições” é mais eficaz no combate à desigualdade social. A afirmação é do sociólogo François Dubet, Professor da Universidade Bordeaux-II em entrevista à Natalia Aruguete do Página/12, 22-08-2011. Dubet é pesquisador do Centro Emile Durkheim e do Centro de Análises de Intervenção Sociológicas (Cadis). 

Eis a entrevista. A tradução é do Cepat.

Em que diferem a igualdade de posições e a igualdade de oportunidades?

Estes dois modelos são estratégias que permitem reduzir a contradição de toda sociedade democrática em que se afirma que todos os indivíduos são iguais, mas ao mesmo tempo vivem em sociedades desiguais. O modelo da primeira estratégia propõe reduzir a distância entre posições sociais, ou seja, que os ricos passem a ser menos ricos e os pobres sejam menos pobres. O segundo modelo consiste em dizer que todos os indivíduos terão a possibilidade de alcançar a mesma posição. Tomemos como exemplo o caso do trabalho das mulheres. No primeiro caso, vou tentar fazer reverter o fosso, a distância de renda nos mesmos postos de trabalho ocupados por mulheres ou homens. Essa é a estratégia de posições. O outro modelo, é o que estamos utilizando, ou seja, dizer que as mulheres terão direito de acender a todas as posições sociais, o que quer dizer, ocupar posições mais altas, mas também as mais baixas.

No segundo caso depende de um esforço individual?

Sim, depende do esforço individual e da luta contra a discriminação.

Falando da luta contra a discriminação, quais são as estratégias e as possibilidades reais de se conseguir a redução dessa desigualdade?

Existem estratégias bastante concretas. Por exemplo, poder-se-ia ter uma decisão jurídica que dê um lar a uma pessoa em função de sua raça, procedência, uma quota. Poder-se-ia decidir que 30% do contingente da polícia seja negra. Nos bairros menos favorecidos, se poderia identificar os bons alunos e levar essas crianças a boas escolas.

Mas isso é meritocracia.

Sim, mas para que tenham as mesmas oportunidades que os outros. É um modelo de justiça que se pode alcançar.

Num sentido mais amplo, que papel joga os projetos e a meritocracia na possibilidade de reduzir as inequidades?

O princípio do mérito, é acreditar que se deve recompensar em função dos méritos que se tem, se trata de um princípio que vem desde Aristóteles. Um princípio de justiça. Por exemplo, se eu trabalho mais devo receber uma recompensa maior, quanto mais diplomas eu tenho, mas direito de ser bem pago tenho. Todos estão de acordo e são favoráveis a esta ideia de mérito. O que eu questiono é a ideia de que o princípio do mérito tenha que se hegemônico. Porque quando se torna hegemônico, o princípio do mérito gera desigualdade.

Até que ponto o mérito depende de questões individuais ou condições estruturais? Você menciona “os créditos”, mas para alguém que venha de uma situação de pobreza – provavelmente – será muito mais difícil contar com bons estudos, como então conseguirá tais "créditos"?

Isso é verdade, as pessoas que estão em uma situação mais favorável irão ter mais méritos daquele que venha da pobreza, mas o mérito não deixa de existir. Por exemplo, nos parece normal que o professor dê melhor nota ao aluno que estudou mais.

Essa lógica de pensamento tende a reduzir as desigualdades?

Dessa maneira se pode chegar a reduzir a desigualdade de oportunidades ou – digamos – conseguir mais oportunidades, mas sem dúvidas o que não se consegue é reduzir a desigualdade de posições. Nos últimos 40 anos nos Estados Unidos, por exemplo, os negros tiveram sem dúvidas mais igualdade de oportunidades. Que uma pessoa de origem negra chegue a ser presidente dos Estados Unidos ou, da mesma forma, que as mulheres tenham chegado a lugares de poder em empresas e na Justiça. Porém, durante esse mesmo período, dentro do grupo de origem negra e dentro do grupo de mulheres, as desigualdades nas posições sociais foram se aprofundando. Não é mesma coisa, são duas questões diferentes.

Como fica a ideia da diversidade nessas duas versões?

O êxito do modelo de igualdade de oportunidades está presente nas reivindicações das mulheres e, também, na reivindicação étnica. As minorias étnicas surgem de uma desigualdade de oportunidades: estigmatização, racismo, etc. E como as sociedades europeias e a norteamericana são cada vez mais pluriétnicas, a reinvidicação pela igualdade de oportunidades irá aumentar. O problema que se coloca nessa visão de justiça é que certamente é preciso lutar contra a discriminação. O problema desse modelo é que endurece as identidades étnicas porque não tentam incorporar sua identidade com o grupo para se colocar diante dos demais. As sociedades igualitárias e equitativas são menos discriminatórias que as inequitativas. Por exemplo, se os operários e trabalhadores são bem remunerados, o fato de que entre os trabalhadores haja mais negros é menos desvantajoso que se exista uma grande diferença de salários entreos os trabalhadores e as outras posições. A ideia, portanto, é que é preciso dar prioridades a redução das desigualdades sociais.

Qual das duas posições prevalece na sociedade atual? Há diferenças entre países ricos e pobres?

Falando dos países que conheço, os países europeus têm dado prioridade ao modelo das posições. Refiro-me aos países social-democratas, socialidtas, com partidos trabalhistas, onde a redução das desigualdades sociais se reduziu consideravelmente ao longo do século XX. Os países americanos que se formam a partir das ondas de imigração – sobretudo os Estados Unidos – inclinam-se muito mais para o modelo de igualdade de oportunidades. Por exemplo, nos Estados Unidos, a grande desigualdade está dada pela cor da pele. Na Europa, até os anos 80, a grande desigualdade se dava entre os patrões e os trabalhadores. Mas o modelo que vai se impondo hoje, sobretudo em função da globalização é o individualismo, ou seja o da igualdade de oportunidades.

Quais são as implicações dos modelos? Nos exemplos que você usa que consequências se têm em escolher uma ou outra estratégia?

As consequencias são muitas e a vida política se organiza de modo diferente. Em um modelo há um imaginário de classes sociais e no outro um imaginário de comunidade. No modelo da redução das desigualdades, o Estado de bem estar está muito mais presente. Na Europa há 15% mais de PIB de Estado providência. Uma grande diferença também é a tolerância em relação às desigualdades: quando se pergunta aos americanos se pensam que as desigualdades são excessivas, eles tendem a consideram que são bem menores do que os noruegueses, por exemplo. E, entretanto, são duas vezes maiores as desigualdades nos Estados Unidos do que na Noruega. Nos EUA, as pessoas estão convencidas de que o mérito é reconhecido, já na Europa, ao contrário, se acredita que o mérito não é reconhecido. Quando na realidade, há mais mobilidade social na Europa do que nos Estados Unidos. São modelos que estão na cabeça.

Se um aspecto central que diferencia estes modelos é o papel do Estado, como você acha que o Estado deveria agir para reduzir as desigualdades sociais?

O Estado deve intervir e, para isso, deve basear-se em informações corretas. É preciso ter um bom conhecimento e o Estado também deve ser inteligente. Há Estados como os escandinavos ou o canadense que podem ter governos conservadores, mas, entretanto, são muito inteligentes porque consegue reduzir as desigualdades e manter boa dinâmica econômica.

De que maneira?

Nos países escandinavos um desempregado irá manter a quase totalidade do seu salário, mas terá a obrigação de se capacitar e não pode rejeitar mais de que três propostas de trabalho. Os Estados inteligentes são igualitaristas, mas ao mesmo tempo exigem que a pessoas se mexam.

Ali se vê a responsabilidade pessoal... E em seu livro Repensar a justiça social, você afirma que “as pessoas tem uma dívida com a sociedade e a sociedade com os trabalhadores”.

É preciso estabelecer contratos. Vou de tar um exemplo muito interessante do que é política dânes [n.t: quem nasce na Dinamarca] de financiamento da educação. Todos os jovens daneses maiores de 18 anos recebem durante seis anos a metade do que necessitam, mas todos têm a obrigação de trabalhar. Ou seja, por um lado, são ajudados e, por outro, são estimulados. Esses seis anos podem ser aproveitados entre os 18 e os 54 anos.

Em que medida uma política fiscal progressiva ajuda na redução das inequidades? É suficiente essa iniciativa?

Penso que é suficiente e fundamental. Supõe uma progressividade e, além disso, um sistema de tributação sobre o patrimônio. Nos Estados Unidos há um imposto progressivo sobre os ganhos, sobre as entradas, mas não sobre o  patrimôno. As pessoas que possuem um salário alto – como eu – paga muito mais impostos. Isso me parece certo, mas pagamos muito mais impostos que as pessoas que tem casas, castelos, etc.

Como definir hoje a ideia de democracia quando persistem as desigualdades sociais e econômicas?

Se tomarmos o caso da Europa, as desigualdades são bem menores e se reduziram, ou seja, no ano de 1929 as desigualdades tinham outro tamanho. Quanto mais equitativa é uma sociedade, mas se tem o sentimento de coesão social e a democracia é mais forte. Mas há casos e casos. Os Estados Unidos é uma sociedade que está se tornando cada vez mais inequitativa e, entretanto, é uma sociedade democrática. O que é preciso defender hoje em dia é que certo grau de igualdade é bom tanto para os indivíduos como para a sociedade. Há um bom exemplo para a ecologia/economia que reduz o consumo ostentatório: não necessitamos dos carros 4x4 que circulam a 40 km/hora. A qualidade da escola é melhor se não está organizada como uma competição desportiva para se chegar ao primeiro lugar, parto das hipóteses de que a relação entre homens e mulheres é melhor se suas situações são mais ou menos comparáveis. As sociedades mais igualitarias são sociedades mais liberais, porque uma pessoa, em um sistema assim, pode decidir mais livremente sua vida do que em uma sociedade desigual. Depois de trinta anos de neoliberalismo, acredito que  a esquerda deveria questionar sua posição, já que não conseguiu fazer a revolução e hoje em dia ninguém quer fazer a revolução. O modelo da igualdade de oportunidades, que é um modelo justo em suas bases, o que na realidade faz é aprofundar as desigualdades.

Por quê?

Parte-se da ideia de que os individuos merecem o que lhes acontece; não há nenhum motivo pelo qual os vencedores não devam ter tudo o que tem e os vencidos não tenham nada. Faz uns 30 anos se observa na América Latina e também na França uma espécie de ódio aos pobres porque – em definitivo – não têm possuem nenhum mérito, não são qualificados, não estudaram quando tiveram oportunidade... é o antigo tema das “classes perigosas”.

Se é pobre do ponto de visto apenas econômico, ou há outros aspectos?

Os pobres são aquelas pessoas que não ascendem ao standard da vida da classe média. Economicamente, na realidade, não. Porque um francês pobre vive com quatro vezes com mais dinheiro que um brasileiro pobre ou dez vezes mais do que um africano. Pobre é aquele que não acende aos standards da classe média que são estabilidade social, família, saúde.

Com o qual vê reduzida sua capacidade meritocrática...

Quanto mais escola se lhes dá, mais ajuda social, mas se tornam essas pessoas merecedoras de sua pobreza...

Por que merecedoras?

Não é que mereçam, mas sim que se tem a ideia de que a merecem. São pobres porque não conseguiram ir bem na escola. Há também fenômenos que estão acontecendo agora na Europa, mas que já aconteceu faz tempo na América Latina: o da separação urbana, cidades que deixam de ter relações.

Quais deveriam ser os mecanismo dos Estados para provê-los e integrálos?

Políticas integrais?

Refiro-me a políticas sociais que sejam mais integradas e não focalizadas e assistenciais. O que está em debate na América Latina.

O desafio consiste em elaborar políticas que obriguem as pessoas a assumirem, assumir suas proprias responsabilidades. É preciso ajudar as pessoas, por exemplo, começarem um empreendimento, ocupar-se de sua educação, capacitar-se. Este é um tempo em que é preciso fazer com que as pessoas sejam capazes o que implica uma ruptura com o sistema anterior de assistência. Isso é bastante difícil porque, às vezes, as pessoas estão em situações de tal miséria que é muito difícil torná-las capazes.

Os Estados têm muitas políticas para aqueles que se encontram em situações de maior estabilidade. Um exemplo é o seguro desemprego. Que tipo de políticas sociais se pode aplicar para aqueles setores que estão fora de toda formalidade – como os imigrantes, no caso europeu – ou seja, que políticas formais do Estado de bem estar não os contempla?

O livro foi escrito na França, Europa, em países ricos. Não temos na Europa um equivalente do que na América se chama de setor informal. Há uma questão urbana que se dá, sobretudo, com os guetos étnicos e pobres, mas acredito que há ao redor de 5% de franceses que vivem nesses bairros.

E os imigrantes?

A maioria dos imigrantes não são pobres. Quando um imigrante pertence à classe média deixa de ser imigrante. Mas há concentrações de imigrantes e pobreza, o que não tem nenhum ponto de comparação com o que estudei faz vinte anos no Chile, onde 40% da população estava em estado de pobreza. Obviamente tudo isso depende de políticas de justiça social, mas também de politicas de desenvolvimento econômico. Se não há crescimento econômico, a ideia de partilhar socialmente a riqueza é inviável.

Você tem dito que o Estado de bem estar se correlaciona com a igualdade social, é necessário que ele se dê em países ricos?

Não, mesmo que se considere que a igualdade é mais fácil obtê-la quando se é mais rico. Há casos de países que são relativamente mais pobres, por exemplo, e que, entretanto, são equitativos. Se tomarmos o caso da América Latina, a tradição social aqui se fundamente na ideia de desigualdades muito grandes. Brasil, por exemplo, é um dos países menos equitativos do mundo. Quando se dá, por exemplo, o caso do crescimento econômico no governo Lula, nos últimos dez anos, no Brasil conseguiu reduzir as desigualdades sociais. Durante os últimos cinco anos, as desigualdades sociais na Argentina se reduziram um pouco, é difícil dizer ainda, mas mesmo reduzindo as desigualdades, é difícil imaginar que o Brasil se converta numa Noruega.

Por que considera que na Argentina se reduziram as desigualdades?

Porque, na essência, a redução das desigualdades foi conseguida graças à soja.

Depende, também é possível afirmar que a soja promoveu maior concentração econômica e o enriquecimento de um punhado de empresas.

É algo mecânico o que se produziu. Quando há crescimento econômico, os muito ricos se beneficiam muito, mas há um efeito de redistribuição. É difícil dizer porque na China, por exemplo, as desigualdades sociais se aprofundaram muito mais, mas os pobres são muito menos pobres. Há um efeito positivo do crescimento que é mecânico. O que não me agrada é os liberais de direita sustentarem que as políticas sociais eficazes são antieconômicas, isso não está certo. A Alemanha tem uma política economica muito forte e muito equitativa.

Frente à precarização do mercado de trabalho em curso nos últimos anos, como analisa os sindicatos?

Vou responder pensando na França. Nas grandes negociações, acredito que os sindicatos cumprem um papel positivo, mas se olharmos certos setores, creio que os sindicatos podem chegar a cumprir um papel que acabará aprofundando as desigualdades. Quando um sindicato protege algumas categorias profissionais, o que se faz é terceirizar e precarizar outras. Um  dos efeitos é, por exemplo, que na França os jovens são muito esquecidos. Quando alguém está bem em sua profissão, o sindicato o protege. Eu sou professor universitário, é impossível que me demitam, os jovens terão esperar que eu morra. Em algumas sociedades muito sindicalizadas às vezes se conseguem benefícios, mas também se acentuam as desigualdades na medida em que se favorecem determinados setores. A Argentina é um país conhecido por ter esse tipo de problemas. Mas se tivesse que escolhar entre sindicatos sim ou sindicatos não, eu diria “viva o sindicato”.

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