Por que Bento XVI irá a Assis

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13 Janeiro 2011

Joseph Ratzinger, em outubro próximo, irá a Assis, 25 anos depois do encontro de oração inter-religioso pela paz convocado por Karol Wojtyla. Em 1986, o encontro recebeu diversas críticas também de dentro da Cúria Romana: "Assim abre-se o caminho ao indiferentismo e ao relativismo religioso", era a opinião de muitos e, segundo alguns, também era a opinião do então prefeito do ex-Santo Ofício. E hoje? Por que Bento XVI vai a Assis? Não é alimentada, desse modo, a ideia de que uma religião vale pela outra? E depois: é justo dialogar com o Islã sem um explícito compromisso com o reconhecimento da liberdade religiosa para os cristãos nos países muçulmanos?

A reportagem é de Paolo Nodari, publicada no jornal Il Foglio, 12-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O historiador Giovanni Maria Vian dirige o L`Osservatore Romano. Diz: "A decisão de ir a Assis é uma consequência lógica da linha que o Papa sempre teve nas relações com as outras religiões desde a eleição: confronto amigável e, ao mesmo tempo, insistência sobre a necessidade de que seja garantida a todos a possibilidade de ser o que são, enfim, a `liberdade religiosa`. Assis, nesse sentido, é um evento simbólico, que, porém, se prestou a interpretações equivocadas e esclarecidas com a declaração Dominus Iesus, do ano 2000. E, em 2002, foi o cardeal Ratzinger que acompanhou o Papa à cidade de São Francisco. No dia 20 de abril de 2005, no dia após a eleição, Bento XVI pediu `um diálogo aberto e sincero` com as outras culturas e religiões. No dia 20 de agosto do mesmo ano, em Colônia, encontrou-se com alguns muçulmanos e pediu a mesma coisa. Disse-lhes: `Nós queremos buscar os caminhos da reconciliação e aprender a viver respeitando cada um a identidade do outro. A defesa da liberdade religiosa, nesse sentido, é um imperativo constante, e o respeito às minorias, um sinal indiscutível de verdadeira civilidade`. Depois de Colônia, em 2006, foi a Regensburg. O centro da `lectio` papal não foi o Islã, mas sim a ligação entre fé e razão. A meu ver, naquela ocasião, o Papa foi instrumentalizado. A sua linha era, ao contrário, a mesma de sempre: `Nemo impediatur, nemo cogatu`", disse Paulo VI, sintetizando a Dignitatis humanae. Ou seja, que ninguém seja impedido, que ninguém seja obrigado. Nesse sentido, é importante que todos gozem de uma efetiva liberdade de religião. Mas também é importante o diálogo. Assis é tudo isso."

A propósito, diz Antonio Socci: "Penso que Assis seja, em certo sentido, um cumprimento de Regensburg, digamos, o outro lado da moeda. Na Alemanha, o Papa disse a verdade: não pode haver fé sem razão. Mas disse isso estendendo a mão ao Islã. Essa mão estendida, porém, não foi acolhida. Hoje, em Assis, é isso que Ratzinger faz. Volta a estender a mão, mesmo sem renegar a verdade".

Segundo alguns críticos, e não só na área mais tradicionalista da Igreja, rezar juntos pode criar confusões e corre o risco de diluir as diferentes identidades, a identidade católica sobretudo. Diz Vian: "Todo encontro entre religiões apresenta riscos. Tudo depende, porém, de como é pensado e apresentado. Ratzinger obviamente sabe aquilo que faz. Não nos esqueçamos de que foi ele que assinou a declaração Dominus Iesus dedicada à unicidade e à universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja. Era a doutrina do Vaticano II e de sempre. Uma doutrina inequívoca. Em Assis, tudo isso estará bem presente".

Na Cúria, muitos se lembram de quando Ratzinger foi a Assis em 2002, para uma reedição do encontro de 1986. Ele acompanhou Wojtyla. No retorno, disse a Andrea Riccardi, chefe da Comunidade de Santo Egídio, que, desde 1986, havia continuado a convocar anualmente os líderes religiosos: "Estou muito contente. Tudo ocorreu da forma mais justa".

Uma vez em Roma, Ratzinger escreveu as suas reflexões para a revista 30Giorni, parecendo uma resposta indireta àquelas críticas. Explicou que Assis era "um esplêndido sinal de esperança". Disse que os cristãos "não devem temer" encontros semelhantes, porque Assis não era "uma autorrepresentações de religiões que seriam intercambiáveis entre si. Não se tratou de afirmar uma igualdade das religiões, que não existe. Assis foi, ao contrário, a expressão de um caminho e de uma busca pela paz que só é tal se unida à justiça".

Em suma: que venha Assis, contanto que os bons propósitos sejam acompanhados pela afirmação dos direitos dos indivíduos. A "ausência de guerra", escreveu o Papa, também "pode ser só um véu por trás do qual se escondem injustiças e opressão". Portanto, mesmo ainda hoje, Assis é um tema que provoca muitas discussões no Vaticano. Nem todos, até na Cúria, o digerem. Fora da Cúria, os mais acérrimos inimigos de Assis são os lefebvrianos. Nas últimas horas, Dom Bernard Fellay, chefe da Fraternidade de São Pio X, disse: "Um calafrio passou pela minha coluna vertebral quando soube que o Papa irá a Assis. Procura-se negar aquilo que ocorreu da primeira vez". O quê? A acusação é aquela que Marcel Lefebvre fez em primeiro lugar. Foi ele, em 1986, dois anos antes da excomunhão papal, que pressionou em uma acusação da qual depois os encontros posteriores procuraram se somar: o sincretismo.

Foi nesses dias que foi divulgada uma foto que chocou a muitos: uma teca com uma estátua de Buda no altar da igreja de São Pedro, em cima das relíquias do mártir Vitorino, morto, 400 anos depois de Cristo, por testemunhar a sua fé.

Na última terça-feira, no jornal Il Foglio, alguns católicos pediram que o Papa não reacenda, indo a Assis, as confusões sincretistas. Filippo Di Giacomo escreveu no L`Unità e assinou o apelo do Il Foglio. Diz: "É difícil entender por que o Papa vai a Assis. Certamente, há uma estrutura dialógica oficial na Igreja que sente a necessidade de ser visível por meio da realização de gestos desse tipo. Mas a pergunta de fundo continua sendo uma: para que servem esses encontros? O que deixam? Além do risco de que haja quem, até na Igreja, pense que Deus seja alguém que tem um nome que muda de acordo com a religião que o professa, há um elemento muito concreto que não se deve subestimar. E é o fato de que encontros como o de Assis mostram aos olhos dos fiéis de outras religiões um catolicismo frágil, gentil, que faz questionar: não é que todo esse florescimento de mártires cristãos é um fruto perverso dessa fase dialogante?".

 

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