De frente com o Cardeal Blase Cupich, arcebispo de Chicago

Foto: Fast Families | Flickr CC

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

05 Setembro 2017

Na primeira vez que teve a oportunidade de remodelar a hierarquia católica nos EUA, o Papa Francisco voltou-se a um bispo obscuro de Spokane, Washington, e em 2014 o fez arcebispo de Chicago, a terceira maior diocese no país, com cerca de 2.3 milhões de católicos.

Francisco disse que buscava pastores que cheiravam a ovelhas, e encontrou isto em Blase Cupich.

A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por Religion News Service, 31-08-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Em uma recente entrevista concedida por Cupich [1], temos uma porta de entrada para a interioridade daquele que o Papa Francisco declarou cardeal em 2016. (Os excertos a seguir foram editados para fins de clareza e extensão.)

Como todo bom jornalista, o entrevistador Bob Herguth procurou ver o que o cardeal-arcebispo pensa sobre temas polêmicos: desde quantas paróquias e escolas ele estaria fechando, até o que pensa do presidente Trump e como está lidando com a máquina política de Chicago.

O que vemos ao longo da entrevista é uma pessoa calma, feliz e aberta, que não tenta impor suas opiniões, mas que deseja ouvir e trabalhar com o povo.

“Eu reservo um momento para conversar com as pessoas”, disse ele, “e aprendo muito”. Frases assim parecem vir naturalmente dele. “Eu gosto das pessoas”, conclui. “Gosto do que faço”.

Quando perguntado sobre o fechamento de paróquias, disse que estas decisões não serão tomadas somente com base nas finanças ou no departamento pessoal, embora estes aspectos terão de fazer parte das conversas.

“Para mim, o verdadeiro objetivo é como fazermos comunidades religiosas vibrantes e vigorosas, que sejam sustentáveis no longo prazo”. O religioso quer ver o povo e as paróquias focados na tarefa tripla de “fazer discípulos, edificar comunidades e inspirar o testemunho de forma que as pessoas vivam a fé no mundo”.

Mas não há nenhum plano pré-arranjado, pelo contrário. Ele pede que as paróquias estudem a situação e apresentem um plano a ser aprovado. Isso talvez exija fazer com que as paróquias cooperem de um jeito que nunca fizeram antes. Cupich busca novas abordagens, não apenas preservar o status quo.

Ao falar sobre os que não frequentam mais a igreja, o cardeal-arcebispo não foi condenatório, mas reconheceu que as pessoas têm “mais opções para ocupar o tempo livre. Muitas delas estão exaustas por terem um ou dois empregos e cuidar dos filhos”. Ele observou que caiu a participação em todas as organizações de voluntariado também.

“Ao mesmo tempo, as pessoas têm situações específicas com a religião. Será que as comunidades de fé, que fizeram parte da história familiar delas, continuam nutrindo-as hoje?” E continuou: “As pessoas estão em busca de um modo em que a vida espiritual delas possa ser aprofundada. Elas encontram isso em algumas das nossas paróquias católicas e, às vezes, não em outras, o que abre as portas para irem a outros lugares”.

Em resposta a uma pergunta sobre Trump, Cupich diplomaticamente respondeu: “Gosto de falar sobre temas mais do que pessoas”.

“Vivemos em uma democracia, e temos os líderes que merecemos, porque nós os elegemos”, disse. Ao invés de se queixar dos líderes, o religioso gostaria de ver as pessoas se envolvendo nos processos. “Ainda temos um comparecimento muito baixo de eleitores, uma participação muito pequena no domínio político. Se não gostam dos seus líderes, as pessoas deveriam continuar envolvidas no processo”.

Com respeito aos políticos locais, Cupich quer ajudar as pessoas a terem confiança e a conversar entre si. “Vemos uma polarização, não somente aqui em Chicago, mas em todo o país entre a população, não só entre os políticos”. Quer ser um instrumento de aproximação das pessoas. “Quero ser um parceiro dos líderes empresariais, trabalhistas, civis, de fundações e outras igrejas para que possamos trabalhar juntos (...) Se posso conversar com todas estas pessoas e consigo ter algo em comum, talvez eu possa fazê-los ver que elas também têm algo em comum entre si quando nos juntamos”.

Quando perguntado sobre o decreto de Dom Thomas Paprocki, bispo de Springfield, que proibiu a realização de funerais para pessoas envolvidas em casamento homoafetivo, Cupich falou que esta não é a norma em Chicago.

E quanto a funerais para membros da máfia, perguntou Herguth. Cupich explicou que os funerais não têm a ver com prestar homenagens ao falecido, mas a confortar as famílias. Para uma pessoa notória que causou grandes danos à comunidade, a resposta adequada poderia ser uma cerimônia simples, privada, que não glorifique a sua vida. Mas “confortar as pessoas enlutadas é um trabalho importante da Igreja”, disse.

Perguntado sobre se sentia falta do trabalho paroquial, o cardeal-arcebispo descreveu a sua caminhada diária para o trabalho. “Acho que não passa um dia sem que alguém me pare na rua e diga olá, e me peça para rezar por ela. Eu reservo um momento para conversar com as pessoas”, completou. “Então, embora não tenha uma paróquia com fronteiras, eu tenho uma paróquia em termos de pessoas que encontro em meu próprio ministério pastoral”.

Cupich falou de uma mulher que encontrou um dia antes da entrevista e que estava tendo dificuldades para completar o último ano na Universidade Loyola. O religioso a encorajou: “A graça do Senhor a fez chegar até este ponto; ele não vai abandoná-la agora”. Por outro lado, “às vezes as pessoas só querem tirar uma selfie, e isso também é legal”.

A resposta de Cupich à última pergunta foi talvez a mais reveladora. “O que o senhor diz aos que duvidam da existência de Deus?”

Considerando que ele vê a fé como um dom divino, “quando as pessoas fazem um grande esforço, ou quando sentem que não possuem nenhuma fé, eu não devo dizer: ‘Ora, a culpa é delas’”. Em vez disso, Cupich fala: “Ainda há uma fome por mais em sua vida. Sempre há. Permaneça em contato com isso, e seja a melhor pessoa que pode ser”.

O religioso lembrou ainda que “alguns dos maiores cristãos que conheço são pessoas que, na verdade, não têm um sistema de crenças em que acreditam, mas que, na atividade delas, na forma como conduzem suas vidas, existe uma bondade”. O que ele tenta fazer é incentivar que isso aconteça. “Como Deus permite isso amadurecer a seu próprio modo, isto só ele sabe. Eu aprendo com as pessoas que dizem que não acreditam e que, no entanto, são pessoas muito boas”.
Sim, eis uma pessoa que gosta das pessoas e desfruta o seu trabalho.

Nota:

[1] Face to Faith Episode 19 - Cardinal: Some of ‘greatest Christians I know’ don’t have ‘faith system'

Leia mais