14 Mai 2025
Prevost, de sonoridade francesa, intrigou Jari Honora, genealogista de Nova Orleans, que começou a investigar os arquivos e descobriu que o papa tinha raízes profundas na Big Easy.
A reportagem é de Jack Brook, Deepa Bharath publicada por National Catholic Reporter, 11-05-2025.
Todos os quatro bisavós maternos do Papa Leão XIV eram “pessoas livres de cor” na Louisiana, segundo registros censitários do século XIX, conforme encontrou Honora. Como parte do caldeirão de culturas francesa, espanhola, africana e indígena americana da Louisiana, os ancestrais maternos do papa seriam considerados crioulos.
“Foi especial para mim porque compartilho essa herança e muitos dos meus amigos católicos aqui em Nova Orleans também”, disse Honora, que é historiador na Historic New Orleans Collection, um museu no French Quarter.
Honora e outros membros das comunidades católicas negras e crioulas dizem que a eleição de Leão — um nativo de Chicago que passou mais de duas décadas no Peru, incluindo oito anos como bispo — é exatamente o que a Igreja Católica precisa para unificar a Igreja global e dar visibilidade aos católicos negros, cuja história e contribuições há muito são negligenciadas.
Leão, que ainda não falou publicamente sobre suas origens, pode também ter uma conexão ancestral com o Haiti. Seu avô, Joseph Norval Martinez, pode ter nascido lá, embora os registros históricos sejam contraditórios, disse Honora. No entanto, os pais de Martinez — os bisavós do papa — já viviam na Louisiana desde pelo menos a década de 1850, segundo ele.
Andrew Jolivette, professor de sociologia e Estudos Afro-Indígenas na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, fez sua própria pesquisa e descobriu que a ancestralidade do papa reflete o tecido cultural único do sul da Louisiana. As raízes crioulas do papa chamam atenção para as identidades complexas e sutis que os crioulos possuem, disse ele.
“Há ascendência cubana por parte materna. Então, há vários marcos inéditos aqui, e isso é motivo de orgulho para os crioulos”, disse Jolivette, cuja família é crioula da Louisiana. “Por isso, também o vejo como um papa latino, porque a influência da herança latina não pode ser ignorada na conversa sobre os crioulos”.
A maioria dos crioulos é católica e, historicamente, foi a fé que manteve as famílias unidas enquanto migravam para cidades maiores, como Chicago, disse Jolivette.
Os avós maternos do então cardeal Robert Prevost — identificados como “mulato” e “negro” nos registros históricos — se casaram em Nova Orleans em 1887 e viveram no Sétimo Distrito, tradicionalmente crioulo da cidade. Nos anos seguintes, o regime de segregação racial das leis Jim Crow revogou as reformas do pós-Guerra Civil e “praticamente todos os aspectos da vida deles passaram a ser determinados pela raça, estendendo-se até mesmo à Igreja”, disse Honora.
Os avós do papa migraram para Chicago por volta de 1910, como muitas outras famílias afro-americanas que deixavam a opressão racial do sul profundo, e “se passaram por brancos”, contou Honora. A mãe do papa, Mildred Agnes Martinez, nascida em Chicago, foi identificada como “branca” em sua certidão de nascimento de 1912, disse ele.
“É compreensível — as pessoas podem ter buscado intencionalmente obscurecer sua herança”, afirmou. “A vida sempre foi precária para pessoas negras no sul, incluindo Nova Orleans”.
A antiga casa dos avós do papa em Nova Orleans foi posteriormente destruída, junto com centenas de outras, para a construção de um viaduto, que “aniquilou” um trecho do bairro majoritariamente negro nos anos 1960, segundo Honora.
Um ex-prefeito de Nova Orleans, Marc Morial, chamou a história da família do papa de “uma história americana de como as pessoas escapam do racismo e da intolerância americanos”.
Morial, católico com herança crioula que cresceu perto do bairro onde os avós do papa viveram, disse ter sentimentos contraditórios. Embora se orgulhe da ligação do papa com sua cidade, Morial afirmou que a mudança na identidade racial da família materna do novo pontífice evidencia “a ideia de que, nos Estados Unidos, as pessoas precisavam fugir de sua autenticidade para conseguir sobreviver”.
Pe. Ajani Gibson, que lidera a congregação predominantemente negra da Igreja de São Pedro Claver, em Nova Orleans, disse ver as raízes do papa como uma reafirmação da influência afro-americana no catolicismo de sua cidade.
“Acho que muita gente toma como certo que as coisas que mais amam em Nova Orleans são, ao mesmo tempo, negras e católicas”, disse Gibson, referindo-se às ricas contribuições culturais para o Mardi Gras, à tradição do jazz de Nova Orleans e aos desfiles de bandas de metais conhecidos como second-lines.
Ele esperava que a herança crioula do papa — emergida do “caldeirão cultural” da cidade — sinalize uma visão inclusiva para a Igreja Católica.
“Quero a elevação contínua do caráter universal da Igreja — que a Igreja tenha aparência, sentimento e som de todo mundo”, disse Gibson. “Todos temos um lugar e trazemos quem somos, plena e totalmente, como dons para a Igreja.”
Shannen Dee Williams, professora de história na Universidade de Dayton, disse que espera que “as raízes genealógicas de Leo e seu pontificado histórico destaquem que todos os caminhos do catolicismo nas Américas — do Norte, Sul e Central — levam de volta às raízes fundacionais da Igreja em suas histórias, em grande parte não reconhecidas e não reconciliadas, de colonialismo católico, escravidão e segregação”.
“Sempre houve duas histórias transatlânticas do catolicismo nas Américas: uma que começa com os europeus e outra que começa com africanos e pessoas de descendência africana, livres e escravizadas, vivendo na Europa e na África no século XVI”, disse Williams. “Assim como a história negra é parte da história americana, a história de (Leo) também nos lembra que a história negra é, e sempre foi, parte da história católica — inclusive nos Estados Unidos”.
Kim R. Harris, professora associada de Pensamento e Prática Religiosa Afro-Americana na Loyola Marymount University, em Los Angeles, disse que a genealogia do papa a fez pensar nos sete católicos afro-americanos em processo de canonização, reconhecidos pelo Congresso Nacional Católico Negro, mas que ainda não foram canonizados.
Harris destacou Pierre Toussaint, um filantropo nascido no Haiti como escravizado que se tornou um empreendedor na cidade de Nova York e foi declarado “Venerável” pelo Papa João Paulo II em 1997.
“O entusiasmo que sinto neste momento provavelmente tem a ver com a esperança de que a eleição deste papa ajude a impulsionar o processo de canonização”, disse Harris.
Embora não se saiba como o papa Leo se identifica racialmente, suas raízes trazem um senso de esperança para os católicos afro-americanos, disse Harris.
“Quando penso em uma pessoa que carrega tanta da história deste país nos ossos, realmente espero que isso ilumine quem somos como americanos e quem somos como pessoas da diáspora”, disse ela. “Isso traz uma nova perspectiva e amplia a visão de quem todos nós somos”.
Reynold Verret, presidente da Xavier University of Louisiana, em Nova Orleans — a única universidade historicamente católica e negra — disse que ficou “um pouco surpreso” com a herança do papa.
“É uma conexão alegre”, disse ele. “É uma afirmação de que a Igreja Católica é verdadeiramente universal e de que os católicos negros permaneceram fiéis apesar de uma Igreja humana e imperfeita. Também nos mostra que a Igreja transcende as fronteiras nacionais”.