22 Dezembro 2023
“Estou feliz. E, como católico homossexual, considero esse ato de Francisco disruptivo.” Aurelio Mancuso, ex-presidente nacional da Arcigay e fundador da rede Equality Italia pelos direitos civis, não esconde seu entusiasmo pela aprovação do documento Fiducia suplicans, no qual a Igreja se abre formalmente à bênção aos casais do mesmo sexo.
Uma decisão que, para Mancuso, rompe com uma tradição de discriminação e que também leva em conta o desconforto das gerações mais jovens.
A reportagem é de Eleonora Camilli, publicada por La Stampa, 20-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que é a bênção para uma pessoa homossexual?
Ela tem um significado enorme. Com esse ato, são apagados séculos de discriminação contra pessoas gays e lésbicas. Para quem não crê, pode parecer um ato tímido demais, mas para a Igreja Católica é disruptivo, apesar de ainda estar em vigor o catecismo que fala da homossexualidade como uma desordem. O Papa Francisco imprime uma aceleração: a bênção aos casais irregulares, ou seja, aos casais divorciados e aos casais homossexuais é um fato importante.
O que muda concretamente?
Muda muitíssimo. Muda o paradigma da cultura dentro da Igreja Católica. Ninguém mais poderá fingir que nada aconteceu. Há oito anos, meu parceiro e eu fizemos a bênção das alianças em uma pequena igreja em Roma. Na Itália, já havia atos de acolhida não formalmente reconhecidos. Agora, a bênção passa a ser um ato disciplinado e reconhecido, não é mais clandestino.
Você considera isso uma mensagem política do papa?
Falar de política dentro da Igreja é complexo, porque não existem os mesmos pressupostos. Trata-se de um ato de forte testemunho. Uma decisão assim tem uma dimensão que também rompe a tradição. A doutrina ainda não mudou, mas esse é um passo à frente em relação ao que a Igreja tem sido ao longo dos séculos. E os católicos italianos estão prontos para acolher a mudança. Além disso, o papa tomou essa decisão enquanto já havia uma discussão aberta dentro do Sínodo. É a prova de uma vontade muito forte de Francisco. Isso era impensável até alguns anos atrás.
Surgiram críticas entre as pessoas laicas, assim como entre os católicos.
Como católico homossexual, posso lhes dizer que é algo muito grande, não porque eu precise de uma aceitação da hierarquia, mas porque penso nos muitos irmãos e irmãs que continuam sofrendo com uma atitude equivocada da Igreja. Acredito que o papa pensou na ansiedade que muitos sentem, especialmente os mais jovens. Durante seu pontificado, ele recebeu diversos casais gays e hoje nos demonstra que entendeu o sofrimento deles, decidindo superar a horrenda discriminação e a perseguição que existiu nos tempos passados. Não se pode esperar mais do que isso.
O documento exclui claramente o matrimônio.
A Igreja não é um lugar onde se possa reivindicar direitos. Eu exijo o casamento igualitário do Estado. Na Igreja, quero ser acolhido. Não estou interessado no matrimônio da Igreja, que é um sacramento, tem uma tradição própria, com uma tarefa específica. Sou orgulhosamente diferente dentro da Igreja, não menos do que outros, mas diferente.
E, em nível de sociedade, onde estamos em termos de direitos?
A sociedade está pronta. Se, depois das uniões civis, o casamento igualitário fosse aprovado hoje, ninguém teria problemas.
É a política que está fugindo de suas responsabilidades?
Nos partidos, estamos na mesma: grande timidez à esquerda, porque se tem medo de incomodar algumas sensibilidades, divisões à direita. Uma parte da direita é a favor, mas não se faz protagonista, e uma parte grosseira e horrenda alimenta a homofobia.
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Bênção aos casais LGBT: “O papa apaga séculos de discriminação” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU