Como o neoliberalismo implodiu a esquerda. Entrevista com Bruno Amable

Emmanuel Macron (Foto: Jacques Paquier / Flickr CC)

04 Novembro 2021

 

Uma esquerda esmigalhada e enfraquecida, uma direita tradicional que encontra dificuldades para encontrar um lugar entre a Macronia e a extrema direita, um polemista potencialmente candidato, condenado por incitamento ao ódio, cujo crescimento nas pesquisas espalha histeria no panorama midiático... A França vive um verdadeiro caos político. Chegou-se a esta situação após um longo processo social, econômico e político, iniciado há quarenta anos, que o economista e professor de economia política na Universidade de Genebra Bruno Amable relata em seu último livro, La résistible ascension du néolibéralisme (A resistível ascensão do neoliberalismo), publicado em meados de outubro pela editora La Découverte.

 

A entrevista é de Jean-Christophe Catalon, publicada por Alternatives Économiques, 30-10-2021. A tradução é de André Langer.

 

Eis a entrevista.

 

A eleição presidencial de 2017 provocou a derrota dos dois principais partidos de governo, de modo especial o colapso do Partido Socialista (PS), e abriu caminho para a chegada ao poder de um candidato sem partido: Emmanuel Macron. Na sua opinião, a crise política não surgiu neste momento. Pelo contrário, começou no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Por quê? E qual é a causa?

 

Eu defino a crise política como o desaparecimento ou a ruptura de um bloco social dominante e estável. Esse processo vem ocorrendo pelo menos desde o início da década de 1980 por várias razões.

 

Existem, em primeiro lugar, razões internas: os blocos sociais, da maneira como os defino com Stefano Palombarini, não são homogêneos; eles são constituídos por grupos sociais definidos por uma proximidade de expectativas em termos de políticas públicas ou de mudança institucional. Muitas vezes, esses grupos podem estar vinculados a definições socioprofissionais (empregados, operários, gestores públicos ou privados, agricultores, etc.), mas nem sempre é assim.

 

Dentro de um bloco social, os grupos sociais têm expectativas diferentes; a dinâmica econômica afetará os grupos sociais de maneira diferenciada, favorecendo a ascensão de alguns ou levando ao declínio de outros. Isso terá consequências para a estabilidade do bloco social. E, como os interesses de cada grupo não fluem para os mesmos objetivos, inevitavelmente surgem tensões dentro do bloco.

 

Os blocos tradicionais, nomeadamente o bloco de esquerda e o bloco de direita, estiveram sujeitos a essas tensões. Do lado do bloco de esquerda, estão materializadas nas respectivas representações políticas do PS e do PCF (Partido Comunista Francês), especificamente a aspiração a uma espécie de socialdemocracia cada vez mais moderada para o primeiro partido e a esperança de uma transição para o socialismo para o segundo.

 

Do lado da direita, as tensões são menos visíveis, mas também existiram, especialmente a partir da década de 1980, quando alguns grupos sociais são favoráveis a uma transformação neoliberal cada vez mais radical do modelo socioeconômico francês, enquanto outros grupos sociais do mesmo bloco estão bastante satisfeitos com o modelo e preferem preservá-lo. Essa tensão é mais subterrânea e não assumirá a forma de ruptura política que veremos na esquerda.

 

Além disso, ao chegar ao poder em 1981, a esquerda terá de gerir esta tensão interna e muito rapidamente optará por uma transformação não brutal, mas sensível ao modelo socioeconômico, assumindo a forma de uma “modernização”, que se tornará cada vez mais, na realidade, uma transição neoliberal. Ao mesmo tempo, do lado do bloco de direita, os partidários da transformação neoliberal radical se sentirão confortados pelos exemplos contemporâneos dos países anglo-saxões, com Thatcher e Reagan.

 

Essas tensões amadurecerão ao longo das décadas e ajudarão, principalmente na esquerda, a romper o bloco. Isso se traduzirá nos resultados lamentáveis do antigo principal partido de esquerda, o PS, especialmente em 2017.



Você fala em “neoliberalismo”, termo muitas vezes confundido com ultraliberalismo, a ideia de que deveria haver pouco ou nenhum Estado. No entanto, trata-se de dois conceitos diferentes.

 

O neoliberalismo é uma escola de pensamento, uma doutrina. É uma tentativa de renovar o pensamento liberal, que conheceu uma crise entre o final do século XIX e a década de 1930. Há uma vontade, entre as pessoas que aderem à tradição liberal, de abandonar o laisser-faire e de encontrar uma nova organização da sociedade.

 

Nesta concepção, o Estado tem um papel fundamental que é, em suma, promover e preservar o mercado concorrencial, bem como lutar contra os “privilégios” – entendidos como as proteções contra o rigor da concorrência, ou, dito com outras palavras, os trabalhadores considerados muito bem protegidos pela legislação trabalhista serão qualificados como “privilegiados”.

 

Toda a retórica “insider vs. outsider”, que o PS vai colocar no lugar da luta de classes, também decorre disso: os “outsiders”, submetidos a contratos precários (CDD, interino), estariam em desvantagem em relação aos “privilegiados”, que seriam os “insiders”, isto é, aqueles que se beneficiam de uma certa estabilidade de emprego (contratos permanentes, funcionários públicos).



No livro, você enfatiza a importância da França no desenvolvimento dessa doutrina. Como explicar que os líderes políticos dos dois lados, da direita, mas especialmente da esquerda, aderem a ela?

 

A França tem uma antiga tradição liberal, então não é surpreendente encontrá-la na tentativa de renovar esse pensamento. Circunstâncias históricas convergiram para que o Colóquio Lippmann (1), que muitos consideram o evento fundador do neoliberalismo, fosse realizado em Paris.

 

Há uma peculiaridade francesa, especialmente quando olhamos para os participantes franceses deste colóquio: para muitos, eles são engenheiros e patrões. Na Alemanha, por exemplo, os círculos neoliberais tendiam a ser compostos por acadêmicos, economistas e juristas. Haverá uma espécie de neoliberalismo administrativo na França, um neoliberalismo de engenheiros, que veem na promoção de mercados concorrenciais um fundamento para a ação racional do Estado.

 

O famoso dirigismo do pós-guerra pode ser considerado uma espécie de neoliberalismo, apesar do aspecto paradoxal dessa afirmação. Quando Maurice Allais (Prêmio Banco da Suécia de 1988) fala de “planejamento concorrencial”, surge a ideia de que o mercado concorrencial perfeito não existe na realidade, mas o Estado pode intervir de maneira racional para que isso aconteça.

 

Este modernismo de estilo francês irá gradualmente se transformar e degenerar em uma espécie de neoliberalismo. E tudo o que poderia ser progressivo no plano social no modernismo aos poucos dará lugar ao neoliberalismo clássico.

 

Por exemplo, o grande nome do modernismo do pós-guerra é Pierre Mendès France. Num famoso discurso à Assembleia Nacional, ele critica a assinatura do Tratado de Roma, dizendo essencialmente o seguinte: se a livre circulação de capitais se concretizar, será o fim do Estado-providência. No entanto, uma das coisas que Jacques Delors, que é apresentado como o herdeiro de Pierre Mendès France, vai realizar quando, como presidente da Comissão Europeia, vai iniciar a união monetária, é justamente a liberdade de circulação de capitais, não apenas dentro da Europa, mas também em relação ao resto do mundo.

 

A crise dos anos 1970 terá o papel de revelar e atualizar brutalmente as tensões entre as lideranças de esquerda sobre os rumos que o modelo socioeconômico deve tomar. Alguns deles, especialmente os partidários da segunda esquerda (Jacques Delors, Michel Rocard...), provavelmente estão convencidos de que intervenções como as nacionalizações são muito ruins, porque seria uma estatização que levaria à esclerose – em certo sentido, essa crítica não está muito distante da crítica dos neoliberais originais, que recusaram tanto o laissez-faire, “a economia de comando” e a planificação centralizada. Preferem um modo de gestão que inclua o “diálogo social” mas que, na realidade, deixe as decisões estratégicas aos “competentes”, aos “especialistas”.

 

A crise vai de alguma forma exacerbar as tensões que existiam na esquerda e empurrar este campo modernista neoliberal – talvez mesmo sem se dar conta disso – a apresentar cada vez mais soluções neoliberais vistas como tentativas de sair da crise.



Sendo as políticas neoliberais uma fonte de divisão dentro dos blocos, você explica no livro que os governos fizeram uma espécie de compromisso: continuar a transformação, ao mesmo tempo que tentar agradar ou poupar sua base. A direita direcionou as reformas para os ferroviários e o funcionalismo público, enquanto a esquerda liberalizou as finanças e privatizou tudo enquanto implementava as 35 horas. Deste ponto de vista, os cinco anos de mandato de François Hollande constituíram uma ruptura. Por quê?

 

Durante muito tempo, o PS foi ambíguo quanto às suas intenções. Na verdade, ele tentou seguir simultaneamente duas estratégias.

 

Um visava à preservação do bloco de esquerda, porque isso era necessário para garantir a vitória eleitoral e a estabilidade do poder.

 

A outra consistia em renovar o bloco, ou seja, ter consciência de que, dado o rumo que o modelo socioeconômico estava tomando – a desindustrialização reduziu o peso dos operários, por exemplo –, era necessário ter uma base social diferente, e, portanto, buscar o apoio de grupos sociais que antes estavam vinculadas ao bloco de direita, especialmente entre as pessoas financeiramente confortáveis, diplomadas e que têm posições políticas mais moderadas.

 

Há também uma razão sistêmica: depois de um tempo, as transformações neoliberais nos bens e serviços, no campo financeiro etc., acabam tendo consequências em áreas que são cruciais para os grupos sociais de esquerda, a saber: a proteção social e a relação de trabalho. Resumindo: depois de terem neoliberalizado tudo o que podiam, chega um momento em que a dinâmica inerente à mudança intencional exigirá transformações em áreas que são áreas cruciais para o bloco de esquerda.

 

Portanto, quando François Hollande chega ao poder, tudo o que lhe resta a fazer é: tentar voltar atrás, ou continuar o movimento, o que significa atacar áreas cruciais para a existência do bloco de esquerda.

 

A sua escolha – que na realidade tem sido sua desde o início, pois ele defendeu este projeto de sociedade desde a década de 1980 – é, então, continuar o movimento, mesmo que isso signifique perder o seu bloco, mas com a esperança de renová-lo com a adesão de grupos sociais suficientes para compensar a perda daqueles que estão mais apegados a uma política de esquerda mais tradicional. Claramente, para se separar da fração popular do bloco de esquerda para conquistar os grupos abastados e qualificados do bloco de direita. Uma esperança que ele visivelmente julgou mal.



François Hollande e Jacques Delors sonharam com isso; Emmanuel Macron, ao contrário, ao reunir os “intelectuais de todos os campos” e preenchendo o “vazio centrista”, acabou realizando isso em 2017. Para você, essa não foi a aliança mais óbvia na época, mas, se conseguiu formá-la, foi também porque a estratégia antielite de Marine Le Pen foi bem-sucedida, exibindo uma nova oposição que substitui a divisão direita-esquerda.

 

Marine Le Pen de certa forma deu credibilidade à estratégia de Emmanuel Macron. Este último só poderia ter sucesso se o candidato do partido En Marche pudesse encarnar verdadeiramente o bloco modernizador, que denomino, com Stefano Palombarini, de “bloco burguês”, ou seja, a aliança entre as classes médias ricas e qualificadas da esquerda e da direita. Duas coisas conspiraram a seu favor.

 

No início, Emmanuel Macron foi visto como um outsider na política, o que de fato era. Mesmo estando em círculos de poder na época de François Hollande, ele não parecia ser alguém que tinha uma ascendência socialista, nem de direita afirmada. É por esta razão que ele teve sucesso lá onde Jacques Delors ou François Bayrou falharam.

 

O outro elemento é, efetivamente, a necessidade de criar uma polarização e aparecer como aquele que vai se opor a algo que é o contrário da transformação moderna do modelo socioeconômico. Pela primeira vez, a coadjuvante nesta história é Marine Le Pen. Ela encarnou a resistência à Europa ali onde a Europa parecia ser o vetor da modernização. Ela parecia estar olhando para trás, ali onde Emmanuel Macron parecia estar olhando para o futuro. Assim, ela tornou possível marcá-lo como o candidato ideal do bloco burguês.

 

Também está claro que essa era a estratégia que ele estava usando: ir para o segundo turno contra Marine Le Pen, dizendo: “de qualquer maneira tenho certeza de que vou ganhar se o confronto for com ela”.

 

No entanto, a candidata do RN [movimento Rassemblement National] não conseguiu formar um bloco antiburguês. Poderíamos pensar que, uma vez que existe um bloco burguês, deveria existir automaticamente um bloco antiburguês. Mas as coisas não são automáticas. Para que exista tal aliança, é preciso que haja uma iniciativa política. No entanto, não houve nenhuma. Marine Le Pen não conseguiu constituir um verdadeiro bloco antiburguês, porque lhe fugiram grupos populares antigos do bloco de esquerda, por exemplo, uma parte dos trabalhadores. Aqueles que ela reúne são mais desapontados do bloco de direita do que um vasto aglomerado que transcende os antigos blocos de esquerda e de direita.

 

Em 2017, esta oposição burguesia/antiburguesia foi disputada sobre a questão da Europa, o segundo turno se resumindo a uma espécie de referendo sobre o euro. Como é que a integração europeia participou desta crise política?

 

A integração europeia tem sido o vetor da transformação neoliberal do modelo socioeconômico, seja via grande mercado, unificação monetária ou ainda o euro.

 

Essa transformação era desejada por alguns grupos sociais e temida por outros. Por trás da integração europeia, a verdadeira divisão é a transformação do modelo social e econômico.

 

Politicamente, era uma boa forma de identificar quem era a favor da neoliberalização e quem era contra. Os referendos, sobre o Tratado de Maastricht em 1992 e sobre o Tratado Constitucional em 2005, contribuíram para a polarização dos grupos. A cada vez, vimos rupturas emergirem e se afirmarem dentro dos dois campos e, portanto, dentro dos dois blocos sociais, entre as frações abastadas e qualificadas e as frações populares.

 

A culminância desse processo se dá quando a dimensão europeia foi colocada como uma linha de ruptura política, levando a uma recomposição dos blocos. Em outras palavras, quando escolher um candidato à presidência equivale a se posicionar a favor ou contra a continuação da integração europeia, os blocos de direita e de esquerda se desintegram. Essa nova divisão foi ideal para unificar o bloco burguês.



Você parte da análise de que não há maioria social e política na França para uma transformação neoliberal do modelo socioeconômico. Sendo o bloco burguês muito pequeno e tendo Marine Le Pen abandonado a ideia de sair do euro, a eleição de 2022 não pode mais ser disputada na Europa como em 2017. No artigo escrito em parceria com Stefano Palombarini em 'Le Nouveau monde – Tableau de la France néolibérale' (ed. Amsterdam, 2021), vocês sugerem que “os horizontes estratégicos do LREM (La République en Marche!) e do RN parecem convergir”. Quais são essas convergências?

 

Na nossa conceituação do bloco social dominante, este é formado por grupos hierarquizados: aqueles grupos, situados no centro, cujas expectativas trata-se de atender em grande parte, em todo caso as mais importantes, e aqueles grupos, totalmente periféricos, cujas expectativas serão satisfeitas de forma muito marginal.

 

O problema da ampliação do bloco burguês para Emmanuel Macron não é substituir os grupos centrais, que permanecem com ele, mas tentar agregar grupos periféricos.

 

Dadas as expectativas dos grupos sociais e a estratégia política de Emmanuel Macron, não podem ser grupos de esquerda, porque os grupos burgueses de esquerda já estão no bloco burguês e os outros grupos da esquerda são contrários ao movimento de neoliberalização, que é seu grande projeto.

 

A única possibilidade é buscar entre os grupos que ainda estão mais ou menos ligados ao bloco de direita. Mas, não pode satisfazer as suas expectativas mais básicas. Sobretudo, não pode satisfazer aqueles que questionam as demandas dos grupos centrais do bloco burguês. Então, ele vai contentá-los de maneira marginal, em coisas que são relativamente periféricas em relação ao objetivo central da neoliberalização.

 

É por isso que tenta ir ao encontro das expectativas mais reacionárias (imigração, segurança, etc.), o que obviamente não parece chocar os grupos centrais do bloco burguês, incluindo aqueles que vêm da esquerda.

 

Durante muito tempo, os cientistas políticos afirmaram que “a esquerda burguesa é liberal no plano econômico, mas também no plano cultural”. Vimos que a repressão brutal sofrida pelos movimentos sociais e dos coletes amarelos é indiferente para esses grupos ditos “progressistas” no plano cultural. Desde que não estejam diretamente envolvidos, isso não é um problema para eles. Nenhuma das medidas libertárias de François Hollande e de Emmanuel Macron jamais incomodou os grupos burgueses vindos do bloco de esquerda.

 

É por isso que Emmanuel Macron tentará satisfazer, não de forma central, mas muito periférica, algumas das expectativas da parcela popular do bloco de direita, ainda que seja apenas em palavras para ganhar ao menos a sua neutralidade e, eventualmente, sua adesão pontual durante a eleição.

 

Ao mesmo tempo, também reforçará os temas unificadores do eleitorado do RN. A estratégia que visa ampliar o bloco burguês para torná-lo um bloco de direita renovado beneficia tanto o RN quanto o LREM. Para alguns, isso fortalece seus negócios; para outros, pode pontualmente beneficiá-los durante uma eleição.



Você reconhece que também não há alternativa social e menos ainda política na França à neoliberalização do modelo socioeconômico. Como fazer isso acontecer? Devemos apostar na reativação da divisão direita-esquerda?

 

A estratégia política não é, na verdade, a minha área predileta... No mínimo, duas coisas devem ser resolvidas e não são simples.

 

A primeira é que é preciso uma estratégia política para reunir um bloco. Coloca-se, pois, a questão: o que colocamos nessa estratégia? Se quisermos acreditar nas pesquisas de opinião e nas reações sociais, podemos constatar que a questão crucial é a proteção social e, eventualmente, a relação de trabalho. A meu ver, esses elementos devem ser colocados no centro da estratégia, agregando-lhes questões ambientais, que vão colocar questões muito importantes em termos de modelo socioeconômico, muito além do tipo de capitalismo que queremos.

 

Outra questão é a da credibilidade e, por trás dela, a da hegemonia. Sempre tive a convicção de que os grupos sociais expressam expectativas que consideram verossímeis, realizáveis. As pessoas não estão pedindo a lua. A hegemonia neoliberal consiste em colocar na cabeça de todos a ideia de que não é possível pedir, por exemplo, proteção social, e em procurar implantar nas representações coletivas de “que não é possível fazer de outra maneira”. É a versão sofisticada do “não há alternativa” de Thatcher.

 

Lutar contra essa hegemonia é difícil, porque é um trabalho de longo prazo, que passa pelos canais da mídia tradicional, ainda que não exclusivamente. A maneira como a opinião se forma sobre uma questão é muito complexa. Digamos que não basta ter boas ideias, é preciso que se infiltrem na opinião pública, e isso não é nada evidente.

 

Eu escrevi um artigo no Libération sobre este aparente paradoxo: a maioria das pessoas realmente rejeita a transformação neoliberal, e ainda assim todos parecem votar como um só homem nos partidos políticos que irão implementá-la... Por quê?

 

Ou eles acham que isso não é importante e que o que importa é expulsar os imigrantes da França – mas isso me surpreenderia. Ou o domínio da ideologia neoliberal é tão forte que em última análise há uma resignação, que também se manifesta na abstenção.

 

Neste ponto, estão envolvidos os partidos de esquerda, especialmente o PS. Os socialistas chegaram ao poder em 1981 dizendo “vamos mudar tudo”, para dar uma demonstração brilhante de que “em última instância não é possível”... Também era minha motivação para escrever este livro, para lutar contra a narrativa que domina os acontecimentos de 1983 – ponto de inflexão da austeridade –, que consiste em dizer: “eles tentaram mas viram que não era possível”. Porém, eu queria mostrar, primeiramente, que eles não tentaram, e que, em segundo lugar, ficou claro, pelo menos para a parte dominante deles, que não tinham a intenção de ‘mudar tudo’.

 

Cada vez que o PS chegou ao poder, traiu, às vezes muito, como com François Hollande, às vezes pouco, como com Lionel Jospin. É, de certa forma, mostrar na prática que as expectativas esquerdistas não são realizáveis. Então, imperiosamente, todos internalizam a ideia de que “a alternativa não é possível, logo não adianta tentar”.

 

É desanimador: para que votar e apoiar a esquerda se de qualquer maneira “não é possível” mudar nada?

 

Nota

 

1. O Colóquio Lippmann é um evento intelectual organizado em agosto de 1938 em Paris em torno do jornalista americano Walter Lippmann, autor do livro La cité libre. O objetivo dos participantes era refletir sobre a luta contra o “dirigismo” e a promoção de um pensamento liberal renovado. Para mais informações, consulte Aux origines du néolibéralisme en France – Louis Rougier et le Colloque Walter Lippmann de 1938, par François Denord, Le Mouvement social, 2001.

 

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