30 Outubro 2020
Tahar Ben Jelloun está convencido: “Há outro inimigo circulando pelo mundo, invisível e traiçoeiro como o coronavírus, mas que não pode ser combatido com gel nem usando a máscara. Não existe um desinfetante eficaz contra a barbárie do terrorismo. É preciso vigiar, é preciso ter a coragem de enfrentar a realidade”.
No próximo sábado, às 17h30 [hora de Roma], o escritor se conectará de sua casa em Paris com os Eventos Literários Monte Verità, na Suíça, para realizar um encontro que enfoca o círculo vicioso entre racismos e novas escravidões.
Nascido em Fez, Marrocos, em 1944, Ben Jelloun sempre se confrontou com a complexidade e as injustiças do nosso tempo, seja por meio de romances memoráveis como “O menino de areia” (Ed. Nova Fronteira) ou o recente “Insônia” (Ed. Galera), seja com livros voltados principalmente aos leitores mais jovens, entre os quais se destaca o muito exitoso “O racismo explicado à minha filha” (Via Lettera Editora).
Pela editora La Nave di Teseo, que está repropondo toda a sua obra ao público italiano, está prestes a ser publicado o livro “La filosofia spiegata ai bambini” [A filosofia explicada às crianças].
“Na França, ele foi um sucesso”, explica o autor. “Durante o confinamento, muitos o compraram para tentar entender o que estava acontecendo. A filosofia sempre começa a partir daí: das perguntas que nos fazemos. E as crianças são muito boas em fazer perguntas, além de serem muito exigentes nas suas respostas.”
A reportagem é de Alessandro Zaccuri, publicada em Avvenire, 29-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É por isso que você continua a escrever para elas?
Sim, estou convencido de que é cada vez mais importante suscitar perguntas nos jovens. Parece-me que há uma grande necessidade de voltar às interrogações elementares: o que distingue o bem do mal, por exemplo, ou o certo do errado. Não há nada de abstrato em tudo isso. Pelo contrário, a ideia de me dirigir às crianças nasce da minha condição de pai de família. É algo de muito simples, de muito cotidiano. Tem a ver com as noites passadas sem dormir por causa da febre de um filho e com as corridas para ir buscá-lo na escola.
Mas também há outras preocupações: a pandemia, o terrorismo, as tensões internacionais...
O maior problema está na simultaneidade dessas ameaças. A Covid-19 chegou em um momento em que a democracia já estava desmoronando. Penso nos precedentes de Trump nos Estados Unidos e de Bolsonaro no Brasil, penso nos seus inúmeros imitadores europeus. O extremismo islâmico, por sua vez, zomba da democracia e tenta tirar proveito da sua crise. Seria um grave erro não reconhecer a continuidade entre a decapitação do jornalista estadunidense Daniel Pearl em 2002 e o assassinato de Samuel Paty, o professor degolado há duas semanas em Conflans Saint-Honorine: em ambos os casos, os terroristas queriam enviar um sinal para o Ocidente. Trata-se de uma estratégia global, que se baseia na ideologia salafista propagada por países cuja identidade é conhecida e cujo objetivo é evidente: instaurar em todo o mundo essa visão distorcida do Islã.
Qual o peso das desigualdades econômicas e sociais nisso?
Não há dúvida de que o mundo inteiro ainda está pagando pelas consequências do neoliberalismo desenfreado que se impôs nos anos 1980 com as figuras de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha. Para compreender o que está acontecendo, é preciso voltar a esse ponto nodal, e não a acontecimentos já remotos, como o colonialismo do século XIX. Dito isso, não se pode transigir com a defesa dos princípios fundamentais do Ocidente, acima de todos o valor da liberdade individual. Com a única exceção da nova Constituição da Tunísia, nenhum país muçulmano tolera a liberdade de consciência. A Europa deveria ser a guardiã desse patrimônio, mas infelizmente já não parece mais se lembrar dele.
Por quê?
Porque perdeu a sua alma. A própria União Europeia está ameaçada a partir de dentro por líderes antieuropeus que exploram o mal-estar em seu próprio benefício. Refiro-me em particular aos fluxos descontrolados de migrantes, com os quais, na Itália, a Liga de Matteo Salvini tirou proveito e ainda poderia tirar. Mas o fenômeno é muito mais amplo, envolvendo a Espanha, a própria França.
Qual é o vínculo com as novas formas de escravidão?
Nesta fase, a origem do problema está na África, em particular naqueles países que, apesar de disporem de recursos mais do que suficientes para garantir o bem-estar da população, continuam sendo dirigidos por governantes desprovidos de legitimidade democrática. Nigéria, Gabão e Argélia são casos emblemáticos de nações potencialmente ricas, das quais, porém, partem multidões de migrantes econômicos. A União Europeia deveria tomar medidas que colocassem esses países diante das suas responsabilidades. Mas a iniciativa cabe principalmente aos governos locais. Quando isso ocorre, quando são adotadas políticas de desenvolvimento, como foi feito no Marrocos, o impulso para a emigração se reduz drasticamente, quase até desaparecer.
De onde pode vir a esperança hoje?
Dos jovens. Melhor ainda: dos muito jovens. Foram eles, nos meses que antecederam a emergência do coronavírus, que soaram o alarme sobre os perigos que o planeta corre. Não é apenas o ativismo ecológico, mas também uma sensibilidade que se estende a todos os aspectos do ser humano. Fiquei muito impressionado com a capacidade de envolvimento expressada por Greta Thunberg, assim como achei extraordinária a mobilização dos jovens de todo o mundo em defesa das minorias perseguidas após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. Em comparação com o passado, os jovens não respondem ao apelo de uma ideologia, mas são movidos pela preocupação com a Terra. Parece-me um sinal de esperança. E um ótimo motivo para continuar escrevendo para eles.
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“Hoje a esperança vem dos jovens.” Entrevista com Tahar Ben Jelloun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU