14 Março 2019
Duas antigas heresias, que o Papa Francisco aponta frequentemente como “inimigas da santidade”, estiveram no centro de uma conferência em Roma na terça-feira, 12, que tentou explicar a “teologia invertida” do pontífice argentino.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada em Crux, 13-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“O Papa Francisco pratica uma tradução da tradição”, disse o teólogo italiano Andrea Grillo, que leciona na Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. “Ele move o inimigo de fora para dentro.”
Suas observações ocorreram durante uma conferência intitulada “Dois inimigos da santidade: pelagianismo e gnosticismo”, no dia 12 de março, na Pontifícia Universidade Gregoriana, administrada pelos jesuítas em Roma.
Grillo se referia ao pelagianismo e ao gnosticismo, as duas heresias de 1.500 anos de idade que Francisco vê refletidas na Igreja Católica hoje. O pontífice condenou essas “heresias modernas” em sua exortação apostólica de 2013, Evangelii gaudium, e novamente em 2018, na Gaudete et exsultate.
De acordo com o teólogo, há uma clara diferença entre a descrição do papa sobre essas crenças nesses documentos e a visão que é apresentada na Placuit Deo, ou “Aprouve a Deus”, uma carta de quatro páginas escrita pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano e publicada no dia 1º de março de 2018.
“A tentação do pelagianismo”, disse Grillo, “pode ser encontrada no controle estrutural das crenças abstratas.”
Como Francisco disse na Gaudete et exsultate, o pelagiano moderno é uma “peça de museu”, que atribui uma importância excessiva a estilos, normas e aparências e, portanto, corre o risco de ser “fossilizado” ou até mesmo “corrompido”.
O gnosticismo, por sua vez, leva a confiar no próprio raciocínio e inteligência para alcançar a salvação e, portanto, torna-se retrógrado e, nas palavras de Grillo, “é incapaz de transcendência”.
A insistência de Francisco nessas heresias visa a “desmascarar as tendências autorreferenciais” presentes na Igreja, disse o teólogo. Tudo isso se perde na Placuit Deo, continuou Grillo, que “deu um passo para trás” e “perdeu completamente o contexto”.
No documento emitido pela Congregação para a Doutrina da Fé, o neopelagianismo e o neognosticismo “são conjugados em relações não com a Igreja, mas com o mundo. Como se a Igreja estivesse livre da tentação, e o seu trabalho fosse ressaltar as tentações para o mundo”.
De acordo com o teólogo, a carta está cheia de “criptognosticismo e criptopelagianismo”, a ponto de ele sugerir que o nome do documento fosse mudado de Placuit Deo para Placuisset Romanae Curiae, ou “Aprouve à Cúria Romana”.
Grillo disse que a “visão da tradição [por parte de Francisco] é invertida” e, portanto, leva a uma “tradução da tradição”, representada pelas duas antigas heresias, e “move o inimigo de fora para dentro”.
“Não são os outros que caem no pelagianismo e no gnosticismo, somos nós”, enfatizou Grillo: “Não é uma crítica em relação ao exterior, mas uma autocrítica da Igreja”.
Essas heresias, continuou, podem ser encontradas naqueles que, dentro da Igreja, resistem à modernidade, encerrando-se em crenças que muitas vezes confundem tradição eclesial com herança feudal, estruturas patriarcais e antiga burocracia romana.
Os escritos de Francisco, disse Grillo, parecem apontar para uma maneira diferente que desafia o entendimento da Igreja sobre a fé e a teologia. Ele destacou quatro pontos em que o pelagianismo e o gnosticismo paralisam a Igreja:
Citando o Papa João XXIII que inaugurou o Vaticano II, Grillo pediu uma Igreja “que tenha a coragem de realmente ouvir os sinais dos tempos”.
“O pelagianismo e o gnosticismo, essas duas palavras tiradas da tradição antiga, retornam com o Papa Francisco como dois critérios para interpretar os desafios que a Igreja está enfrentando no mundo moderno”, concluiu o teólogo, “e anunciam uma Igreja que está disposta a se expor ao mundo”.
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Teólogo elogia a ''teologia invertida'' de Francisco sobre duas antigas heresias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU