"A cruz não é apenas um instrumento de morte, mas um lugar de fratura."
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta, ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por Religión Digial, 13-07-2025.
Jesus é condenado à morte. E esse julgamento se traduz imediatamente no fato de que seu corpo não conta mais: passa de mão em mão, como se fosse uma coisa. Está nas mãos dos soldados, não mais nas mãos do poder religioso ou do poder político. É a vez do poder executivo. Os soldados o levam para dentro do pretório, o colocam no centro, como se fosse um objeto a ser observado. Eles o adornam com um manto púrpura, o dos soberanos; eles o coroam como se fosse uma estátua. E ele fica ali, inconsciente, como um rei no carnaval, vestido assim apenas para fazer as pessoas rirem pouco antes de sua morte. E a coroa o picou, porque era feita de espinhos.
A frieza do processo era serena e legal. Agora, a ordem estabelecida dá lugar à desordem da violência. A ação não precisa mais ser legitimada: ela pode simplesmente acontecer. Assim, a realeza é revelada como o que é: uma farsa.
Batem-lhe com um caniço, cospem-lhe e ajoelham-se para o escarnecer. Não há mais controlo sobre aquele corpo que parece atrair o abismo para si. O que se desencadeia contra Jesus não é a imposição de um castigo, mas a encenação de uma destruição tragicamente lúdica. Jesus não reage. Permanece imóvel. Sobrecarrega-se com cada Auschwitz e cada Gaza, cada Abu Ghraib e cada El-Agheila.
No final, arrancam o manto vermelho e o vestem com suas roupas. O teatro do corpo termina. A zombaria termina, dando lugar à logística. O transporte para o local da execução começa. O peso da cruz, neste momento, é insuportável. Os soldados, exaustos pela violência, recuperam os sentidos e obrigam um passante, Simão de Cirene, a carregá-la. Marco anota os detalhes de seus filhos: "pai de Alexandre e Rufo". Seria uma nota sem sentido se não desse à história um toque de realidade, de piedade, de relações familiares, removendo o domopak da polpa e da violência grotesca.
A cruz é passada de um corpo para outro. Simão a pega. Levam Jesus para um lugar chamado Gólgota, que significa "lugar da caveira". Marcos traduz isso para seus leitores. É um nome de lugar que já carrega o cheiro da morte. Não é qualquer nome. É um nome que fala de ossos, do fim. Lá, oferecem a Jesus vinho misturado com mirra: uma espécie de analgésico, um gesto mínimo de piedade ou convenção. Jesus recusa.
"Eles o crucificaram." Marcos (16,16-27) diz isso sem acrescentar nada. Três palavras. Sem descrição. Sem detalhes. É um fato. Acontece. E o Evangelho não o encena. A morte de Jesus não é um filme. O verbo basta.
Então os soldados repartem suas vestes entre si, tirando sortes sobre o que restava. A vida de Jesus foi reduzida ao seu corpo, e agora eles repartem também suas vestes. Ele não tem mais nada. Ele está despojado até o último detalhe. A cruz não é apenas um instrumento de morte, mas um lugar de fratura, de arrancamento de tudo o que não seja carne e ossos torturados, incapazes de se manterem unidos.
Eram nove da manhã. A hora também é registrada. O tempo, que parecia suspenso, agora é medido. A execução ocorreu no início do dia. E na cruz, uma inscrição: "O Rei dos Judeus". É o motivo da acusação, mas também se torna uma declaração colocada sobre a cabeça de Jesus, como uma etiqueta de preço ou uma legenda explicativa em um museu.
Ao lado dele, duas figuras crucificadas: "uma à sua direita e outra à sua esquerda". É uma cena que evoca amargamente os pedidos dos discípulos para se sentarem à direita e à esquerda da cruz, em glória. Os lugares agora estão ocupados. A glória habita entre os corpos pregados.