1º Domingo do Advento – Ano C – Subsídio Exegético

26 Novembro 2021

 

O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:

- Dr. Bruno Glaab
- Me. Carlos Rodrigo Dutra
- Dr. Humberto Maiztegui
- Me. Rita de Cácia Ló

Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Jr 33,14-16
Salmo: 24, 4bc-5ab.8-9.10.14
Segunda Leitura: 1Ts 3,12-4,2
Evangelho: Lc 21,25-28.34-36

 

Eis o texto

 

O 1º domingo do advento, ano C, inicia com a proclamação do evangelho segundo Lucas. Nos domingos seguintes, teremos evidenciadas através das perícope bíblicas as dimensões próprias do advento: espera ativa, oração, mudança de atitudes.

 

Enquanto Marcos 13,24-27) conecta a destruição de Jerusalém ao fim do mundo, Lucas distancia os dois eventos, distinguindo nitidamente os sinais apocalípticos que precederão o aparecimento do Filho da Humanidade como juiz dos fatos históricos concernentes à catástrofe da Cidade Santa. Ao tempo de Israel, dará prosseguimento o tempo dos pagãos, kairoi ethnōn (v.24) e, finalmente, o julgamento universal acontecerá, após uma série assustadora de convulsões cósmicas que assumirão um valor positivo para os crentes, como um prelúdio para sua próxima libertação (v.28). Na passagem anterior (vv. 20-24) Lucas referia-se apenas ao fato histórico da queda de Jerusalém. Agora amplia o horizonte para todas as nações e todas as pessoas na terra habitada (oikoumenē).

 

Apesar das notáveis diferenças redacionais, a mensagem teológica de Lucas corresponde àquela de Marcos e é constituída pela vinda do Filho da Humanidade para a salvação definitiva dos fiéis. No entanto, Lucas enfatiza em sentido otimista o contraste entre a angústia e o medo dos adversários pelas revoltas assustadoras que pré-anunciarão o fim, e a atitude de segurança e alegria dos que vivem a fé, porque para eles esses sinais terríveis irão apontar para a proximidade de sua libertação e salvação.

 

Os vv. 25-26 descrevem os fenômenos cósmicos que precederão o fim com estruturas simétricas perfeitas que manifestam sua capacidade literária, mesmo que se refira a clichês apocalípticos correntes no ambiente semita. Sinais no sol, na lua e nas estrelas: convém recordar que os oponentes de Jesus pediram um “sinal do céu” (11,16) e que os discípulos perguntaram qual era o “sinal” de que essas coisas estavam prestes a acontecer. A repetição, aqui, de sēmeion marca a passagem à parte estritamente escatológica do discurso de Jesus.

 

Nos vv. 27-28, a vinda final do Filho da Humanidade, em plena posse de seus atributos divinos de poder e muita glória, marcará o triunfo daqueles que seguem Jesus: “Começando, porém, estas coisas a acontecer, olhai para cima e erguei as vossas cabeças”. Os cristãos não deverão se assustar com as convulsões cósmicas finais, mas, depois de tanto sofrimento, perseguição e pressão que os esmagou, finalmente poderão levantar-se e erguer a cabeça com confiança, sendo esse gesto o sinal da realização de sua esperança. Pode-se relacionar, aqui, o texto de Jr 33,15 (primeira leitura): “farei brotar... um broto justo, que exercerá o direito e a justiça no país”. Embora no v. 27 esteja implícito o julgamento de condenação para os inimigos, Lc, no entanto, coloca em destaque o sentido salvífico da vinda do Filho da Humanidade, dando à perícope um valor parenético de esperança confiante. O evangelista omite qualquer referência à atividade daqueles que creem. Para eles, o fim do mundo não constitui motivo de angústia e medo, mas de alegria por sua redenção e pelo fim de tribulações e perseguições, como aconteceu aos hebreus a noite de Páscoa na libertação de escravidão do Egito. O termo apolýtrōsis é cognato a lýtrōsis, que é o resgate de escravidão.

 

Nos vv. 24-36, Lucas se afasta do modelo marcano. A convicção de que o fim do mundo não está próximo o leva a acentuar a exortação à vigilância e à oração, “para ficar de pé diante do Filho da Humanidade” (v.36). O texto consiste em uma advertência para evitar relaxamento (v.34); segue-se a motivação que reafirma a certeza do fim repentino (v.35); uma exortação urgente à vigilância e oração em todos os momentos conclui todo o discurso escatológico (v.36). A oração, um tema particularmente caro a Lc, deve ser a atitude fundamental do cristão esperando o retorno do Senhor.

 

A frase contida no v. 34 – “Não aconteça que o vosso coração se encha”, fique embotado (barēthōsin hymōn hai kardiai) – corresponde à expressão usada para descrever o endurecimento do coração do faraó (Ex 7,14). Observe-se, entretanto, que a exortação de Jesus vincula essa frase à devassidão e à embriaguez (en kraipalē kai methē), sugerindo que o que está em vista aqui é a falta de vigilância, e não a dureza de coração. A exortação inclui uma advertência contra a embriaguez propriamente dita, mas o sentido primordial é metafórico, advertindo os discípulos e discípulas a que não sucumbam às atrações inebriantes do pecado. Note-se a relação com a 2ª. leitura (1Ts 3,12-4,2): “a fim de que o vosso coração permaneça firme” (eis to stērixai hymōn tas kardias).

 

O segmento “como uma armadilha” (hōs pagis) finaliza a oração precedente – “[Cuidai de vós mesmos; não aconteça que] aquele dia vos surpreenda como uma armadilha” – e liga-se ao começo da oração seguinte – “[aquele dia] surpreenderá como uma armadilha sobre todos os que habitam na face da terra”. Lucas formula a profecia de Jesus sobre o juízo universal, advertindo os discípulos e discípulas de que só escaparão do juízo do dia do Senhor, que recairá sobre todos os habitantes da terra, se “cuidarem” de si mesmos.

 

O v. 36 traz “Velai em cada estação”, que devido à polissemia de kairós, pode ser entendido como “velai em cada oportunidade, cada tempo”.

 

Este final do discurso escatológico em Lucas difere consideravelmente daquele dos outros sinóticos. Marcos insiste na vigilância para não ser encontrado dormindo quando o proprietário chega de repente; Mateus conclui o discurso com a impressionante cenografia do Juízo Final, separando o bom do mau (25,31-46). Lucas não menciona explicitamente o julgamento, mas exorta à oração vigilante para comparecer diante do Filho da Humanidade. O discurso escatológico assume, assim, uma característica parenética tranquilizadora, que situa a esperança cristã na salvação, e não na ameaça da condenação inapelável dos pecadores no dia do julgamento final.

 

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