19 Janeiro 2018
Os possíveis impactos das notícias falsas (fake news) no pleito de 2018 estão na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vem discutindo o tema no Conselho Consultivo criado pelo órgão. Nesta semana, o grupo destacou a importância da educação midiática como ponto de partida para combater os efeitos nocivos das fake news. Ainda assim, não foram deliberadas as propostas institucionais para o fim de disseminação e produção de informações classificadas como falsas.
No Brasil, a expansão e a disseminação de informações via redes sociais vêm gerando debates a democracia do país. Sem cuidados, o acalorado debate pode trazer à tona soluções pouco democráticas, e, assim, ameaçar o direito à liberdade de expressão.
A presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, defende cautela e transparência das instituições no tratamento das fake news durante o período eleitoral.
A entrevista é de Beatriz Drague Ramos, publicada por CartaCapital, 18-01-2018.
A Justiça Eleitoral criou um conselho consultivo e um grupo de trabalho para lidar com as chamadas “fake news”. Como você analisa essa iniciativa?
Fico preocupada com a governança que esse conselho vai ter em relação ao combate. Ele preservará a liberdade do indivíduo de manifestar suas opiniões, ou haverá restrições? Meu receio é que isso possa acontecer caso o conselho for utilizado para fins políticos.
Na medida em que você cria restrições à liberdade de expressão, toda e qualquer tipo de ação nesse sentido é ruim para a democracia e para o cidadão. O ponto é quem vai determinar o que é um conteúdo impróprio e diferenciar o que é um conteúdo falso de um outro conteúdo que eu não goste.
Isso entra em uma análise subjetiva da questão de que não cabe a um órgão público, seja ele qual for, determinar aquilo que eu posso ou não compartilhar, ou que eu posso ou não postar.
Qual será a função desse conselho, como será feito o combate a quem propaga as fake news? Como será o controle disso? Se estiver claro nessa criação das regras quais são esses pontos e, considerando que esses eles não firam a liberdade, eu fico tranquila em relação a atuação do conselho.
Fazem parte desses colegiados instituições de segurança, como a PF e a Abin. Isso causa preocupação?
A preocupação é no sentido de saber qual será a atuação desses órgãos. Se se eles darão um suporte para que as ações de inteligência consigam, por exemplo, verificar a presença de um propagador de notícias falsas que está utilizando recursos não contabilizados ou de uma rede de contatos.
No caso da PF e do Ministério da Defesa, eles detêm conhecimento das redes de crime organizado, eu acho que pode ser interessante trazer a inteligência nesse combate. A minha preocupação está em essas entidades verificarem ou censurarem conteúdos, isso gera um estado policialesco.
O direito à liberdade de expressão impõe o dever de dizer a verdade ou não mentir?
O direito à liberdade de expressão não impõe regras ou estabelece qualquer restrição àquilo que se pretende dizer ou pode ser dito, até porque estabelecer a obrigatoriedade de só dizer “a verdade” seria sim um forma de censura. Por outro lado, não há liberdade absoluta. A própria Constituição, em seu artigo 5º., impõe limitações como a vedação do anonimato (parágrafo VI), a responsabilização por danos morais em caso de violações à intimidade e honra (parágrafo X) e assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem (parágrafo V). O fato é que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade. E qualquer abuso deve ser coibido a posterior.
No caso da Europa e dos Estados Unidos, o tema muitas vezes é tratado como de segurança nacional, por conta de interferências de governos estrangeiros em processos eleitorais. É possível lidar com esse tema sem envolver órgãos como a PF e a Abin?
A grande discussão principalmente nos EUA, é que mesmo tendo a primeira emenda americana que prevê a liberdade de expressão completa, você tem a segurança nacional como sendo uma justificativa para a invasão de contas de e-mail, por exemplo.
Aqui a situação é diferente, nós não temos problemas com terrorismo, o que temos são grupos de crime organizado que querem de uma certa forma manipular os resultados das eleições. O meu ponto é se a governança desse grupo for clara de que a atuação do Ministério da Defesa e da PF será no sentido de trazer subsídios para o combate, a ação criminosa, eu não vejo problema.
O delegado responsável pelo tema na PF disse em entrevista a CartaCapital que, como não há legislação específica, além do Código Penal e do Código Eleitoral, poderia ser usada a Lei de Segurança Nacional, da Ditadura, no combate às notícias falsas. Como você analisa essa possibilidade?
Nós não precisamos de uma legislação específica simplesmente pelo fato da legislação ser antiga. A lei atual, trata a calúnia, a difamação, e a injúria, de forma muito clara. Independente do meio, se é digital, se é o folheto apócrifo, se é mimeografado, as informações falsas sempre existiram, e a legislação existente foi capaz de resolver essa questão.
Na sua opinião, uma nova legislação é de fato necessária?
Não, eu acho que nós devemos usar o que temos, garantindo a liberdade de expressão, é cláusula pétrea da Constituição Federal. Além disso, nós temos o Marco Civil da Internet, que podemos usar como regra. O que talvez nós precisemos avançar é na efetividade da lei. Como legislar a partir do crime cibernético, em que o criminoso não necessariamente está em território brasileiro? Criar uma legislação mais restritiva aqui se o produtor pode fazer isso de um site no Paraguai. Qual é a efetividade de uma regra como essa?
Criar uma lei que diga o que é a notícia falsa vai ajudar em alguma coisa? Não, eu não vejo isso, o que eu vejo é a pessoa entrar com um processo contra quem passou aquela informação e aquilo ser comprovado.
Como definir o que é verdade ou não? E qual seria a definição de fake news?
A questão toda é o que é uma notícia falsa? No sentido amplo dela, hoje nós gostamos de resolver tudo em uma palavra, “fake news” é tudo. Existem diferentes tipos de notícias que podem ser consideradas falsas, tem a mentira, a descontextualizada, a manipulada (meia-verdade), o conteúdo de humor, entre outros.
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"Quem vai diferenciar o conteúdo falso do conteúdo que eu não gosto?" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU