26 Setembro 2017
A eleição federal alemã do último domingo vai certamente merecer uma análise mais demorada e com mais dados disponíveis. No calor do momento, no entanto, é possível tentar tecer algumas reflexões não meramente retóricas.
O comentário é de Marcello Neri, teólogo, publicado por Settimana News, 25-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O dado mais evidente é a regressão dos votos que convergiram para os dois maiores partidos populares históricos: a CDU de Merkel e a SPD, que escolheu desde o início um candidato fraco e pouco expressivo como Schulz, por duas prováveis razões (ambas previam uma derrota, ou seja, a impossibilidade de apresentar-se como partido de liderança na formação do novo governo federal).
A primeira razão, que não se confirmou, era a de permitir uma rápida mudança no vértice do partido depois de uma derrota decorosa para poder entrar na fase das negociações por uma nova grande coalizão a partir de uma posição que não coincidisse com a da derrota.
A segunda, já ventilada pelo próprio Schulz nas primeiras horas da contagem dos votos, era de não ter uma forte figura no comando do partido, em caso de resultado desastroso, para ter condições de realizar uma profunda revisão política e pessoal da SPD. Lição de casa que foi anunciada, embora ninguém saiba agora como executá-la realmente.
Pelo lado da CDU, não devemos ficar tão impressionados com a queda percentual dos votos em comparação às eleições de 2013. O 41,5% daquela época foi um resultado anormal e inesperado, coincidindo, aliás, com a saída da FDP do Bundestag.
O 33% das atuais eleições (o pior resultado desde 1949) certamente não pode ser considerado satisfatório para o futuro, tendo em parte a característica de um voto de confiança ad personam expresso nos confrontos de Merkel.
Parte dessa perda de consenso foi investida na "ressurreição" da FDP a nível federal, indicando uma preferência por parte da classe conservadora objetivando mais quatro anos com uma grande coalizão no governo. A distribuição dos votos finais não permite, porém, uma tradicional coalizão CDU-FDP.
Para isso contribuiu também o resultado não exatamente feliz da eleição na Baviera, ou seja, a estratégia escolhida pela CSU nos últimos quatro anos para regular a sua própria relação interna com a CDU de Merkel. Aproximar-se da retórica político-nacional da AfD não produz bons resultados para a tradição política conservadora alemã.
O prepotente ingresso da AfD no Bundestag com 12,6% das cadeiras poderia ser uma bênção para todo o país. Pela primeira vez desde a reunificação, a Alemanha tomou consciência de um tabu silenciado por todos por quase trinta anos: ou seja, a existência real e efetiva das duas Alemanhas.
Nos Länder da ex-RDA, de fato, o partido da direita nacionalista obteve um consenso de tamanha escala que não permite mais esconder debaixo da mesa o problema de uma reunificação política e burocrática, mas não civil e cultural.
Em todo caso, pela primeira vez depois de 1961, um partido de direita nacionalista senta na arena política civil do Bundestag alemão. A possibilidade de uma degradação linguística e civil da atividade parlamentar no curso da futura legislação está à espreita de todos os partidos. Contudo talvez isso não seja assim tão garantido. A complexidade institucional dos procedimentos parlamentares já absorveu no passado o ingresso de partidos atípicos (basta pensar nos Verdes), ou naturalmente fez implodir meras representações de protesto antissistêmico (Piraten).
A AfD tem quatro anos para transformar uma situação conjuntural, explorada até a última gota, em uma política sistêmica capaz de confirmá-la como uma representação de longa vida. Em relação a isso, as divisões e conflitos internos não jogam a seu favor neste instante. E, após o momento de glória, poderia explodir uma espécie de regulação interna das contas que seria bastante ruim para o partido.
Permanece a dúvida quanto aos tempos e à estruturação dos conteúdos da próxima coalizão de governo. Com a chamada para a oposição da SPD, também a Linke (9,2%) encontra-se necessariamente na mesma posição, sem sequer ser preciso dizê-lo.
Permanecem os Verdes (8,9%), que, no entanto, já anunciaram uma consulta à base, assim como o fez a SPD em 2013, quanto a uma coalizão com a CDU e FDP.
Isso amplia obrigatoriamente o tempo para a formação do governo (em 2013, quase se chegou até o Natal) e torna complicadas as tratativas para a elaboração do pacto de coalizão. O enfraquecimento interno da CSU e a fragilidade de um partido como a FDP, que sabe não só ter renascido do nada, mas de poder voltar a desaparecer em um curto prazo, poderiam fortalecer Merkel na estratégia de construção de uma coalizão inédita para a Alemanha.
Falhar nisso, dado que Merkel já anunciou que não quer formar um governo de minoria, e, portanto, voltar para as eleições, seria provavelmente a pior perspectiva: não só para os três partidos da eventual coalizão, mas também para todos os outros (AfD incluída).
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Alemanha: como governar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU