11 Outubro 2016
"O Papa Bergoglio não inovou muito nas grandes sedes cardinalícias do mundo, onde, no máximo, ele introduziu alguma expectativa. Em vez disso, se ele suspeita que alguma sede de prestígio foi obtida em uma lógica de escalada ou que um país tem cardeais demais, ele não dá outros chapéus. Francisco, ao contrário, passa por cima de qualquer costume quando quer que eles deem voz às realidades esquecidas e às ‘periferias’ da Igreja."
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, e professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 10-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um pequeno detalhe revela algo sobre a criação cardinalícia do domingo passado. Depois de uma hora do anúncio dado no Ângelus, os sites do Vaticano e muitas mídias ainda não davam a lista dos novos barretes. Barretes que serão impostos aos escolhidos no consistório do dia 19 de novembro. Sinal de que a lista lida por Francisco não tinha circulado muito e de que um anúncio-surpresa colocou em apuros a máquina de informação que, no domingo de manhã, espera a recordação dos migrantes e dos pobres do mundo que o papa não pode deixar de lado e que o mundo não sabe ouvir.
Isso não deve surpreender. Todos os papas – Francisco não é exceção – usam a prerrogativa de escolher os cardeais como um instrumento de governo, de obediência às normas canônicas sobre o conclave que elegerá o seu sucessor, e de comunicação.
Fazer os cardeais – isto é, entrar naquela parte do clero do urbe ao qual cabe, há 10 séculos, a tarefa de eleger o bispo de Roma quando a sede fica vaga e que tem o direito/dever de lhe falar como se fossem irmãos – é tamanha prerrogativa a ponto de ser tecnicamente definida como "criação". Ninguém pode dizer ao papa quem, quando ou como criar, por mais que as regras vigentes que tiram dos ultraoctogenários o direito de votar no conclave permitam prever e contornar.
Uma práxis secular, porém, havia identificado algumas dioceses (chamadas de "sedes cardinalícias") em que o papa nomeava bispo aqueles que ele queria fazer cardeais. E tinha introduzido o princípio de que as mais altas funções da Cúria davam o "barrete" (o símbolo do cardeal é o seu chapéu).
Francisco não inovou nada na Cúria. Os chefes dos grandes órgãos curiais são cardeais (até mesmo o prefeito da Doutrina da Fé que Ratzinger escolheu e castigou negando-lhe a púrpura, e que Francisco "criou", mesmo estando, em muitos âmbitos, em posições opostas às do papa): o último prefeito, nomeado com a minirreforma que somou vários escritórios em uma congregação dos leigos, também se tornará cardeal no próximo consistório.
O Papa Bergoglio não inovou muito nas grandes sedes cardinalícias do mundo, onde, no máximo, ele introduziu alguma expectativa: o fato é que, a partir desse domingo, Brasília, Bruxelas, Chicago e Madri têm um cardeal arcebispo. Em vez disso (e a Itália está entre dois fogos), se ele suspeita que alguma sede de prestígio foi obtida em uma lógica de escalada ou que um país tem cardeais demais, ele não dá outros chapéus.
Francisco, ao contrário, passa por cima de qualquer costume quando quer que eles deem voz às realidades esquecidas e às "periferias" da Igreja. Como fez também nesse domingo, com oito púrpuras a eleitores que são como bandeirinhas da sua geografia interior: o núncio na Síria, único eleitor italiano; o arcebispo de Bangui, onde ele abriu o Jubileu há ano; e depois os arcebispo de Dhaka, em Bangladesh, de Merida, na Venezuela, de Port Louis, nas Ilhas Maurício, de Tlalnepantla, no México, de Port Moresby, em Papua, e de Indianápolis, nos EUA. E o cardinalato honorário a quatro bispos eméritos da Malásia, Lesotho, Albânia e ao italiano Corti (um dos auxiliares milaneses que nunca se tornou sucessor de Martini) também dá a mesma impressão.
Dizer que mudam as proporções geográficas do colégio eleitoral é óbvio. Mas nunca foram os continentes ou os subcontinentes que decidiram o conclave: que se sustenta sobre outras agregações e que, como diz um sábio ditado, só começa quando um papa idoso manda para Milão um arcebispo mais jovem do que ele.
O que decide a Igreja – e, no futuro, o conclave – é se a sinodalidade (a capacidade de confiar os problemas difíceis à comunhão) e a colegialidade (a doutrina que reconhece na totalidade dos bispos com e sob Pedro o sucessor do colégio apostólico) saberão ser a pauta e o governo da catolicidade. Isso exige, por parte de todos, sem sonhar ou temer vinganças, um esforço para olhar para um cristianismo ao qual a carga evangélica de Francisco oferece estímulos comoventes, mas também a oportunidade de vê-lo na TV, como uma espécie de herói pelo qual se torce, até se mudar de canal.
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Francisco e os cardeais que desnorteiam a Cúria. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU