16 Fevereiro 2016
Não se trata apenas de um transtorno no dia a dia de quem precisa circular pelas grandes e médias cidades brasileiras. Os congestionamentos frequentes e crescentes reduzem a competividade do País. O tempo perdido pelos trabalhadores no trânsito, aponta um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, gera um prejuízo de 111 bilhões de reais à economia.
A reportagem é de Roberto Rockmann, publicada por CartaCapital, 04-02-2016.
E a tendência é de piora, dada a redução nos investimentos previstos do governo federal, estados e municípios. Falta dinheiro e sobra demanda. Segundo um levantamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, são necessários 235 bilhões de reais em linhas de metrô, corredores expressos de ônibus e Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), entre outros, para minimizar a paralisia nas principais regiões metropolitanas.
Equacionar esse problema não será fácil, diz Paulo Resende, coordenador do núcleo de logística da Fundação Dom Cabral. Enquanto os custos sobem, a capacidade de financiamento dos projetos torna-se mais difícil, por conta da escassez de recursos. Segundo Resende, 40% do custo logístico está atrelado ao transporte de longa distância, primordialmente realizado por meio de rodovias, por onde circulam cerca de 60% das mercadorias produzidas.
Quando são retiradas do cálculo as cargas de ferro e aço, o porcentual alcança inacreditáveis 80%, incomum em nações desenvolvidas ou emergentes. O comércio de caminhões ficou estagnado em 2015. Os licenciamentos somaram menos de 100 mil veículos, pouco para uma frota de cerca de 2 milhões e com idade média de dez anos.
“Há um conflito crescente entre cargas e passageiros nas regiões metropolitanas e uma tendência a restrições sobre caminhões nessas áreas, o que levará a um fracionamento da carga em veículos menores, o que não melhora a eficiência do sistema, ao contrário”, afirma Resende.
Um nó a ser desatado está na região metropolitana de São Paulo, na qual trens de carga disputam espaço na mesma linha com vagões de passageiros. O problema dificulta a chegada dos comboios ao Porto de Santos. Em alguns casos, o transporte dos produtos ocorre de madrugada, quando o volume de passageiros cai. Levar um carregamento de açúcar de Ribeirão Preto a Santos pode levar inacreditáveis sete dias.
O caos piorou por conta das políticas públicas equivocadas. Entre 2008 e 2013, o governo segurou o reajuste de combustíveis. Ao mesmo tempo, entre as medidas para amenizar os efeitos da crise econômica mundial, a União e os estados concederam benefícios fiscais às montadoras.
Resultado: explodiu o número de veículos na rua, bem como o consumo e a importação de gasolina. No mesmo período, os investimentos em transporte público ficaram para trás. “O desalinhamento da matriz cresceu, incentivou-se o transporte individual”, constata o especialista da Dom Cabral.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, quase metade das viagens diárias é feita em transportes individuais, carro ou moto. De 2008 a 2012, constatou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com base nos dados do IBGE, o porcentual de domicílios com carro ou motocicleta subiu 9 pontos, de 45% para 54%.
O privilégio aos veículos torna difícil a criação de faixas exclusivas de ônibus, aberturas de ciclofaixas ou fechamento de vias públicas nos fins de semana. Na cidade de São Paulo, a frota de veículos superou o total de 8 milhões de unidades em maio do ano passado. Em 2010, eram 7 milhões.
O Brasil tem uma elevada concentração nas áreas urbanas: 45% dos habitantes vivem nos 601 municípios das 37 principais áreas metropolitanas, ou seja, quase metade da população vive em apenas 11% das mais de 5 mil cidades.
“Na ausência de um planejamento urbano adequado, o resultado é um forte desequilíbrio entre a ocupação habitacional nas áreas periféricas e a oferta de empregos, educação, saúde, saneamento, lazer e serviços em geral nas áreas centrais das cidades-polo”, observa Guilherme Mercês, gerente de Ambiente de Negócios e Infraestrutura do Sistema Firjan.
Entre as 37 áreas metropolitanas pesquisadas, a que registrou o maior tempo de deslocamento de um ponto a outro foi a do Rio de Janeiro, na qual 2,8 milhões de trabalhadores levaram, em média, 141 minutos nas viagens casa-trabalho-casa. Em 2012, o tempo de deslocamento na área metropolitana fluminense aumentou 11 minutos em relação a 2011, segundo a Federação das Indústrias.
Por consequência, a avaliação do transporte público tem piorado. O porcentual de brasileiros que o avalia como ótimo ou bom caiu de 39% em 2011 para 24% três anos depois, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria. “Os três principais problemas são capilaridade, frequência e preço da passagem”, analisa Renato da Fonseca, gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI.
Reverter o quadro exigirá investimentos bilionários. Atualmente, 84% da população vive em cidades. Um estudo do BNDES, com base em dados das 15 maiores regiões metropolitanas, aponta que o tempo médio de deslocamento nesse grupo no trecho casa-trabalho é de 43 minutos (e, aproximadamente, 50 minutos em São Paulo e no Rio de Janeiro). Nas demais regiões metropolitanas é de 27 minutos e no restante do Brasil, de 23 minutos. Haveria uma demanda de investimentos em mobilidade urbana equivalente a 4,8% do PIB nessas 15 áreas.
Os maiores gargalos estão em São Paulo (83 bilhões de reais), Rio de Janeiro (42 bilhões) e Belo Horizonte (25 bilhões). As três capitais, ao lado de Fortaleza e Porto Alegre, concentram 77% da demanda. A maior parte dos recursos destina-se aos modais metroferroviários: 210 bilhões de reais para a construção de 834 quilômetros de metrôs, trens, monotrilhos e VLTs. O custo de implementação de 1 quilômetro de metrô com a construção da estação alcança cerca de 500 milhões de reais.
Levantamentos realizados em Belo Horizonte apontam que a rede de linhas subterrâneas da capital mineira deveria atingir 150 quilômetros de extensão para suprir a demanda. BH tem, no entanto, menos de 30 quilômetros em operação.
Alcançar a extensão ideal custaria 5 bilhões de reais. “Nenhum estado tem no Orçamento recursos dessa magnitude”, afirma Resende. “Há uma tendência de os governos municipais e estaduais recorrerem à União pelo volume a ser aplicado”, avalia Rosane Meneses Lohbauer, advogada do Madrona Law.
A partir de 2011, o governo federal passou a oferecer recursos a projetos de mobilidade. Até agora, o montante passa de 150 bilhões de reais, mas somente 20% foram aplicados. Por conta do aperto fiscal do ano passado, o Ministério das Cidades decidiu redesenhar os empreendimentos para que eles possam receber dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
A reestruturação permitirá desembolsos mais ágeis e direcionados a concessionárias privadas. Em 2016, Dario Rais Lopes, secretário de Mobilidade Urbana da pasta, prevê a retomada dos investimentos.
“Há menos concentração nas grandes cidades e nos sistemas de maior capacidade, como os metrôs.” Lopes cita a cidade gaúcha de Canoas, que investe na construção de um aeromóvel, linha de trem de média velocidade. Curitiba projeta um sistema de compartilhamento de carro elétrico, enquanto Campinas prepara uma licitação de 500 milhões de reais para um projeto de corredor expresso de ônibus.
Diante do custo e da demora na construção do metrô, as cidades têm buscado alternativas. De olho na demanda por VLTs, a Alstom investiu 50 milhões de reais em uma unidade na paulista Taubaté, inaugurada no início do ano passado, para construir trens urbanos.
Um dos clientes é o município do Rio de Janeiro. Dentre os projetos do chamado Porto Maravilha figura um VLT que sairá da região portuária, passará pelo centro financeiro da cidade e chegará ao Aeroporto Santos-Dumont.
“Investimos em uma nova fábrica no Brasil justamente por acreditar na implantação do modal para suprir o déficit em mobilidade”, afirma Michel Boccaccio, vice-presidente sênior da Alstom na América Latina e presidente da empresa no Brasil. Goiânia também terá um VLT, cujo financiamento aguarda assinatura. Outras cidades, incluídas Salvador e Campinas, estudam a implementação do modal, mas os projetos estão em fase de estudos.
Criada em 2012, a Política Nacional de Mobilidade Urbana previa que até abril do ano passado municípios com mais de 20 mil habitantes deveriam apresentar um plano de mobilidade, condição essencial para conseguirem acessar recursos do governo federal. Dos cerca de 3 mil planos, somente 20% foram entregues.
“A maior parte das cidades com mais de 750 mil habitantes entregou ou prepara um projeto neste momento, mas agora vamos concentrar os esforços nos municípios entre 20 mil e 250 mil habitantes, o grosso que não entregou o planejamento”, informa Lopes. Um projeto de lei, aprovado na Câmara, mas ainda não ratificado pelo Senado, estende o prazo de apresentação dos planos até abril de 2018.
Segundo o secretário do ministério, atrair a iniciativa privada é uma das saídas. O Brasil, avalia, precisa começar a discutir formas de aumentar os recursos disponíveis para a área. Existem vários exemplos no mundo de soluções para atrair o investimento privado no setor. Linhas de metrô no Japão são construídas por consórcios que podem explorar comercialmente áreas de faixa de domínio da obra.
“Uma parte do dinheiro mantém a tarifa acessível aos usuários e outra garante o lucro da concessionária. Essas formas de induzir a expansão imobiliária com o crescimento do transporte público devem começar a ser mais discutidas aqui, principalmente nas áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, em que um ganho de indução poderia ser compartilhado.”
Lopes também considera importante rediscutir a estrutura tarifária dos serviços de transporte público. Os sistemas estão mais complexos, integrados e sofisticados. Os novos corredores expressos de ônibus trabalham com informação em tempo real sobre os horários de chegada e partida dos veículos, o que exige sensores e monitoramento via satélite, além da transmissão dos dados aos usuários. “Como financiar essa infraestrutura mais moderna com uma tarifa justa? Essa é uma questão que vai ganhar alcance, porque alguém terá de pagar a conta.”
Segundo Marcos Bicalho, diretor-administrativo e institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, outro ponto a ser considerado é o número de usuários que não pagam passagem de ônibus. De acordo com levantamento da NTU, 120 milhões de viagens são realizadas de forma gratuita ou com desconto.
O impacto da gratuidade ou dos descontos representaria 18% dos custos da passagem. Os benefícios tarifários integram políticas sociais que deveriam ser atendidas e custeadas com recursos próprios e específicos, defende Bicalho. Em algumas cidades, mais da metade do Orçamento público é direcionado para cobrir o transporte subsidiado de idosos e estudantes.
A emenda constitucional número 90, promulgada em setembro pelo Congresso Nacional, inclui o transporte na lista de direitos sociais, ao lado de saúde e educação. A expectativa é de que haja um aumento dos investimentos na área. “Isso é um primeiro passo que indica a importância do tema”, aponta o executivo.
Também abre espaço para se discutir o financiamento do setor. Em 2001, nasceu a Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis. O objetivo seria financiar obras em rodovias. Mas, a exemplo da CPMF, a arrecadação engordou o superávit primário.
Como um imposto deveria funcionar? “Um tributo sobre gasolina poderia ser usado, pois o transporte individual deve financiar o público. Receitas de estacionamento ou impostos sobre a indução da valorização imobiliária são alternativas”, enumera Bicalho. Na França, os custos do transporte público são repartidos: um terço sai do bolso dos usuários, um terço do caixa do governo e um terço é arrecadado em forma de tributos. Em Londres, a cobrança de taxa para os veículos que circulam no centro expandido financia obras de transporte público. “Hoje, no Brasil, 70% das vias são ocupadas por automóveis, uma distorção.”
A demanda reprimida atrai a iniciativa privada, em forma de concessões e PPPs ou na indústria de fornecedores. Desde 2004, foram assinados 85 contratos de parcerias. Do total, dez têm a ver com mobilidade urbana. Um montante de 40 bilhões de reais em valor de contrato. “O projeto do carro elétrico carioca e o BRT de Sorocaba devem ser os próximos a ser assinados”, prevê Guilherme Naves, sócio da Radar PPP.
Os novos contratos poderão ser estimulados pelos projetos de iluminação pública. Resolução recente da Agência Nacional de Energia Elétrica (estipula que a iluminação terá de ser gerenciada pelas prefeituras. Isso deve levar a contratos de PPPs no setor. “E isso vai fazer com que depois elas comecem a estudar esses contratos para mobilidade urbana, segmento de grande demanda”, avalia Naves.
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Para desafogar o trânsito, Brasil deve investir 235 bilhões de reais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU