A reflexão é de Terezinha das Neves Cota, rc, religiosa da Congregação Nossa Senhora do Cenáculo. Ela possui graduação e mestrado em teologia pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus – CES e é orientadora de retiros espirituais.
1ª Leitura - Eclo 27,33-28,9
Salmo - Sl 102(103),1-2.3-4.9-10.11-12 (R. 8)
2ª Leitura - Rm 14,7-9
Evangelho - Mt 18,21-35
A Liturgia deste domingo é um convite à compaixão, porque somente corações compassivos são capazes de viver no dia a dia, a solidariedade, a generosidade e o perdão. Quem nos educa para a compaixão é o próprio Deus, “que nos cerca de carinho e compaixão” (Sl. 103 (102), 4). Quem nos testemunha ser movido pela compaixão (Mt. 9, 36) e o imperativo de perdoar sempre (Mt. 18, 22 e 35) é Jesus, nosso Bom Pastor e Mestre.
No prólogo do livro do Eclesiástico, o próprio neto de Jesus Bem Sira, explica que o seu avô se dedicou intensamente ao estudo da Lei, dos Profetas e outros textos do Primeiro Testamento e decidiu escrever sobre tudo que compreendeu para instruir outras pessoas. Trata-se da “instrução de conhecimento e ciência, que derrama como chuva a sabedoria de seu coração” (Eclo. 50, 27).
A sabedoria traz além do conhecimento, uma nova oportunidade, uma nova prática inspirada pelo próprio Deus: “Feliz quem se dedicar a tudo isso, pois quem coloca esses ensinamentos em seu coração se tornará sábio. Se os coloca em prática será forte em tudo, porque a luz do Senhor é seu caminho”. (Eclo. 50, 28-29).
Nesta primeira leitura o perdão ao próximo assegura como retribuição o perdão de Deus, portanto o rancor e a raiva precisam ser dominados. A lembrança da finitude da vida humana, a observância dos mandamentos e a consideração sobre a Aliança favorecem a opção por perdoar o próximo. “Se não tem misericórdia do teu semelhante, como se atreve a pedir algo em relação aos próprios pecados? Lembra-se dos mandamentos, e não guarde rancor contra o teu próximo. Lembre-se da Aliança com o Altíssimo, e passe por cima da ofensa que lhe fizeram”. (vv. 4 e 7).
“O Senhor é bondoso, compassivo e carinhoso”. Este refrão escolhido para salmo responsorial, nos remete ao v. 8. Ele também inspira o pulsar dos corações, que buscam viver a compaixão.
Os demais versículos escolhidos ressaltam os benefícios que recebemos do Bom Deus, que não podem ser esquecidos; o comportamento divino de não repetir queixas, nem guardar eternamente rancor e a forma como o Amor de Deus triunfa na vida de todas as pessoas, que com reverência se aproximam confiantes em sua misericórdia, porque Ele afasta para longe as transgressões cometidas.
Relacionando este pequeno trecho da Carta aos Romanos com os temas que se destacam na Liturgia deste domingo, ficam as ressonâncias do viver para o Senhor e do pertencer ao Senhor e o imperativo do discipulado do dia a dia, do empenho de acertar nossos passos com os passos do Mestre, de afinar o pulsar dos nossos corações com o Coração de quem sempre soube amar, compadecer e perdoar.
O critério que se impõe para a vida cristã é viver para o Senhor. O título “Senhor” é na profissão de fé cristã a afirmação da Ressurreição de Jesus Cristo. Jesus, que experimentou a morte e ressuscitou, é o Senhor dos vivos, mas é também o Senhor dos mortos, porque a todos/as deseja conduzir para a Vida em plenitude.
“Se vivemos, vivemos para o Senhor, se morremos, morremos para o Senhor. Na vida e na morte somos do Senhor”. (v.8).
Viver e pertencer ao Senhor são impulsos vitais para amar mais, amar sempre, superando todos os impedimentos para que se manifestem as expressões tão profundas e verdadeiras do amor, que são o perdão e a compaixão.
Para responder a questão apresentada por Pedro – "Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?" – Jesus conta uma parábola, onde denotamos diferenças enormes entre as quantidades e os comportamentos.
A generosidade de Pedro precisa ser reconhecida, nenhum vestígio da Lei do Talião: “Se alguém fizer uma ferida ao seu próximo, far-se-á o mesmo a ele: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente; conforme o dano que tiver feito a outro, homem, assim se lhe fará a ele. Quem matar um animal pagá-lo- á, quem matar um homem deverá morrer” (Lv 24,19-21). O testemunho do Mestre levou Pedro a estar disposto a perdoar até sete vezes. Porém, Jesus ensina a Pedro uma generosidade imensamente maior: é preciso perdoar setenta vezes sete.
Na parábola Jesus prossegue ressaltando as diferenças: um devia ao seu patrão dez mil talentos, equivalente a cento e setenta e quatro toneladas de ouro. O outro lhe devia cem moedas de prata, ou seja, cem denários, menos de trinta gramas de ouro. Qualquer severidade e intolerância do primeiro com o seu semelhante é descabida neste contexto. Mas, a parábola ensina mais, este é o contexto de todo o ser humano. Quem pode se recusar a perdoar ciente de quanto foi perdoado/a por Deus? As Escrituras não se cansam de proclamar a forma como Deus nos julga e acaba escolhendo a clemência, a misericórdia e a compaixão.
Outro aspecto desta parábola, que às vezes passa despercebido, é que quem fica endividado é geralmente uma pessoa carente, que muitas vezes não tem como pagar, quando a dívida se acumula ou mesmo, quando a dívida é pequena, mas é grande o empobrecimento. Em uma sociedade como a nossa, cujo foco é a economia, muitos são os que lucram, prejudicando os mais pobres, aumentando as desigualdades e levando-os ao desespero por causa das muitas dívidas.
Encontramos no Salmo 37, nos vers. 21 e 26, as seguintes constatações: “O ímpio pede emprestado e não devolve, mas o justo demonstra bondade e faz doação... Ele mostra bondade e empresta e, sua descendência é abençoada”. E, no livro dos Provérbios, vemos o quanto é agradável a Deus, quem compartilha com os necessitados: “Quem doa ao pobre empresta a Javé, que lhe dará recompensa”. (19, 17). “Quem despreza o seu próximo peca, mas quem é bondoso com o pobre é feliz”. (14,21).
Na conclusão do Evangelho, vemos a indignação do patrão, a punição pela crueldade do servo com o seu semelhante e a exortação para perdoarmos de todo coração nossos irmãos. Que nossos corações se tornem compassivos, educados por tantas passagens das Escrituras, capazes de transformar nossas vidas.
Para concluir, quero ressaltar um pequeno texto do livro da Sabedoria, que provavelmente foi estudado pelo autor do Livro do Eclesiástico, foi meditado por Jesus e Paulo e, pode igualmente nos inspirar a viver a prática esperada por parte de todos que acolhem, na Palavra de Deus, a exortação, para ter compaixão, perdoar e partilhar sempre.
Senhor, julgas com brandura, dominando a tua força. E nos governas com muita clemência, porque exerce o poder quando queres. Através dessas obras, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser amigo de todo ser humano. E ofereceste esperança aos teus filhos, porque concedes que haja conversão depois dos pecados. (Sab. 12, 18-19).