Pensando o lesbianismo feminista. Uma entrevista especial com Ochy Curiel

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08 Fevereiro 2008

 

"O lesbianismo não se entende somente como uma prática sexual, mas também, sobretudo, como uma atitude de vida, uma ética emoldurada em uma proposta política." A afirmação é da ativista feminista Ochy Curiel, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line e que foi publicada, originalmente, em 14 de agosto de 2007. Ochy publicou um interessante artigo intituladoEl Lesbianismo Feminista: una propuesta política transformadora”. No documento, a ativista defende o lesbianismo não como uma identidade, uma orientação ou uma opção sexual, mas como uma posição política.

 

Na entrevista a seguir, Ochy fala de como interpreta o movimento lesbofeminista como uma posição política, da representatividade que o movimento possui, dos grupos como o GLBT e das suas aspirações para o Lesbianismo Feminista. “As lésbicas, as mulheres e a humanidade devem ter uma visão integral da realidade, pois o movimento deve afetar as políticas neoliberais, a guerra, o militarismo, o racismo, os fundamentalismos na vida das mulheres, isto é, como se manifesta realmente o patriarcado em todas as suas formas atuais”, acredita ela.

Rosa Inés Curiel Pichardo (Ochy) nasceu na República Dominicana. É cantora e uma importante ativista do movimento lésbico feminista. Desde a década de 1980, Ochy trabalha pelos movimentos polulares através do Centro Dominicano de Estudos da Educação, em Santo Domingo. Ajudou a fundar do Ce-mujer, uma organização não-governamental de mulheres trabalhando no departamento de assessoria comunitária. Mais tarde, na década de 1990, Ochy passa a fazer parte da diretoria da Casa pela Identidade das Mulheres Afro, uma organização feminista na luta contra o racismo e o sexismo. Ochy também fez parte da Rede de Mulheres Afrolatinoamericanas e Afrocaribenhas. Tem sido organizadora de dois importantes encontros continentais: o Encontro de Mulheres Negras e o Encontro Feminista da América Latina e Caribe.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o lesbianismo feminista pode ser interpretado como uma posição política?

Ochy Curiel – O lesbianismo feminista parte de um conceito-chave: a heterossexualidade como norma obrigatória e como uma instituição política que diminui a autonomia das mulheres. Isso supõe entender a heterossexualidade não como prática sexual, mas como um sistema político que implica na exploração das mulheres nos planos sexual, emocional, material e simbólico. Essa exploração tem sido respaldada pelas leis, pela religião, pelas imagens midiáticas, enfim, por tudo.

A heterossexualidade tem feito com que a independência e a autonomia das mulheres fiquem apagadas da história, propondo a idéia de que elas pertencem aos homens, seja como mãe, seja como esposa. A heterossexualidade obrigatória é usada para justificar o fato de que os homens pensam que o corpo das mulheres lhes pertença e, assim, seja apenas um objeto de exploração para cometer as violências sexuais, os femicídios, a exploração no trabalho etc.

O lesbianismo feminista explica que a mulher não depende econômica, emocional e materialmente dos homens. Esse já é um ato subversivo frente ao patriarcado e frente a todas essas formas de exploração e subordinação. Não necessitamos dos homens para viver, pois criamos redes solidárias entre mulheres, sejam elas lésbicas ou não. Essas redes têm gerado outras formas de relação, de sexualidade e prazer, nem falocêntricas nem opressoras. São outras relações sociais não hierárquicas.

A partir dessa posição, o lesbianismo, então, não se entende somente como uma prática sexual, mas também, sobretudo, como uma atitude de vida, uma ética emoldurada em uma proposta política.

IHU On-Line – Qual é a representatividade do lesbianismo feminista hoje na América Latina? Qual é sua força política?

Ochy Curiel – Acho que não podemos falar em representatividade, porque no movimento lésbico feminista nenhuma organização representa o resto das organizações, muito menos na América Latina. Acredito que, a partir dos anos 1990, atingimos o auge dos espaços lésbicos feministas, graças ao impacto do feminismo que buscava, entre outras coisas maior autonomia nas mulheres, fora dos partidos e sindicatos. Desde então, o corpo e a sexualidade passaram a ser centrais para a política e ele permitiu, além de questionar o caráter heterocentrado do feminismo, abrir novas brechas para o feminismo tanto como teoria social quanto como prática política.

O auge desta época se evidenciou em muitos grupos, redes, articulações, encontros internacionais, enfim, um sem-número de expressões políticas e culturais do lesbianismo feminista latino-americano que chegam até hoje em dia.

Sua força política é evidenciar a heterossexualidade como sistema político, opressora em relação às mulheres e à potencialidade do lesbianismo para nossa liberdade e autonomia.

IHU On-Line – Que avanços você percebe no movimento lesbiano-feminista desde seu surgimento?

Ochy Curiel – O avanço fundamental é que muitas lésbicas entenderam a importância de dar ao lesbianismo um caráter político, respaldadas pela proposta feminista. O lesbianismo feminista latino-americano é uma das correntes que se mantém mais radical nos postulados feministas, ainda que reconheçamos a existência de muitas lésbicas feministas metidas na institucionalidade, burocratizadas, dentro do movimento “Light”, como o GLBT. Mesmo assim, acredito que este é um movimento com muita criatividade, apresentando cinema, textos teóricos, músicas etc. Acredito, igualmente, que ele tem criado impacto no feminismo e nos movimentos sócio-sexuais, ainda que estes não sejam reconhecidos.

IHU On-Line – O movimento ainda é mal interpretado pela sociedade civil?

Ochy Curiel – A sociedade civil é um conceito muito amplo e muito complicado, porque a constituem desde os movimentos sociais até o empresariado, desde os setores da esquerda até os setores de direita. No geral, é claro que ainda não é um movimento muito bem visto por muitos setores, porque é um dos movimentos mais radicais. A autonomia e a radicalidade das mulheres nunca são bem vistas pelos setores conservadores, sejam de esquerda ou de direita. A lesbofobia é um fenômeno muito intenso em nossos países. Além disso, acredito que ainda não temos força política para dentro da nossa sociedade conservadora, e isso se deve ao fato de que ser uma lésbica pública significa correr muitos riscos, lamentavelmente.

IHU On-Line – No artigo El Lesbianismo Feminista: una propuesta política transformadora, você fala que o movimento lésbico feminista passou por um retrocesso na década de 1990. Este retrocesso ainda existe?

Ochy Curiel – Sim, acredito que ainda existe. Creio que um dos fenômenos foi a institucionalização que tocou a todos os movimentos sociais. Já o trabalho político mais horizontal de construção coletiva depende do Estado, dos financiamentos internacionais, que já quase não existem, pelo menos não como antes. O que existem são ONGs burocratizadas, tecnificadas, de serviços, que têm muito poucos coletivos autônomos. Somado a estes problemas, está a crise econômica pela qual nossas países têm passado, devido à globalização e ao neoliberalismo, que fazem com que cada vez mais os espaços de trabalho se reduzam. Então, se para as mulheres isto é difícil, para as lésbicas é ainda mais, pois o tempo que poderiam dedicar às ações políticas se reduz drasticamente.

Outro fenômeno que acredito que tem a ver com esse retrocesso foi a entrada do gênero como perspectiva política, pois isso fez perder a radicalidade feminista e, unida a este tema, a invibialização das lésbicas que se reconhecem como parte do movimento GLBT, um movimento de discurso tolerante, mas sem projetos políticos. Algumas alianças estão vazias de conteúdo, como o GLBT, que, para mim, é um movimento misógino e antifeminista.

IHU On-Line – Qual é seu principal objetivo quando diz que o movimento "tem uma responsabilidade histórica de afetar este mundo”?

Ochy Curiel – Eu falo por mim e não pelo movimento. Acredito que o lesbianismo feminista é uma proposta transformadora e revolucionária das relações de opressão e subordinação que se exerce sobre todas as mulheres. Acredito que as lésbicas feministas, como toda aquela pessoa que pensa que é possível transformar este mundo para o bem, devem trabalhar mais politicamente nos bairros, nas universidades, no movimento artístico, entre os acadêmicos, escrevendo com propostas críticas e, ao mesmo tempo, positivas. Acho que o lesbianismo feminista não somente deve centrar-se na sexualidade, como também deve considerar como afeta as raças, as classes etc.

As lésbicas, as mulheres e a humanidade devem ter uma visão integral da realidade, pois o movimento deve afetar as políticas neoliberais, a guerra, o militarismo, o racismo, os fundamentalismos na vida das mulheres, isto é, atingir tudo aquilo que manifesta realmente o patriarcado em todas as suas formas atuais. Nossas propostas políticas não se diluem em temas como a identidade, pois consideram tanto nossas vidas privadas como públicas, além de nossas subjetividades macroestruturais. É uma proposta que precisa transformar-se em um projeto que transpassa fronteiras, descolonizador de nossas vidas. Essa, para mim, é a proposta do lesbianismo feminista.

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