19 Dezembro 2025
A decisão atendeu aos pedidos do MPF em uma ação civil pública movida em 2021, mas Norte Energia informou que recorrerá.
A informação é publicada por ClimaInfo, 18-12-2025.
A Justiça Federal no Pará determinou a revisão da vazão de água adotada para a operação da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. Com isso, a Norte Energia, responsável pela usina, e o IBAMA foram condenados a refazer o hidrograma de consenso da planta, usado pela empresa para definir o volume de água que libera para a região da Volta Grande do Xingu, abaixo da barragem.
A juíza federal Maíra Campos, da Vara Federal em Altamira (PA), determinou que o Xingu volte a ter nível de inundação suficiente para garantir os ecossistemas, o modo de vida de ribeirinhos e Povos Indígenas e a navegação de embarcações, detalha a Folha. Para isso, é necessário revisar o hidrograma, “com a definição de um controle artificial de vazões apto a garantir a mitigação dos impactos advindos do desvio do fluxo hídrico do rio Xingu”, menciona a magistrada.
A decisão responde a uma ação civil pública com tutela de urgência proposta pelo Ministério Público Federal em 2021. É uma vitória, mas não com a rapidez que o colapso socioambiental na região exige, reforça a Sumaúma. Por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, a tutela de urgência da ação não foi concedida. Ou seja, a sentença só será cumprida após o trânsito em julgado, quando não couber ou não houver mais recurso.
E a Norte Energia – que opera Belo Monte sem licença ambiental válida desde novembro de 2021 – já avisou que recorrerá da decisão. A empresa continua defendendo o hidrograma atual. “O hidrograma estabelece a vazão de água mínima para a Volta Grande do Xingu e foi estabelecido pelo Estado brasileiro no processo de licenciamento”, disse a companhia, em nota.
A Volta Grande do Xingu guarda mais de cinco séculos de ocupação pelos indígenas Juruna e Arara, sem falar de sua imensa biodiversidade. Em dissenso com as vidas humanas e mais-que-humanas, o hidrograma de consenso previsto no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte impôs dois regimes de liberação de água: num ano seria aplicado o Hidrograma A, com vazão mínima de 4 mil metros cúbicos por segundo (m3/s) em abril, no pico da cheia; noutro valeria o Hidrograma B, com pelo menos 8 mil m3/s no mesmo mês. Mas a média histórica, entre 1931 e 2007, chega a quase 20 mil m³/s.
Desde 2016, com o início da operação da usina, ficou evidente que os testes do hidrograma seriam inviáveis. A redução do fluxo hídrico na Volta Grande, mesmo com vazões superiores às do Hidrograma B, impediu que as águas chegassem às florestas de igapó e aos pedrais, gerando um desastre ambiental e humanitário muito além do previsto pelo licenciamento. O mecanismo que deveria abrandar os danos da hidrelétrica e garantir a vida de curimatás, pacus, piaus, tucunarés, tracajás e também de pessoas virou um novo impacto gerador de fins de mundo. Áreas que eram berçários de peixes se tornaram cemitérios.
Em 2019, com a instalação da última turbina da barragem, começariam os testes do hidrograma de consenso. Mas um parecer técnico do IBAMA avaliou que o Hidrograma A era impraticável e que os dados eram insuficientes para assegurar que o Hidrograma B não levaria a uma piora drástica.
Um ano depois, em 2020, ficou definida a aplicação de um hidrograma provisório, até que houvesse novos estudos. No ano seguinte, contudo, com a pandemia de COVID-19, o Hidrograma B passou a operar.
Na 3ª feira (16/12), devido à gravidade da situação, o MPF solicitou à Justiça Federal que a Norte Energia seja obrigada a fornecer água potável e acesso à internet, em caráter emergencial, às famílias ribeirinhas, indígenas e de agricultores familiares que vivem na Volta Grande do Xingu, informa o Diário do Pará. Segundo o MPF, as comunidades enfrentam uma grave emergência hídrica, com riscos diretos à saúde pública, decorrente do desvio das águas do Xingu para a geração de energia em Belo Monte.
Em tempo
Pior que instalar Belo Monte é usar carvão para gerar energia elétrica. E a Deutsche Welle mostra a força do lobby do combustível fóssil, liderado por Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS) - isso, você leu direito. Apesar de representar apenas 2% da geração elétrica brasileira, o carvão — que tem o maior nível de emissões entre os combustíveis fósseis e também é o mais caro — continua tendo espaço graças à pressão do lobista Zancan e de políticos da região Sul no Congresso Nacional.
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