A Vogue e o Papa. Artigo de Marcus Tullius

Papa Leão XIV | Foto: Vatican Media

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19 Dezembro 2025

"Narciso morreu de tanto contemplar a própria imagem, sinal da autorreferencialidade. Eis um chamado a uma Igreja cuja beleza seja menos conhecida pelo corte da veste e mais pelo desgaste no caminho", escreve Marcus Tullius, mestre em Comunicação, coordenador de comunicação da Cáritas América Latina e Caribe e pesquisador de comunicação e religião. Atuou como coordenador da Pascom Brasil entre 2018 e 2024 e integra o Grupo de Reflexão sobre Comunicação (Grecom) da CNBB. Apresenta o programa Igreja Sinodal em emissoras de inspiração católica. Vencedor do Prêmio Papa Francisco dos Prêmios de Comunicação da CNBB (2025).

Eis o artigo.

O destaque de Leão XIV na Vogue, como uma das 55 pessoas mais bem vestidas de 2025, gera um certo incômodo. Talvez seja o seu também. Não apenas pela presença inédita (ou rara) de um pontífice em uma revista símbolo da moda e do consumo cultural, mas por ser um indicativo de que uma das crises que atravessamos é, também, estética. É igualmente indicativo daquele “mundanismo espiritual”, por vezes mencionado e condenado por Francisco.

Há um interesse bastante evidente de contrapor o estilo austero de seu predecessor, que usava vestes simples — que já foi visto com as mangas rotas da batina e que entrou no céu com seus sapatos surrados -, já que, na matéria, a revista afirma que o pontífice ficou conhecido por "romper com o gosto modesto de seu antecessor, o Papa Francisco, mas mantendo seu alfaiate e preservando o legado papal de vestes litúrgicas impecáveis". O que está em jogo ali é, também, a forma como a fé se deixa ver, sentir e ser interpretada no mundo contemporâneo.

Por isso, a imagem provoca e incomoda tanto. Mais do que a expressão da superficialidade ou da vaidade, pode provocar a ruptura entre forma e conteúdo, correndo-se o risco de o sagrado virar estilo; o ministério, puramente uma performance; e de se perder aquele sinal de serviço que uma veste litúrgica deveria transparecer. Com isso, perde-se o sentido e tudo se torna, puramente, vitrine.

Ah, também não é demais lembrar que tais vestes, embora não usadas por Francisco, foram utilizadas por outros pontífices. O “look” escolhido foi o de sua primeira aparição.

A questão, no fundo, creio que não é estar ou não na Vogue. É o que a imagem comunica antes mesmo das palavras, ao transmitir um modelo de Igreja cheia de penduricalhos. A estética nunca é neutra: ela molda o olhar, expressa estilos que não são apenas visuais. Se a Igreja perde o cuidado com essa gramática sensível — ou a substitui pela lógica do espetáculo —, envaidece-se, apequena o Evangelho, afasta-se dos menores que não se reconhecem nessas escolhas e, consequentemente, desconstrói o Reino.

Narciso morreu de tanto contemplar a própria imagem, sinal da autorreferencialidade. Eis um chamado a uma Igreja cuja beleza seja menos conhecida pelo corte da veste e mais pelo desgaste no caminho.

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