17 Dezembro 2025
A desindustrialização sofrida pelo gigante do Velho Continente está levando Bruxelas a rever sua ambiciosa meta para 2035. Volkswagen, BMW e Mercedes têm sido as mais vocais em suas reivindicações.
A informação é de Manu Grande, publicada por El País, 17-12-2025.
A União Europeia sucumbiu ao pânico alemão em relação à desindustrialização em massa. O anúncio feito na terça-feira por Bruxelas, reduzindo as metas de emissões para automóveis até 2035, deixa poucos perdedores, mas um claro grupo de vencedores: as montadoras alemãs e as empresas petrolíferas que investem em combustíveis sintéticos e biocombustíveis. Volkswagen, BMW e Mercedes-Benz — esta última detentora da presidência da ACEA, a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis, que negociou essa flexibilização com Bruxelas — travaram uma intensa campanha de lobby para que a UE reduzisse substancialmente as metas de emissões que haviam sido definitivamente aprovadas há apenas dois anos.
As três gigantes alemãs do setor automotivo só precisaram dar uma olhada nas manchetes dos principais jornais europeus nos últimos dois anos para pressionar Bruxelas: nesse período, houve uma negociação muito difícil entre a Volkswagen e o sindicato IG Metall, que resultou em um acordo no último Natal para reduzir a força de trabalho do grupo na Alemanha em 35.000 pessoas até 2030; a Ford fechou sua fábrica alemã em Saarlouis e reduziu significativamente sua força de trabalho em Colônia e Almussafes (Valência); gigantes do setor de componentes, como Bosch e ZF, ambas alemãs, anunciaram milhares de demissões; e o setor como um todo sofreu uma drástica redução em seus lucros até 2025.
Tudo isso pode ser explicado pela mudança de paradigma: a China agora domina a indústria automotiva, não se limitando mais ao seu mercado interno, mas também vendendo em larga escala na Europa. Isso significa que a fatia de mercado, que ainda não recuperou o tamanho pré-pandemia, precisa ser dividida entre mais concorrentes, que não estão competindo em igualdade de condições, segundo figuras importantes do setor automotivo, como Josep Maria Recasens, presidente da Anfac e um dos principais executivos da Renault no mundo.
O pacote de medidas aprovado por Bruxelas não toma medidas concretas contra os carros chineses — que vendem principalmente veículos com motor de combustão interna e vários tipos de híbridos na Europa, isentos das tarifas adicionais aprovadas no ano passado — mas menciona a promoção da venda de carros pequenos fabricados na Europa e o uso de aço verde da UE. Para veículos elétricos pequenos, haverá “supercréditos” para impulsionar as vendas (a Comissão não forneceu detalhes, mas a Renault indicou que estes afetariam a contabilização das emissões médias dos fabricantes). Além disso, a UE deixa em aberto a possibilidade de os Estados-Membros lançarem os seus próprios pacotes de incentivos para veículos elétricos com até 4,2 metros de comprimento.
Este último ponto é um claro sinal da batalha travada nos bastidores entre a França e a Alemanha. A França queria promover carros elétricos pequenos e acessíveis, pois é isso que produz, especialmente com a Renault, com modelos como o Renault 4 e o Renault 5. A Alemanha, que não fabrica nenhum veículo nos segmentos A ou B, não estava interessada e conseguiu garantir que os incentivos para veículos com até 4,2 metros de comprimento fossem de responsabilidade dos Estados-membros. Nessa disputa, a Espanha ficou do lado da França, já que sua indústria é baseada em carros pequenos com motor a combustão: o desafio é continuar produzindo carros do mesmo porte, mas em versão elétrica, algo que busca alcançar com o Plano Espanha Auto 2030, elaborado pelo Ministério da Indústria, pela ANFAC (Associação Espanhola de Fabricantes de Automóveis e Caminhões) e pela Sernauto, a associação nacional de fabricantes de autopeças.
Nesse conflito, a Espanha parece ter tido a visão mais clara. A segunda maior fabricante de automóveis da Europa prevê a produção de carros totalmente elétricos até 2035 em seu plano diretor. Além disso, destinou recursos próprios para incentivar as compras (400 milhões de euros para o programa Auto+ no próximo ano); 300 milhões de euros para infraestrutura pública de recarga, um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da eletromobilidade; e 580 milhões de euros para um novo programa VEC, com o objetivo de atrair mais investimentos industriais relacionados a veículos elétricos, justamente quando diversas montadoras chinesas consideram estabelecer presença no país.
Híbridos plug-in e combustíveis alternativos
A principal medida do pacote aprovado pela União Europeia é reduzir a meta de redução de 100% das emissões de gases de escape de carros novos até 2035 para 90%. Os 10% restantes serão compensados pelo uso de aço verde europeu ou pela venda de veículos movidos a combustíveis sintéticos ou biocombustíveis. Esta é uma excelente notícia para empresas de energia como a Aramco e a Repsol. A empresa espanhola, inclusive, lançou recentemente uma gasolina “renovável” que, segundo ela, emite 70% menos CO2, embora seja um pouco mais cara que a gasolina tradicional. Ela também possui uma versão ecológica do diesel, que já comercializa na Espanha.
A Aramco, por sua vez, entrou no negócio de motores de combustão da Renault e da empresa chinesa Geely, além de investir pesadamente em combustíveis sintéticos ou e-combustíveis, assim como a Repsol, com quem está construindo uma fábrica em Bilbao. Lá, começarão a produzir combustíveis sintéticos em pequena escala em 2026. Dentro do setor, no entanto, ainda se considera que essa tecnologia está longe de se tornar uma realidade para a maioria dos clientes devido ao seu alto custo.
Outro claro vencedor é o híbrido plug-in. Com o relaxamento das metas de CO2, esses carros continuarão sendo vendidos na Europa em 2035. Marcas como Mercedes-Benz e BMW investiram pesado nessa tecnologia, com modelos como o GLC — que, apesar de custar cerca de € 68.000, é o quinto híbrido plug-in mais vendido na Espanha, segundo dados da ANFAC — o X3, o X1 e as séries 3 e 5. Fontes da indústria consultadas apontam para outro vencedor inesperado: o SUV grande. Os híbridos plug-in são abundantes nesse tipo de carro, já que a eletrificação pura resulta em consumo excessivo de combustível devido ao peso da bateria. “Um carro elétrico pesando duas toneladas e meia não faz sentido.”
A indústria automotiva ficou satisfeita com todas essas concessões e poderá desfrutar do Ano Novo em paz. No entanto, embora o caminho esteja mais claro para a próxima década, o setor automotivo europeu ainda precisa encontrar uma solução para seu problema fundamental: como reverter a situação em relação à China?
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