13 Dezembro 2025
Existem situações sem saída, no limite da vida. Este é um caminho; através da nuvem cinza se alcança o azul infinito, a liberdade plena.
O artigo é de Edison Hüttner, professor nos cursos de graduação e no PPG em História da PUCRS.
Eis o artigo.
Sol, sol. Noite, noite. Na colina de Taizé, vozes unidas cantam, em muitas línguas, sem parar: Veni, sancte spiritus... Adoramus te, o Christe..., sintonizando o amor que o Irmão Roger semeou... Outras manifestações buscam o equilíbrio da mente e do corpo, como yoga e Gestalt-terapia, com pedras aquecidas na base da coluna vertebral e casas equilibradas com harmonização Feng-Shui, com eneagramas de personalidade, método que pratico desde El Escorial, Espanha, meditando com fios de fumaça de sândalo. Isto traz benefícios e indica o caminho à antiga aspiração: como responder à vida?
Entre luzes e sombras algo grita. É o Clamor do Epulão (Lc 16,19-31). Grita para nos dar conta do consenso que se diz certo em nossos dias: afasta-te de energias negativas, não te envolva em conflitos e situações que sugam a própria essência! O correspondente: toma distância de certos lugares, pois ali se ouve o socorro de quem precisa, melhor, mude-se para o vale do ”portal de cristal”, lá está a paz, a “conexão”, o contato com a natureza e todas as vibrações do universo. Estes pensamentos arrastam. No passado legiões de camponeses e guerreiros foram guiados por um principio fanático: tomar posse de Jerusalém. Quem sabe celebrar a vitória ao lado de partículas do Signo Crucis, como se Jesus estivesse lá parado esperando para abraçá-los e ser adorado. As “relíquias” de Jesus eram os corpos de mulçumanos e cristãos enterrados no caminho e nos muros de Jerusalém. Mas era possível celebrar, mesmo no deserto, unindo as mãos, alcançariam o espírito da “Última Ceia”, até... Em outras palavras, a linguagem do amor que proferimos em orações à luz de vitrais de capelas ou diante de um altar, não pode ser diferente da linguagem que utilizamos depois na mesa da refeição.
Às vezes acreditamos que a melhor forma para elevar a alma e encontrar a seiva da vida interior é ser como um mestre que anda nas encostas das montanhas, lendo escritos, distante. Não basta. Se o mestre suplicar aos céus e olhar com ternura para a planície, estabelecerá entre o céu e a planície uma claraboia brilhante por onde descerão em chamas os cavalos de Elias (2 Rs 2, 11ss.). Andarão ao seu lado, puxando um arado de bronze, conduzindo a fonte de água cristalina do topo da montanha até o vale seco para as mães lavarem as mãozinhas de seus filhos amados. Depois, deixará os cavalos correrem nos campos verdes onde os nativos dizem que contemplam corcéis negros galopando sobre as águas do rio.
Existem situações sem saída, no limite da vida. Este é um caminho; através da nuvem cinza se alcança o azul infinito, a liberdade plena.
Em 1997 foi professor na Amazônia. Chamou-me a atenção os gestos de um professor do 4º ano primário de uma escola da rede municipal de Benjamin Constant. No primeiro dia de aula, após as férias, o professor notou alguns alunos chamando um colega de “louquinho”. Por isto o estudante não conseguia progredir nos estudos, ficava atrapalhado. Havia uma dor incompreensível em seus olhos. Numa destas tardes, no intervalo, o professor viu o menino no pátio da escola abraçando seus colegas, de modo original, diferente. No final da aula o professor ficou com Raimundo na sala para dizer que admirava sua atitude de carinho, jamais vistos na escola, e que esquecesse a ofensa dos colegas. No dia seguinte o professor deixou o giz em cima da mesa e continuou o diálogo com todos sobre o que realmente estava acontecendo. Falou também com os pais, que ajudassem a escola e seus filhos. Algo mudou. Alguns estudantes começaram a se abraçar no pátio da escola, seguindo o exemplo de Raimundo. O desgosto na escola não é a nota baixa, a reprovação de ano, mas quando existe conflito entre os alunos, professores, pais... Os piores criminosos, as verdadeiras armas são a ofensa, a provocação, o deboche. O revólver, o dedo no gatilho, é consequência desta realidade presente na comunidade educativa, vestida com imitações de filmes violentos. Se todos agissem como o professor e os pais, se escolhessem bons filmes, se todos se abraçassem não teríamos suicidas e mortes nas escolas.
Um turista saiu para encontrar aventuras em templos e igrejas antigas da Europa. Na Espanha ficou encantado com algumas cruzes e as comprou. Comprou três lindas Cruzes de Caravaca. Uma prateada e duas douradas. A primeira lhe tinha sido a especial, signo de mistério e poder, em toda sua caminhada. Parece que ela funcionava realmente. Ao retornar para o seu país, arrumaria um altar para colocá-la. Quando chegou para rever seus familiares, sentiu que algo não estava bem. O clima na casa havia mudado, estava pesado. O tempo era de discussões e brigas. À noite, rezando, olhando para sua cruz prateada pediu ao Senhor que voltasse seus olhos para sua casa. Que aquela dor passasse para ele. Que ele a assumisse. Ao acordar percebeu uma claridade na sala, uma singela luz, chegando até o sofá, cintilando na cruz prateada que contemplava agradecido. Ao partir, deixou sua cruz. Sua mãe colocou-a em cima do bidê do dormitório, com o retrato de toda família. A outra cruz deu para seu irmão. Ficou com a última, a que comprou em promoção, uma dourada, o anjinho da direita que ajudava a sustentar a cruz estava sem asinhas.
Conheci uma aluna cega no curso de fisioterapia. Estudou o conteúdo das aulas de Humanismo e alcançou a nota mais alta. Com certeza realizará um bom trabalho ao atender seus pacientes.
Aos poucos aprendemos a acreditar em nossos próprios ossos, na carne profunda. Entre luz e sombra existe algo intenso. Alegre-se, pois um anjo pode estar ao seu lado e te defender, abrir a porta da prisão, apontar o caminho ou mesmo você pode ser um irmão entre eles e o povo. Porém, em certos momentos, o caminho de luz se encontra através do caminho do medo. Cuidado, alguns se transformam em demônios sem possessão. São fortes. Passam ano a após ano cometendo atrocidades criando uma sociedade em forma de triturador gigante. Continuam fortes até serem impedidos (...) enquanto nos campos de concentração muitos inocentes morreram com “pijamas listrados”.
Muitas vezes nos chega a notícia: Faleceu hoje... (Billie Holiday, Elvis Presley, Elis Regina, Ami Winehouse...) Tudo indica que foi por overdose, coquetel de substâncias tóxicas... O que aconteceu com os pais dos jovens drogados da Cracolândia da cidade de São Paulo? De modo especial deveriam perguntar-se a si mesmos, às companhias de cinema, à imprensa e ao Ibope - metáforas de anjos e demônios.
(...) Daniel e seus dois amigos dançaram no fogo louvando as obras do Senhor no meio da brisa fresca trazida por um quarto homem. Era um anjo enviado (Dn 3, 1-30); Saul ao entrar numa gruta caiu nas mãos de Davi (...) (I Sm 24, 3-21); Edith Stein demitida por uma Universidade, presa nas redes do poder, alcançou sabedoria no Carmelo e santidade no martírio, confiando, com phänomenologie e Cruz.
Ao confiarmos e contemplarmos profundamente, nos libertamos de males e temores, do veneno, como mostrou Moisés (...)(Nm 21, 7-9).
Somos uma mistura de luz e barro, moldados aos poucos nas mãos de Deus até nos assemelharmos à sua imagem. (...) com o Ressuscitado que celebra em nós uma festa sem fim, como falava Santo Atanásio. Portanto, 'buscai primeiro o Reino de Deus e tudo mais vos será acrescentado' (Mt 6,24-34).
Leia mais
- Os primeiros templos da Igreja Católica no Brasil dedicados à São Nicolau. Artigo de Édison Hüttner
- A mística cristã: conformar-se com Cristo
- A Mística não é misticismo
- A inteligência fascinada pela mística. Artigo de Gianfranco Ravasi
- #surpresa. Artigo de Gianfranco Ravasi
- O percurso da mística no cristianismo
- Rezar com os Místicos
- A experiência inaciana e o caminho espiritual de Bergoglio. Entrevista especial com Marcelo Fernandes de Aquino
- Uma espiritualidade encarnada, “com os olhos fixos em Jesus”. Entrevista com Alfredo Sampaio Costa
- Um caminho de libertação na escola de Inácio. Os “Exercícios Espirituais” do santo de Loyola
- Uma reflexão livre sobre a mística cristã. Artigo de Marco Vannini
- A fé é a verdadeira aliada da liberdade do homem
- Cardeal Tolentino Mendonça e José Mourinho conversam sobre esporte e transcendência
- A escolha da esperança, hoje mais do que nunca, é decisiva. Entrevista com José Tolentino de Mendonça
- Um dia esta dor vai nos ser útil. Artigo de José Tolentino Mendonça
- Tornar-se cristãos. Reflexão de José Tolentino Mendonça
- Fraqueza evangélica e fragilidade humana
- “A fragilidade da natureza é consequência de escolhas equivocadas e da ganância humana”, afirma Patriarca Bartolomeu
- Fraternidade: a força das fragilidades
- Prepósito Geral dos Jesuítas: que a nossa nova fragilidade nos leve a amar mais
- “Os fatos mostram que estamos em uma era de fragilidade”. Entrevista com Vijay Prashad
- Filosofia, mística e espiritualidade. Simone Weil, cem anos. Revista IHU On-Line N. 313
- O feminino e o Mistério. A contribuição das mulheres para a Mística. Revista IHU On-Line N. 385
- A mística nupcial. Teresa de Ávila e Thomas Merton, dois centenários. Revista IHU On-Line N. 460
- A autonomia do sujeito, hoje. Imperativos e desafios. Revista IHU On-Line N. 417