07 Novembro 2025
Sob o calor escaldante desta cidade semiárida no norte do Quênia, onde a terra rachada testemunha anos de seca, Jemima Cheruto se apoia em sua enxada e observa seu pequeno pedaço de terra. Antes dependente do gado, ela agora cultiva sorgo e cebolas, culturas resistentes que se tornaram sua fonte de sustento à medida que as mudanças climáticas intensificam seus efeitos na região.
A reportagem é de Doreen Ajiambo, publicada por National Catholic Reporter, 06-11-2025.
Durante anos, o gado representou riqueza e segurança. Para as mulheres, muitas vezes significava estabilidade no casamento. Mas quando uma seca prolongada dizimou seu rebanho, o mundo de Cheruto desmoronou.
"Ele me batia porque eu não conseguia sustentar a família", disse a mãe de dois filhos, de 27 anos, sobre o marido. "Um dia, ele pegou um facão. Eu fugi com meus filhos e nunca mais voltei."
A história de Cheruto é uma entre milhares que se desenrolam por toda a África, à medida que as mudanças climáticas alimentam a violência de gênero, o deslocamento e a fome. Mas é também uma história de resiliência. Ela se juntou a uma cooperativa de mulheres, aprendeu a cultivar sorgo e hortaliças e construiu um pequeno sistema de irrigação para coletar água da chuva. Hoje, ela vende seus produtos no mercado de Ortum, sustentando sua família por conta própria.
"Eu estava destruída", disse ela. "Mas não estou derrotada. A agricultura me devolveu a vida."
Enquanto o mundo se prepara para a COP30 em Belém, Brasil, de 10 a 21 de novembro, histórias como a de Cheruto são fundamentais para a luta da África por um acordo climático global que reconheça não apenas o aumento das temperaturas, mas também o custo humano. As mulheres estão na linha de frente dessa crise e querem que o mundo as ouça.
O impacto de gênero de um mundo em aquecimento
O Quênia enfrenta desastres climáticos sobrepostos. No norte, a seca forçou comunidades pastoris inteiras a campos de deslocados. No oeste, as inundações ao longo do Lago Vitória submergiram casas e terras agrícolas. Em ambos os lugares, as mulheres arcam com o peso maior do fardo.
Em todo o Chifre da África, a crise levou cerca de 23 milhões de pessoas na Etiópia, Quênia e Somália à insegurança alimentar aguda. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), no final de 2023, mais de 2,3 milhões de pessoas haviam sido deslocadas internamente na Etiópia e na Somália devido à seca. Crianças representam 40% dos deslocados internos no mundo, e as mulheres enfrentam riscos maiores de abuso durante o deslocamento, agravando a ameaça de violência de gênero.
No condado de Marsabit, perto da fronteira com a Etiópia, Fatuma Guyo já teve 85 cabras e gado. Agora, ela cuida de uma pequena plantação de sorgo nos arredores de um acampamento improvisado.
"A vida no campo é perigosa", disse ela. "Quando você vai buscar água, os homens te seguem. À noite, temos medo de sermos atacadas."
Em Budalang'i, uma área propensa a inundações às margens do Lago Vitória, no oeste do Quênia, Lilian Atieno, de 16 anos, foi deslocada depois que as enchentes destruíram a casa de sua família. No acampamento, ela relatou ter sido explorada por um homem mais velho que lhe oferecia comida.
"Eu não queria, mas não tive escolha", disse ela em voz baixa. "Agora tenho um filho e não estou estudando."
Um estudo de gênero realizado pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e uma avaliação da seca de 2022 feita pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários constataram que mulheres e meninas no norte do Quênia enfrentam riscos significativamente maiores de violência baseada em gênero, incluindo ataques enquanto percorrem longas distâncias para buscar água. Muitas caminham até 20 quilômetros (12 milhas) por dia, expondo-se a ainda mais perigos.
"As mulheres e as crianças são as que pagam o preço mais alto", disse a Irmã Jancy Chiramel, das Irmãs Missionárias de Santa Ana, em Lucerna. "Elas perdem suas casas e, consequentemente, sua segurança. A mudança climática não diz respeito apenas ao meio ambiente. Diz respeito à dignidade humana."
Nas comunidades pastoris, o gado representa poder e identidade. Quando a seca o dizima, a frustração se transforma em raiva e, com muita frequência, essa raiva recai sobre as mulheres.
"Quando os animais não voltam para casa à noite, as mulheres são espancadas", disse a Irmã Consolata Moracha, das Irmãs da Palavra Encarnada e do Santíssimo Sacramento, no norte do Quênia. "Quando as enchentes destroem as casas que as mulheres constroem, elas são espancadas novamente."
Sem renda própria, muitas mulheres permanecem presas em relacionamentos abusivos. Outras são forçadas a casamentos precoces ou a estratégias de sobrevivência arriscadas. Sharon Cheroloi, agora com 22 anos, fugiu de um casamento forçado aos 18 anos, quando sua família perdeu o rebanho.
"Nossas vidas dependem das decisões dos homens", disse ela. "Quando há seca ou enchentes, eles descontam em nós."
Hoje, Cheroloi trabalha como professora em uma creche administrada pelas irmãs, um testemunho do que pode acontecer quando as mulheres têm oportunidades de reconstruir suas vidas.
Adaptação desde a base
Contudo, em meio a essas dificuldades, as mulheres estão liderando uma revolução silenciosa de resiliência.
Em Ortum, Cheruto e outras mulheres fazem parte de uma iniciativa de agricultura climática inteligente apoiada pela Diocese Católica de Kitale e pela Caritas Finlândia. O programa capacita mulheres a cultivar plantas resistentes à seca, coletar água da chuva e diversificar sua renda por meio da apicultura, tecelagem e pequenos negócios.
Em Budalang'i, grupos de mulheres estão reforçando as margens dos rios com bambu, criando sistemas de drenagem comunitários e cultivando em terrenos mais altos. Abrigos religiosos oferecem proteção a mulheres que fogem de abusos, enquanto paróquias abrem suas portas para famílias deslocadas.
"Não podemos impedir a chuva, mas podemos proteger nossas filhas", disse o padre Dennis Oduory, que ajuda a coordenar a resposta às inundações no oeste do Quênia
A história do Quênia encontra eco em toda a África subsaariana.
Na Zâmbia, as secas recorrentes reduziram drasticamente as colheitas de milho. Mulheres como Emily Banda, no distrito de Choma, recorreram à agricultura de conservação, à rotação de culturas, ao uso de cobertura morta para reter a umidade do solo e à instalação de bombas solares para irrigação.
"É assim que sobrevivemos agora", disse Banda. "Cultivamos de forma diferente. Tivemos que fazer isso."
No Malawi, quando o ciclone Freddy atingiu a região em 2023, milhares de mulheres perderam tudo. Elas reconstruíram suas casas usando materiais mais resistentes e formaram grupos de preparação para desastres, a fim de responder mais rapidamente a futuras tempestades.
"Quando o ciclone chegou, perdemos tudo", recordou Esther Phiri, mãe de quatro filhos. "Mas aprendemos a reconstruir, desta vez de forma mais inteligente e forte."
Esses exemplos ressaltam uma verdade compartilhada. Mulheres em toda a África já estão se adaptando a uma crise que não criaram. Mas seus esforços continuam gravemente subfinanciados.
Uma COP30 de alto risco
A dimensão do desafio é impressionante. O Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno estima que mais de 26 milhões de pessoas foram deslocadas por desastres relacionados ao clima em 2023, com a grande maioria — cerca de 70% — na Ásia e na África, de acordo com o Relatório Global sobre Deslocamento Interno do IDMC. O Banco Mundial alerta que até 86 milhões de africanos poderão ser deslocados até 2050 se medidas urgentes não forem tomadas.
No entanto, o financiamento climático está muito aquém da necessidade. Na COP28, as nações ricas prometeram apenas 700 milhões de dólares para o Fundo de Perdas e Danos, o que representa apenas 0,2% do que os especialistas consideram necessário.
Para a ativista climática e negociadora Jackline Wanjiku, a COP30 representa um momento decisivo.
"Se os líderes em Belém não destinarem recursos reais, mulheres como Cheruto continuarão pagando o preço de uma crise que não causaram", disse ela.
A Wanjiku faz parte de uma coalizão climática de jovens e mulheres que pressiona os governos africanos a exigirem maior financiamento para adaptação, perdas e danos.
"O mundo fala sobre emissões e metas", acrescentou ela. "Mas para nós, a mudança climática não é uma teoria. É violência de gênero. É fome. São crianças fora da escola. A COP30 precisa trazer resultados para as comunidades mais afetadas."
Negociadores africanos e grupos da sociedade civil estão preparando uma estratégia coordenada para tornar a adaptação das mulheres um ponto central da agenda da COP30. Suas prioridades incluem aumentar o financiamento para perdas e danos nos países mais afetados por secas, inundações e ciclones.
Elas também querem que o financiamento para adaptação seja direcionado diretamente a grupos comunitários liderados por mulheres, incluindo agricultoras, organizações religiosas e cooperativas locais que já estão implementando soluções de base. A proteção contra a violência de gênero seria integrada a todas as estruturas de resposta climática, garantindo que a segurança e a dignidade façam parte da ação climática.
Por fim, os defensores da causa estão pedindo o reconhecimento e a valorização da liderança feminina na resiliência climática como uma prática recomendada globalmente, e não como uma reflexão tardia.
"Justiça climática é justiça de gênero", disse Wanjiku. "Se a COP30 não colocar as mulheres no centro das atenções, terá falhado com metade da população mundial."
Quando a política encontra a sobrevivência
Para Cheruto, a COP30 parece distante. Ela não estará no Brasil. Mas as decisões tomadas lá, sejam elas referentes ao desbloqueio de financiamento para adaptação, apoio a mulheres agricultoras ou proteção para aqueles que enfrentam violência, podem moldar seu futuro.
Sua pequena fazenda é a prova do que pode acontecer quando as mulheres recebem ferramentas para se adaptar. É também um lembrete do que está em jogo se elas forem ignoradas.
"Não é fácil", disse Cheruto, abaixando-se para arrancar ervas daninhas entre as fileiras de cebolas. "Mas pelo menos agora tenho algo para dar aos meus filhos."
Enquanto negociadores, ativistas e líderes mundiais se reúnem em Belém, as vozes das mulheres africanas ecoarão pelos corredores, mesmo que muitas delas estejam a milhares de quilômetros de distância.
"Mulheres como Cheruto são a espinha dorsal da resiliência climática", disse Moracha. "Elas são a razão pela qual muitas famílias ainda estão de pé. Mas a força delas não é infinita. Elas precisam que o mundo esteja ao lado delas."
Cheruto enxuga o suor da testa e observa seu campo viçoso de sorgo e cebolas, as plantações que a ajudaram a reconstruir sua vida das cinzas da seca e da violência. Sua voz é calma, mas firme.
"Não estamos pedindo piedade", disse ela. "Estamos pedindo ao mundo que aja. Se nos ouvirem na COP30, talvez nossos filhos tenham um futuro."
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