08 Novembro 2025
Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Gema), do Instituto de Economia da UFRJ, reúne em livro referências e novas gerações atentas aos desafios brasileiros.
A reportagem é de Elizabeth Oliveira, publicada por ((o))eco, 04-11-2025.
A história do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Gema), formado em 2000, se confunde com grandes transformações nas políticas públicas ambientais brasileiras e suas interfaces socioeconômicas nas últimas décadas. Mas a proposta do livro Economia do meio ambiente e desenvolvimento sustentável: um olhar sobre o Brasil (Editora Synergia), lançado na sexta-feira (31), vai muito além de uma mera retrospectiva de avanços e retrocessos. Reunindo um time de coautores de referência e novas gerações de pesquisadores, a publicação apresenta, dentre outras contribuições, discussões aprofundadas que transitam entre teoria e prática econômica aplicada a grandes temas brasileiros.
“Estamos tropicalizando as discussões [envolvendo interfaces entre temas ambientais e socioeconômicos]”, afirma ao ((o))eco o economista Carlos Eduardo Young, professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, vinculado ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED-IE-UFRJ), um dos fundadores do Gema e referência em estudos no Brasil pela perspectiva da economia ecológica, desde a década de 1990. Para ele, a publicação expressa a essência desse programa de estudos interdisciplinares.
O livro está dividido em duas partes. Economia e Meio Ambiente: Aspectos Teóricos e Desafios de Políticas Ambientais para o Brasil. “O capítulo de macroeconomia é de grande densidade”, observa Young, que também considera inovadoras as abordagens aplicadas a grandes temas nacionais como áreas protegidas, desmatamento e uso da terra, valoração econômica, além de ecossistemas e mudanças climáticas, dentre outras questões em foco. Desta vez, ainda não foi alcançado o objetivo de fazer um manual de Economia e Meio Ambiente, segundo relata, embora haja uma expectativa otimista no Gema de produzir uma versão ampliada, futuramente. Ele é um dos organizadores da obra recém-lançada, além de autor de Política Econômica Verde no Brasil e coautor de outros três capítulos na publicação.
Como parte dos diferenciais do livro, Young aponta as contribuições teóricas e metodológicas apresentadas por pesquisadores que alcançaram grande maturidade nas reflexões sobre os desafios brasileiros. O economista também ressalta que a publicação consegue inovar ao reunir autores consagrados em suas áreas, além de novas gerações de coautores que passaram por formação acadêmica no IE-UFRJ, como graduandos ou pós-graduandos, e na atualidade atuam em instituições de referência da gestão pública, da iniciativa privada e do terceiro setor. Dessa forma, estão aplicando na prática o aprendizado interdisciplinar construído no campo de políticas públicas.
Mas para além de um grupo de estudos, o economista considera que o Gema, na atualidade, funciona como uma rede forte de profissionais com visão e maturidade para propor caminhos possíveis de desenvolvimento sustentável no Brasil, sendo representantes não somente da UFRJ (à qual se vincula diretamente), mas também de outras universidades parceiras. Nesse contexto, ele opina que “a transição para a sustentabilidade não se dará de forma espontânea” e que esse processo demandará engajamento não somente de governos, mas de empresas, organizações do terceiro setor e da sociedade em geral. Young ainda aponta a necessidade de sinergia entre políticas ambientais e econômicas no país. “A gente busca trabalhar nessa conexão”, explica.
Inúmeros desafios frente ao status quo
O economista analisa, ainda, que o custo da inação frente aos desafios ambientais e de defesa status quo, sobretudo envolvendo a exploração de combustíveis fósseis, tende a trazer inúmeros prejuízos financeiros e sociais a cada evento extremo que vier a afetar o Brasil e o mundo. Um exemplo mencionado como ilustração dessa realidade foi o do furacão Melissa que atingiu a Jamaica e outros países caribenhos, recentemente, provocando mortes, paralisando atividades econômicas e “gerando perdas absurdas”. “A gente busca valorar os custos, apresentando alternativas [rumo à transição para a sustentabilidade em tempos de crise ambiental]”. observa. “Esse é o espírito da rede de trabalho conectada pelo Gema”, acrescenta.
Nos estudos realizados pelo Gema, refletidos no livro, Young observa que não são desprezadas referências convencionais da literatura, embora contrapontos sejam sempre propostos pela via da economia ecológica que inspira o grupo. Um exemplo de teórico neoclássico que continua sendo objeto de estudos e debates é o do economista inglês John Maynard Keynes, que ajudou a moldar o pensamento econômico no século 20, influenciando tomadores de decisão, ao defender, sobretudo, a regulação do estado, sempre que necessário, para a manutenção da estabilidade econômica. Na publicação, pela perspectiva pós-keynesiana, suas ideias são revisitadas criticamente por autores como Marcio Alvarenga Junior e Alexandre Kotchergenko Batista, no capítulo Abordagem Macroeconômica das Questões Ambientais.
"Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Um Olhar Sobre o Brasil", de Carlos Eduardo Frickmann Young, Bianca Scarpeline de Castro e João Felippe Cury Marinho Mathias (Gema, 2025).
Neste capítulo, os autores argumentam que, como parte dos desafios acadêmicos e para além deles, “as abordagens alternativas à visão neoclássica são ainda hoje bastante incipientes, não apenas pela hegemonia do pensamento neoclássico, mas também pelo baixo engajamento das correntes heterodoxas nos temas ambientais”. Diante desse cenário, eles destacam que as contribuições do Gema nas últimas duas décadas “representam um grande dissenso em relação à visão dominante”. “De um lado, essas contribuições se voltam à estruturação de uma abordagem macroeconômica da sustentabilidade. De outro, partem de uma abordagem pós-keynesiana, refutando as premissas e resultados da economia neoclássica”.
No capítulo, ambos discutem, entre outros enfoques sobre sustentabilidade, que a “política fiscal é estratégica para o crescimento verde da economia, pois representa criação imediata de demanda onde não existia, e essa demanda pode ser direcionada a setores limpos, a depender das prioridades do governo.” Entretanto, ilustram que no cenário brasileiro, “além do parco funcionamento das políticas de compras públicas sustentáveis, o baixo gasto em gestão ambiental contribui para uma política fiscal pouco efetiva à transição para uma economia verde”.
Em conversa com ((o))eco, o professor do PPED-IE-UFRJ, João Felippe Cury Marinho Mathias, outro organizador da obra, além de um dos autores, ressalta que o seu capítulo Meio Ambiente e Desigualdades: Reflexões sobre o Brasil, insere-se em um debate ligado à Justiça Ambiental. De um ponto de vista teórico e empírico ele discute, por exemplo, como os impactos das mudanças climáticas afetam mais fortemente as comunidades vulneráveis. Para o especialista, a reflexão do seu capítulo é uma contribuição como pesquisador do Gema com “visão alternativa ao mainstream”.
A temática da Justiça Ambiental tem ganhado mais repercussão global a partir de reivindicações dos movimentos sociais que inclusive já se refletem no âmbito da 30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP30), sediada entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém (PA). Nesse contexto, se busca trazer a Justiça Climática para as discussões e tomadas de decisão, tema que sempre foi tratado de forma periférica no âmbito da Convenção do Clima.
Segundo discutido por ele, em seu capítulo, “a “Justiça Ambiental” parte da premissa crítica a qual a literatura sobre desigualdade ambiental é focada na existência de resultados desiguais, mas não provê muita análise sobre os mecanismos por trás desses resultados”. Com base em pesquisa de bases teóricas das últimas décadas, o professor ressalta nas suas análises que o tema “tem sido alvo de escrutínio pelos pesquisadores do Gema”. “Ao aplicar a temática de desigualdade e meio ambiente admite-se a tese de que a degradação ambiental não é neutra do ponto de vista distributivo”, tendo em vista seus impactos mais acentuados para a qualidade de vida da população mais pobre.
Como parte das suas conclusões, ele aponta que “a integração interdisciplinar parece ser um caminho promissor no desenvolvimento da agenda de pesquisa sobre desigualdade e meio ambiente, particularmente nas abordagens que têm foco na análise local”.
Para o professor, os esforços dos coautores para marcar a celebração dos 25 anos de estudos do Gema resultaram em uma publicação densa, que certamente servirá como livro-texto para apoiar a formação de graduandos e pós-graduandos. O encontro de diferentes gerações de pesquisadores que têm resultado em uma promissora troca de conhecimento, além de gerar proposições para o desenvolvimento do Brasil em bases mais sustentáveis, também foi ressaltado por ele na entrevista.
Para Biancca Scarpeline de Castro, professora do Departamento de Administração Pública da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisadora do Gema, a coordenação de políticas públicas representa uma questão complexa em diferentes países, não sendo diferente no Brasil. Além da participação como organizadora do livro, ela também aborda essa temática no capítulo Política Ambiental em Perspectiva: Instrumentos, Avaliação e Coordenação que assina com Carlos Eduardo Young e Rodrigo Fernandes Gonçalves.
Em entrevista ao ((o))eco, ela destaca que as estruturas institucionais são atravessadas por inúmeras complexidades, tendo em vista, dentre outros fatores, as próprias características do federalismo em países como o Brasil. Nesse contexto de organização político-institucional, três esferas de poder (governo federal, estados e municípios) estão envolvidos nos processos de tomadas de decisão, sendo essas, muitas vezes, antagônicas. “A ideia é que o gestor de políticas saiba dessa complexidade e que a partir disso saiba atuar”, analisa.
Nesse sentido, a professora destaca a importância do livro como suporte teórico sistematizado pelos pesquisadores e que se soma aos seus exemplos práticos analisados. “Todos os capítulos trazem o estado da arte do tema que está sendo discutido”, explica.
No seu capítulo, por exemplo, a professora e os coautores ressaltam, que “as políticas de sustentabilidade e meio ambiente são exemplos de políticas públicas que impactam diversos atores, instituições e áreas interdependentes”. Diante disso, “a coordenação pode evitar a sobreposição e inconsistências entre as ações públicas e privadas, buscando a ordenação de prioridades e promovendo a compreensão de todos dentro do governo.” Com base nas referências pesquisadas e nas trajetórias intelectuais que têm construído, os autores também consideram que a coordenação “aumenta a eficiência e eficácia das organizações envolvidas”, “reduz os custos operacionais e amplia o sentimento de pertencimento à esfera pública”.
Como parte das conclusões, os autores ressaltam que “fatores físicos e geográficos podem gerar resultados diferenciados, assim como as condições político-administrativas de cada território”. Diante desse cenário, as pesquisas sobre o tema indicam que “regiões com maior capacidade institucional tendem a apresentar melhores desempenhos na implementação e nos efeitos das políticas ambientais”.
Assim como enfatizado pelos outros autores entrevistados, para Castro, o livro expressa o impacto positivo da formação intelectual e acadêmica de jovens profissionais que trilharam seus próprios caminhos e atualmente estão atuando em altos cargos em diferentes instituições no país. Ela enfatiza que são exitosos os esforços de reunir professores e pesquisadores de longas trajetórias com ex-alunos que se especializaram em temas que também trabalharam em seus capítulos.
Prefácio destaca trajetória de inovação na produção e formação acadêmicas
“Sempre à frente do seu tempo, o grupo se destacou por desenvolver pesquisas inéditas e propor abordagens interdisciplinares inovadoras tendo o meio ambiente como objeto de estudo”, opina a professora Valéria Gonçalves da Vinha, aposentada do IE-UFRJ e colaboradora voluntária do PPED em prefácio do livro. Ainda segundo analisa, todos os capítulos da publicação são propositivos. “Esta é uma marca do Gema. E não se trata de um pragmatismo ingênuo, teoricamente frágil, mas, sim, a convicção de que professores e pesquisadores têm por ofício propor alternativas e conceber mecanismos que atenuem nossos persistentes dilemas estruturais”, afirma.
Otimista quanto às repercussões da publicação, sobretudo em cenários atuais marcados pelos impactos perceptíveis da crise climática no cotidiano da sociedade, ela diz esperar que “este livro seja adotado como leitura obrigatória nos cursos de economia do país, pois seu conteúdo demonstra a conexão intrínseca entre meio ambiente e economia, cuja compreensão se torna premente quando os ataques à Natureza se intensificam”.
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